A transformação da irmã de Kim Jong-un, a "principal conselheira, porta-voz, trocista e distribuidora de ameaças e malícias" da Coreia do Norte

CNN
22 set 2023, 10:48
Kim Yo-jong

As recordações do inverno de 2013, quando os irmãos Kim mandaram humilhar e matar publicamente o tio, Jang Song-thaek, sublinham a crueldade do regime. A dinastia deles é, afinal, a mais estranha do mundo

Quando o líder norte-coreano Kim Jong-un se sentou para assinar o livro de visitas num centro espacial, na semana passada, no âmbito do importante encontro com o presidente russo Vladimir Putin, uma jovem inclinou-se casualmente sobre o seu ombro para ler a mensagem.

Entre o conjunto de funcionários, na sua maioria homens, rigidamente agrupados à volta dos líderes mundiais, a jovem destacou-se imediatamente. A mulher era Kim Yo-Jong - irmã mais nova do líder norte-coreano e uma das mais importantes conselheiras políticas do país.

Desde que, em 2018, passou para a ribalta internacional com uma visita histórica aos Jogos Olímpicos de inverno em Pyeongchang, na Coreia do Sul - o primeiro membro da família a pisar o Sul desde o fim da Guerra da Coreia -, Yo-jong tornou-se uma porta-voz fundamental do regime.

A irmã de Kim Jong-un ao lado do líder norte-coreano no Сosmódromo de Vostochny, na região de Amur, na Rússia, a 13 de setembro de 2023. (Foto: Kremlin)

E com uma língua afiada. Como escreve Sung-Yoon Lee, membro do think tank norte-americano Woodrow Wilson International Center for Scholars, no seu novo livro, "The Sister", Kim Yo-jong é a "principal conselheira, porta-voz, trocista e distribuidora de ameaças e malícias" da sua nação.

A CNN Opinion entrevistou Sung-Yoon Lee sobre a notável ascensão de Kim Yo-jong na sociedade altamente patriarcal da Coreia do Norte e sobre o poder que ela realmente exerce para além do discurso duro. As opiniões aqui expressas são da sua inteira responsabilidade.

CNN: De todos os membros da dinastia Kim, por que razão escolheu concentrar-se em Kim Yo-jong no livro?

Sung-Yoon Lee: Kim Yo-jong é a primeira figura feminina proeminente e poderosa a emergir na paisagem política brutal e dominada pelos homens da Coreia do Norte, governada pela família Kim há 75 anos.

Desde 2020, tem governado como a número dois real da dinastia, perdendo apenas para o irmão, Kim Jong-un.

Jovem, fotogénica, inteligente e mordaz, a senhora Kim parece exercer um poder real - com um toque verbal ofensivo. É propensa a fazer ameaças de ataques nucleares contra o Sul e é, sem dúvida, a mulher mais poderosa da Coreia do Norte atualmente.

O que é que sabemos sobre o início da vida de Kim Yo-jong? E da relação com o irmão?

A mais nova dos sete filhos de Kim Jong-il, o anterior líder supremo, foi acarinhada pelos pais desde o nascimento. Tanto a mãe como o pai chamavam-lhe "doce princesa". Segundo um antigo cozinheiro da família, o pai fazia-a sentar-se ao seu lado em todas as refeições familiares.

Passou quatro anos da sua infância, dos nove aos 13 anos, a viver com os dois irmãos na Suíça (Kim Jong-un e Kim Jong-chul), período durante o qual criou uma ligação estreita com Jong-un, o futuro líder.

Nas imagens de vídeo norte-coreanas, os irmãos Kim sorriem frequentemente um para o outro, como se estivessem a reafirmar os seus laços. Mesmo durante os eventos formais do irmão, ela ocupa-se despreocupadamente dos seus próprios interesses em segundo plano, enquanto todos os outros altos funcionários se mantêm em posição de atenção perante o irmão. Claramente, ela ocupa uma posição única na hierarquia do país.

Como é que a dinastia Kim começou?

Segundo a história oficial da dinastia Kim, Kim Il-sung, fundador do Estado e avô dos irmãos Kim, libertou praticamente sozinho a nação coreana do domínio colonial japonês em 1945. Como? Travando uma guerra de independência a partir do sopé do Monte Paektu, uma montanha majestosa que atravessa a fronteira do Norte com a China e que, na mitologia coreana, é o berço da nação de etnia coreana.

