A "modernidade não pode ser o enterro do passado" mas "voltar atrás não é uma proposta nova": como o logótipo do Governo pôs o país a falar da bandeira nacional

4 abr, 08:00
Logo Governo ATUAL

Uma "decisão coerente" ou um "regresso ao passado colonialista"? A primeira decisão do Governo de Luís Montenegro foi repor o logótipo da República usado pelo Executivo - "é a primeira medida para mudar estruturalmente Portugal em quatro anos e meio", justificou o ministro da Presidência, Leitão Amaro.

Carlos Coelho é diretor da Ivity Brand Corp e aquilo a que se pode chamar um expert em marcas. Já se assumia "manifestamente contra aquilo que foi feito" no ano passado pelo Governo de António Costa, quando o logo foi mudado, e assume-se "manifestamente a favor" de o logo antigo - desenvolvido pela agência Brandia Capital - ter sido reposto. Num texto de opinião divulgado pelo jornal Eco, descreve como uma "simplificadeira" a identidade visual criada pelo Studio Eduardo Aires, e que agora vai ser substituída. "Uma matriz ideológica que se diz 'inclusiva, plural e laica' e esconde um 'desprezo' pelo nosso caminho enquanto nação", considerou. 

À CNN Portugal, Carlos Coelho diz que aquilo que aconteceu no caso anterior "foi uma marca da República disfarçada de marca de mandato". "Os governos costumam ter marcas de mandato, fazem uma marca e chamam Governo de Portugal. Pode ser criticável ou não, mas é a única competência que um Governo tem para mexer nos símbolos nacionais." Critica o facto de a partir do momento em que passou a estar escrito "República Portuguesa" a maioria das interfaces do Estado português fossem usadas com essa identidade. Considera-a "uma modernização excessiva e, de certa forma, pouco culta, uma des-significação". "Um Governo muda, a República não. São coisas diferentes." 

Em cima: logótipo desenvolvido em 2011. Ao centro: logótipo desenvolvido em 2016. Em baixo: logótipo desenvolvido em 2023

Em relação à simplificação da bandeira, com a retirada dos símbolos nacionais, Carlos Coelho refere que a imagem do país "passou a ser representada com uma geometria básica, deixando para trás toda a história". "A evolução e a modernidade não podem ser o enterro do passado, não podem simplesmente deitar fora a construção que se faz de um país." No seu entender, os argumentos utilizados anteriormente são "tecnicamente inválidos", no sentido em que não é por se recorrer a uma vertente mais digital que a imagem não deve incluir tantos elementos visuais. "É exatamente o contrário", defende, e dá o exemplo de países como Espanha e Alemanha, nos quais os seus símbolos "não foram deitados fora". 

Congratula, portanto, o regresso "à casa de partida" do atual Governo. "O cidadão comum até pode não compreender a importância disto, mas Portugal passou a ser representado no estrangeiro com aquela imagem, não fazendo jus de uma forma correta à nossa cultura", continua. "Os símbolos nacionais não podem ser motivo de brincadeira." 

"O que é bom nunca deve ser mudado", acrescenta Rui Calafate, consultor de comunicação e comentador da CNN Portugal. Encara a mudança de logótipo no anterior Governo como "uma brincadeira de comunicação", que serviu apenas para "custar ao erário público 74 mil euros que não vão ser recuperados". "O logo antigo é um logo honroso, que respeita os portugueses e as tradições", argumenta. "É sempre um risco quando se tenta mudar uma marca reconhecida como fez o Governo do PS." 

"Não é uma proposta nova voltar atrás numa proposta de 2011"

Catarina Soares Barbosa, designer e ativista, acompanhou de perto, através da agência de comunicação onde trabalha, as alterações ao logótipo do Executivo durante a liderança de António Costa. Antes de a nova imagem se tornar pública já estava a ser inserida em materiais institucionais e, para si, a questão de fundo é muito simples: "Quer gostemos, quer não, é mais adaptativa àquilo que hoje em dia é a comunicação, principalmente o que é o digital." Para a designer trata-se de uma identidade funcional, seja para animações, redes sociais ou plataformas mais formais e que, desde o seu desenvolvimento, os conteúdos estavam "muito mais claros, concisos e apelativos", tão-pouco havia problemas no que concerne à sua legibilidade. "Mesmo as pessoas que gozaram com aquilo e colocavam emojis mostravam que funcionava." 

Recuar agora não é só "um desrespeito pelo designer nacional" e pelo trabalhador português, é também "uma tomada de posição", lamenta Catarina Soares Barbosa. "Estão a dizer que vamos voltar atrás, não estão a apresentar uma proposta nova, não é uma proposta nova voltar atrás numa proposta de 2011", critica, referindo-se aos símbolos da bandeira portuguesa como "colonialistas". "Não sei até que ponto é que nós portugueses nos reconhecemos ali, a história do país nestes símbolos é uma história do país vista por nós, e não vista por quem nós atacámos. Se nós pedirmos a uma pessoa não portuguesa para desenhar a nossa bandeira só vão saber as nossas três cores, não vão saber aqueles símbolos todos, nem o que significam." 

