Os ucranianos estão a dizer ao Ocidente “Eu avisei” - e com razão

CNN , Opinião de Michael Bociurkiw
25 fev 2022, 09:03
Uma infraestrutura militar ucraniana danificado depois da invasão russa fora de Mariupol (AP Photo/Evgeniy Maloletka)

Michael Bociurkiw é analista de assuntos globais. É membro sénior do Conselho do Atlântico e antigo porta-voz da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. É colaborador regular da Opinião CNN. As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente da sua responsabilidade

Antes do nascer do dia de quinta-feira, acordei nesta cidade histórica com o som infindável dos alertas no meu telemóvel. A invasão da Ucrânia pela Rússia que fora prevista há dias estava por fim a decorrer.

As ruas estavam vazias e silenciosas e, quando surgiu a primeira luz do dia, a ansiedade e o medo começaram a sentir-se: as sirenes de ataques aéreos soaram pelas fortalezas, igrejas e pitorescas ruas de calçada da capital cultural da Ucrânia. Uma voz masculina instruía as pessoas para se abrigarem e desligarem as ligações de gás. As pessoas começaram a formar longas filas nos multibancos e a dirigirem-se aos supermercados enquanto ainda estavam abertos.

Depois do almoço, vi uma coluna de viaturas da embaixada canadiana sair do centro histórico de Lviv, onde um grande contingente de diplomatas se tinha instalado, depois de serem evacuados de Kiev. Uma diplomata sénior estava tão abalada que mal conseguia falar.

A guerra chegou oficialmente à Ucrânia, quase oito anos depois da revolta popular apelidada de Revolução da Dignidade ter derrubado o regime apoiado pela Rússia de Viktor Yanukovych. Dezenas de pessoas corajosas foram baleadas pelo seu governo debilitado em fevereiro de 2014. E agora, parece que se formou um novo campo de batalha em solo ucraniano, com as tropas enviadas pelo presidente russo, Vladimir Putin, que parece determinado a todo o custo a redesenhar o mapa de segurança da Europa.

Embora esta invasão em grande escala tenha chocado alguns líderes ocidentais, a avaliar pelas minhas conversas às primeiras horas de quinta-feira, dentro e nos arredores de Lviv, os menos surpreendidos eram os próprios ucranianos, que pareciam querer dizer-nos "eu avisei-vos".

Os ucranianos sempre souberam que as sanções com que o Ocidente ameaçava a Rússia seriam demasiado fracas e não bastariam para evitar esta horrível realidade.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky implorava ao Ocidente há várias semanas para que aplicassem as sanções severas a que os líderes em Washington, Ottawa, Londres, entre outros, se tinham referido com grande pompa. Mas, no final, a diplomacia de vaivém e das mesas longas não conseguiram dissuadir Putin, como a tardia suspensão do controverso e multimilionário gasoduto Nord Stream 2.

Em Nova Iorque, as Nações Unidas – uma instituição criada para impedir outra guerra mundial – reagiram com um discurso duro, mas no final de contas serão consideradas ineficazes, pois a Rússia tem poder de veto sobre qualquer ato do Conselho de Segurança. No início de uma reunião de emergência Conselho Segurança – um fórum frequentemente ridicularizado por uma série de diplomatas russos – o Secretário-Geral António Guterres disse: "Presidente Putin, impeça as suas tropas de atacarem a Ucrânia. Dê uma oportunidade à paz."

Como era previsível, a agressão russa levou a que muitos residentes de Kiev e outras cidades fugissem para locais mais seguros, criando grandes engarrafamentos no trânsito.

À medida que a invasão conhecer a sua plena força, a crise humanitária será cada vez mais sentida. Às 15:00, hora local, de quinta-feira, a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen declarou numa conferência de imprensa com o Secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg, que a UE fará "com que seja o mais difícil possível" para o Kremlin levar a cabo as suas "ações agressivas" na Ucrânia.

O fardo daqueles que fogem da Ucrânia em busca de segurança pode ser enorme. Os países vizinhos já estão a preparar-se para receber um fluxo de refugiados. Israel calcula que poderá vir a haver 5 milhões de candidatos a asilo vindos da Ucrânia, de acordo com o The Times of Israel.

Após o fracasso do encerramento ineficaz e prejudicial das fronteiras da UE como resultado da pandemia de covid-19, deverá haver preocupações legítimas de alguns Estados-membros da UE que discordam de Bruxelas na questão de autorizar a entrada de requerentes de asilo ucranianos (contudo, um ministro alemão disse que Berlim ajudaria os países vizinhos, caso houvesse um “fluxo de refugiados" em grande escala).

Ainda assim, as tropas russas e artilharia pesada estão em território ucraniano neste momento, ameaçando as grandes cidades e, num contexto mais vasto, ameaçando causar uma mudança sísmica na ordem mundial.

A agressão implacável de Putin trouxe-nos até este momento. E agora que o esforço do Ocidente para dissuadir Putin falhou, são os Ucranianos que sofrem as consequências. E estão a lutar pela própria vida.

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