É uma afirmação extremamente exagerada, pois Kim Il-sung não passava de um oficial subalterno do exército soviético que, após a rendição do Japão, sobretudo graças aos EUA, foi nomeado por Estaline para ser o líder do Norte comunista.

A Coreia do Norte apropriou-se politicamente desta mitologia como a própria fonte de legitimidade da dinastia Kim; ou seja, teceu uma narrativa fictícia segundo a qual Kim Il-sung é o salvador e a sua descendência é também dotada de tais poderes sobrenaturais.

Em 2018, Kim Yo-jong participou nos Jogos Olímpicos de inverno da Coreia do Sul com uma mensagem de paz. Como é que a sua linguagem mudou desde então?

Depois de ter encantado grande parte da Coreia do Sul como debutante no palco internacional dos Jogos de inverno de Pyeongchang, em fevereiro de 2018, sofreu uma metamorfose de caráter; isto é, transformou-se dramaticamente de uma princesa altiva de Pyongyang, mas não descuidada, para uma líder por vezes desbocada da monarquia absoluta brutal, de estilo medieval, que é a sua dinastia.

O presidente sul-coreano Moon Jae-in (à direita) aperta a mão a Kim Yo-jong (ao meio), irmã do líder norte-coreano Kim Jong-un, em 2018. (Foto: Getty Images)

Ridicularizou o gabinete presidencial de Seul (comparando-o a um "cão assustado a ladrar" ou a "idiotas" que papagueiam os EUA) e chamou "senil" a Joe Biden. Estes contrastes, e o poder quase absoluto que parece exercer, fazem dela uma figura política contemporânea fascinante.

Mas será que ela é só conversa? Quais são alguns exemplos do poder que ela exerce? 

Em junho de 2020, emitiu uma declaração escrita apelando à Coreia do Sul para que aprovasse uma nova lei que criminaliza o envio de panfletos, dinheiro, medicamentos, pasta de dentes, etc. através da fronteira com o Norte. (Durante décadas, os desertores e outros ativistas dos direitos humanos enviaram os materiais para o Norte, geralmente em balões).

Horas depois da diretiva da senhora Kim, o Sul disse que a cumpriria. A nova lei foi aprovada em dezembro do mesmo ano, perante as crescentes críticas de grupos cívicos do Sul e de organismos internacionais, incluindo as Nações Unidas.

Lord David Alton, um membro sénior do parlamento britânico, chamou à nova legislação do Sul uma "lei da mordaça". No entanto, a administração sul-coreana da altura, que gozava de uma super maioria no seu parlamento, continuou a avançar. É o primeiro caso bem sucedido em que o Norte estende a sua censura sufocante para além da fronteira com o Sul - um feito que nem o avô, o pai ou o irmão de Jong-un conseguiram realizar.

Em junho, ameaçou também fazer explodir o Gabinete de Ligação Conjunta Norte-Sul, situado a norte da fronteira intercoreana e construído inteiramente com fundos sul-coreanos. Dias depois, foi demolido. No livro, escrevo sobre ambos os episódios com algum pormenor.

É tão difícil reunir informações sobre a família - como é que fez a pesquisa para o seu livro?

Estudei e ensinei sobre a Coreia do Norte durante 20 anos. Li praticamente tudo o que foi publicado sobre Kim Yo-jong e a sua família em coreano (incluindo fontes norte-coreanas), chinês e inglês. Assisti a centenas de horas de filmagens norte-coreanas e li milhares de artigos e declarações norte-coreanas para escrever este livro.

Entrevistei pessoas que se encontraram com Kim Yo-jong e também antigos altos funcionários norte-coreanos que desertaram.

O que é que o futuro reserva a Kim Yo-jong? Será que o poder passará inevitavelmente para a geração seguinte à do irmão?

Por norma, o poder deveria passar para um dos filhos de Kim Jong-un e não para a sua irmã. Mas Kim Yo-jong, como irmã corajosamente assertiva do líder supremo, é uma novidade. O que é que lhe espera no futuro? Irá ela alguma vez assumir a liderança máxima? É uma pergunta para a qual não há uma resposta definitiva. Mas também não é uma pergunta totalmente descabida.

As recordações do inverno de 2013, quando os irmãos Kim mandaram humilhar e matar publicamente o tio, Jang Song-thaek, sublinham a crueldade do regime.

A dinastia deles é, afinal, a mais estranha do mundo.

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