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Luís e a liderança não-posicional

20 jun 2023, 19:25

Se pensarmos duas vezes, Luís Montenegro reagiu de forma irrepreensível à crise do SIS e aos trabalhos da Comissão de Inquérito à TAP. Reações públicas preparadas, contacto institucional pontual com o Presidente da República e com o primeiro-ministro, posição formal sobre a intervenção das secretas, pedido de responsabilização da secretária-geral do Sistema de Informações, disponibilidade para reformar o Conselho de Fiscalização, acompanhamento do pedido de demissão de Galamba feito por Marcelo, relativa tranquilidade quanto ao cenário – cada vez mais improvável – de eleições antecipadas, resistência cautelosa a uma CPI ao SIS, calma.

Tudo isto, se espremido nas ânsias da atualidade, valerá zero, pouco ou quase nada. E é mesmo assim quando se está na oposição diante de uma maioria absoluta. A vontade sem pressa mostra-se despida de valor até ao momento em que a paciência compensar – ou não – toda a espera. Até lá, cada corrida será vista como passo, cada gesto será tido como inconsequente, cada palavra será escutada como sussurro.

Montenegro tem o emprego mais ingrato da cena nacional: é líder do PSD. Nenhum outro motiva mais treinadores de bancada por metro quadrado, e tal não mudará tão cedo. Pelo contrário, quanto mais profunda for a exaustão do PS maior será o holofote apontado a Luís Montenegro e mais exposto estará o emagrecimento estrutural do PSD. A ascensão do Chega e a instituição da IL, bem como a imprevisibilidade de um sistema partidário em metamorfose, tornam inevitável a confusão entre as dificuldades reais do PSD e as debilidades eventuais das suas lideranças.

Ora, esse dado, bastante óbvio quanto a mim, não deve servir para inibir uma análise crítica ao incumbente. Montenegro cobre cada falha e cada dado, apresenta propostas e contra-propostas e antecipou-se ao governo nos momentos mais relevantes do último ano: pacote de emergência social para famílias e empresas, pacote de resposta à crise na Habitação, pacote de alívio fiscal a divulgar antes do próximo Orçamento. 

A questão não está, portanto, no que Luís faz ou não faz – porque, no geral, tem feito o que pode com aquilo que lhe deixaram. A questão está no que Luís é ou não é – e naquilo em que acredita. Por ordem, se enumerarmos as possibilidades negligenciadas de convicção, a lista não é animadora.

Aeroporto. Conversar com o governo, sim. Posição sobre a localização, não. Regionalização. Referendo, nem pensar. Posição sobre a matéria, idem. Eutanásia. Referendo, absolutamente. Posição sobre a matéria, próximo mas... não. Relação com o Chega. Coligação ou apoio com extremistas, jamais! Posição sobre alianças com o maior partido à sua direita, jamais também. Comissão de Inquérito às secretas. Vota favoravelmente a proposta da IL e do Chega, claro. Mas não avança por sua própria iniciativa, inviabilizado-a. Caso do deputado Pinto Moreira. Suspende e retira a confiança política, obviamente. Mas mantém-no no grupo parlamentar, onde continuará a votar em nome do PSD.

Como é evidente, a margem de manobra e a gravidade de cada uma destas circunstâncias são díspares e muitas vezes desproporcionais. Mas todas transmitiram ao eleitor uma sensação letal para o presidente do PSD: a de que o cavalheiro ou não tem opinião ou, se tem, é indiferente para o desenrolar dos acontecimentos. Como se a liderança da oposição fosse algo que se move, não existindo. Ou, menos sofisticadamente, como se se tratasse de um colchão velho onde já é impossível encontrar posição.

O dilema de Montenegro é esse, e pode ferir as suas chances até ao próximo ciclo eleitoral. Por um lado, quer escrutinar o suficiente para desgastar o governo. Por outro, assume sistematicamente um não-posicionamento enquanto posição constante. Para alguém que pretende ser candidato a primeiro-ministro, o pleonasmo é um estilo tão desatraente quanto a hipérbole. A pergunta, inevitavelmente, será esta: como pode o cidadão acreditar em Luís Montenegro quando nem ele acredita suficientemente em si mesmo para se permitir acreditar em alguma coisa?

Confuso, não é? 

Também acho.

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