Porque é que Kim Jong-un quer que todos conheçam a sua filha

CNN , Brad Lendon
15 fev 2023, 08:11
Kim Jong-un e a filha, Ju Ae

Ao aparecer com a sua jovem filha em dois extravagantes eventos militares recentemente, Kim Jong-un disse ao mundo duas coisas - a família Kim irá governar a Coreia do Norte por mais uma geração e terá as armas nucleares para garantir que ninguém queira desafiar esse controlo. 

A menina - Ju Ae, que se acredita ser a segunda filha de Kim, com cerca de 9 anos de idade - juntou-se ao líder norte-coreano e à sua esposa num grande banquete num quartel militar de Pyongyang na noite de 7 de Fevereiro. 

Um dia mais tarde, ela também assistiu ao desfile de pelo menos 11 mísseis balísticos intercontinentais (ICBM) na Praça KIm Il Sung, na capital norte-coreana. 

"Ao exibir ostensivamente a sua esposa e a filha, Kim quer que tanto os observadores internos como os externos associem irrevogavelmente a sua dinastia familiar à força militar do país", disse Leif-Eric Easley, professor na Universidade Ewha, em Seul. 

Conheça os Kim

O domínio da família Kim na Coreia do Norte remonta a 1948, quando Kim Il Sung chegou ao poder no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. 

Quando Kim Il Sung morreu em 1994, o seu filho Kim Jong Il assumiu a liderança do país - e quando Kim Jong Il morreu, em Dezembro de 2011, o seu filho Kim Jong Un subiu ao poder. 

Os observadores ocidentais pensam que Kim Jong Un tem três filhos e que Ju Ae é a criança do meio, embora isto seja impossível de verificar por quem está fora da Coreia do Norte. 

Ao noticiar os eventos militares da semana passada, a comunicação social norte-coreana apresentou Ju Ae como a criança "respeitada" e "amada" por Kim.

Quando Dennis Rodman, a estrela de basquetebol, visitou Pyongyang em 2013, revelou que Kim tinha tido uma bebé chamada Ju Ae e chegou a contar ao The Guardian: "Segurei a bebé deles, Ju Ae, nos braços, e também falei com ela [a mulher de Kim]". 

A idade da bebé que Rodman conheceu bate certo com a idade que a menina aparenta ter nas imagens dos eventos militares.   

Não é demasiado cedo para pensar num sucessor? 

Cheong Seong-chang, analista sénior do Instituto Sejong na Coreia do Sul, explica que existe um precedente histórico para apresentar um sucessor bastante cedo: isso foi o que fez Kim Jong Il, o pai de Kim Jong Un.  

"Sabe-se que Kim Jong Il disse aos seus conselheiros que Kim Jong Un seria o seu sucessor no 8º aniversário de Kim Jong Un, quando cantou a canção 'Footsteps' para o filho", disse Cheong. Só que na altura, acrescentou, essa informação não chegou ao mundo exterior. 

"Por isso é que durante tanto tempo circularam rumores e se especulou sobre quem seria o sucessor, se seria o primeiro filho de Kim Jong Il, Kim Jong Nam, ou o segundo, Kim Jong Chol", disse Cheong.

Quando é que a filha de Kim saltou para a ribalta? 

A especulação de que Ju Ae seria a sucessora de Kim começou em Novembro passado quando os media estatais divulgaram fotografias de Kim e da filha a inspeccionarem um míssil balístico norte-coreano antes de um teste de lançamento.

O deputado e membro do comité parlamentar de inteligência sul-coreano, Yoo Sang-bum, identificou a criança como sendo provavelmente Ju Ae. No final desse mês, lembra Cheong, os meios de comunicação norte-coreanos divulgaram outras fotografias de Kim com a filha, e descreveram Ju Ae como a criança "mais amada". E, quase no final de 2022, aparecem fotografias da menina a visitar uma fábrica de mísseis com o pai.

É isto uma questão de sucessão... 

Cheong está convencido de que o facto da menina ter aparecido em eventos públicos recentemente e a maneira como ela é descrita no espectáculo mediático estatal quer dizer que ela está a ser preparada para suceder ao pai. No jornal estatal Rodong Sinmun, os artigos que falam da família de Kim mencionam em primeiro lugar Ju Ae e só depois a mulher de Kim, e escolhem adjectivos para falar da criança, como"amada" ou "respeitada", que transmitem a ideia de que ela tem um estatuto especial. 

"Parece ser o início do culto da personalidade de Kim Ju Ae e sugere que, embora ela ainda não tenha sido anunciada oficialmente como sucessora... ela foi já, de facto, escolhida", disse Cheong. 

Mas para que Ju Ae possa suceder ao pai, acrescentou Cheong, irá precisar do apoio dos militares. 

Se ela tiver destaque em eventos militares desde tenra idade, isso permitir-lhe-á conquistar credibilidade com os militares a longo prazo.

...Ou isto é apenas uma manobra de relações públicas? 

Nem todos os observadores estão convencidos de que Kim Jong Un decidiu quem o vai suceder. É possível que levar a filha para eventos militares seja apenas uma estratégia para chamar novamente a atenção para as forças armadas de Pyongyang, dado que, depois de um ano com um número recorde de testes de mísseis, as audiências internacionais parecem ter perdido o interesse, disse Chun In-bum, um general sul-coreano reformado. 

"Acho que os norte-coreanos - seja por acaso ou propositadamente - descobriram que esta é uma forma de chamar a atenção da comunidade internacional. E acho que se estão a divertir com todo o interesse que o aparecimento da filha de Kim Jong Un tem suscitado", disse. 

"Ao longo de uma história de sete décadas, os sucessores norte-coreanos têm sido sempre mantidos sob mistério. Porque é que eles mudariam agora o seu modo de funcionamento? Se tivesse que apostar 5 dólares, diria que ela não vai ser a sucessora."

E quanto aos mísseis? 

Embora restem muitas dúvidas sobre o papel de Ju Ae, restam poucas dúvidas em relação à ambição de Kim de aumentar o poderio militar e assegurar-se de que a sua família continua a controlar o país. 

Os 11 mísseis balísticos intercontinentais (ICBM) Hwasong-17 exibidos a semana passada são uma resposta ao apelo feito por Kim, no final de 2022, de um "aumento exponencial" do arsenal nuclear do seu país, em reacção ao que ele afirma serem ameaças da Coreia do Sul e dos Estados Unidos. 

Um especialista em questões nucleares do Carnegie Endowment for International Peace, Ankit Panda, comentou, nas redes sociais, que se cada um desses mísseis estivesse equipado com múltiplas ogivas nucleares as defesas de mísseis balísticos dos EUA poderiam não aguentar. 

Combustível sólido vs. combustível líquido

No evento da semana passada, os militares norte-coreanos desfilaram ainda material que os analistas acreditam poder ser um míssil balístico intercontinental de combustível sólido. Este tipo de míssil está um passo à frente da tecnologia de combustível líquido do Hwasong-17. Enquanto que os mísseis de combustível líquido precisam de mais tempo de preparação para o lançamento, os mísseis de combustível sólido podem ficar prontos para o lançamento quase de um momento para o outro. 

"Se realmente este é o caso, a Coreia do Norte passa a ter um arsenal mais móvel, mais flexível, mais letal...", disse Chun, o antigo general sul-coreano. Esse tipo de tecnologia daria ao regime de Kim "a capacidade de atacar um adversário com muito, muito pouco aviso prévio", disse Chun. "É um cenário realmente assustador". 

Relacionados

Ásia

Mais Ásia

Patrocinados