A designer aponta ainda outro problema: os custos. "Vão gastar muito mais dinheiro, porque vão ter de fazer tudo outra vez, nem vão usar as coisas do anterior", aponta, referindo-se aos materiais institucionais. Em relação aos 74 mil euros gastos na imagem que vai ser substituída, defende a ideia de que "um logo não vive de um logo sozinho, é uma identidade inteira". Além disso, não considera um preço "de todo exagerado". "São coisas que dão muito trabalho, tem milhares de desdobramentos que nós nem conseguimos imaginar, nem à primeira vista conseguimos pensar em tudo o que um logo do Governo vai ter de embarcar, tudo o que vai ser usado", defende. 

Em suma, estranha a necessidade urgente de mudar a imagem visual. "Acho que era para agradar mais o clickbait das redes sociais, porque quem tem problemas com habitação e não consegue ser atendido no SNS quer lá saber do que lá está", remata. 

Uma "decisão coerente" ou um "regresso ao passado"?

Miguel Costa Matos, deputado na Assembleia da República pelo Partido Socialista e secretário-geral da juventude do partido, considera todo este debate um "fait diver", entendendo que "há gostos para tudo". Por outro lado, defende a imagem anterior, que possuía "um tipo de letra único do Governo". "Tinha a vantagem do ponto de vista da segurança, além de ser esteticamente mais aprazível, embora isso seja subjetivo", diz. 

Em relação aos símbolos, sublinha que "não foram, de todo, abolidos e menorizados por deixarem de estar na comunicação institucional do Governo". Esta é, na sua ótica, "uma discussão um bocadinho estéril", mas admite ficar surpreendido pelo facto de ter sido a primeira decisão tomada após o Conselho de Ministros, "de todas as coisas que podiam fazer". "Podiam tomar várias decisões na área da comunicação, no sentido de ser mais próxima das pessoas e mais transparente, mas escolheram mudar o logo para o antigo", critica. "É a prova real de que este Governo vai ser mais sobre recuar até aos anos passados do que andar para o futuro, não augura nada de bom." 

Do lado da Aliança Democrática, Alexandre Poço, também ele deputado e líder da JSD, considera a recuperação da anterior imagem do Governo "uma boa decisão" e "coerente com aquilo que já tinha sido dito anteriormente por Luís Montenegro". "Penso que um logo do Governo que tem os elementos essenciais da bandeira é sempre um bom logo", argumenta. Questionado sobre se poderá representar um regresso ao passado, lembra que a identidade visual em questão foi utilizada "até há muito pouco tempo", inclusive pelo Governo de António Costa. "Não atribuía qualquer significado a isso", diz. "É coerente termos um símbolo nacional como os que estão na bandeira portuguesa. Todos nos orgulhamos e estimamos este elemento de união nacional."

Não são "verdadeiros portugueses"

Era uma promessa de Luís Montenegro e foi a primeira a ser cumprida assim que tomou posse, na terça-feira, com o lançamento do site do XXIV Governo: deixar de utilizar o símbolo institucional implementado pelo antecessor. "É que faz toda a diferença, nós, no nosso projeto, não fazemos sucumbir as nossas referências históricas e identitárias a uma ideia de ser mais sofisticados, connosco não há disso. Já chega de política de plástico", afirmava já o então candidato a primeiro-ministro, em dezembro, numa iniciativa do Conselho Estratégico Nacional.

Também Durão Barroso tinha tecido fortes críticas à simplificação da bandeira portuguesa como logótipo oficial do Governo, acusando de não serem "verdadeiros portugueses" aqueles que não se identificam com o brasão de armas nacional. "Diziam eles que o logótipo, as nossas antigas armas, não eram suficientemente inclusivas, que há uma parte das pessoas que não se identificam com elas. Mas se esses portugueses não se identificam com o nosso brasão de armas, então para mim não são verdadeiros portugueses, nós não temos símbolos mais inclusivos do que esses", argumento. 

Um ano depois, o novo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, revelou qual foi a primeira medida do novo Executivo: recuperar o logótipo instituído pelo Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, há 13 anos. No lugar da habitual bandeira estilizada surgem novamente a esfera armilar com escudo, quinas e castelos - símbolos nacionais cujo desaparecimento não agradava a muitos. Já a identidade "República Portuguesa", que veio substituir "Governo de Portugal" em 2016, durante o primeiro mandato de António Costa, acabou por escapar a esta mudança. 

"Retoma-se o logótipo que fora aplicado por vários Governos e que valoriza a história, identidade e cultura nacionais", justificava o comunicado emitido após o primeiro Conselho de Ministros

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