O que pode um mestre de karaté ensinar a um empresário? "A pessoa bem-sucedida ganha por resultado, não por hora trabalhada"

13 ago 2023, 22:00
Vinicio Antony

Vinicio Antony foi vice-campeão do mundo de karaté. Agora os seus livros e as palestras que faz pelo mundo inteiro ensinam atletas e leigos a importância dos valores das artes marciais no dia a dia

Vinicio Antony é cinto preto 6.º dan de karaté, 4.º dan jiu-jitsu e mestre internacional de kickboxing e thaiboxing. Foi 14 vezes campeão brasileiro, bicampeão pan-americano, vice-campeão mundial. Um dia disse “não quero mais”. A competição e as seis a oito horas de treino diárias deram lugar a 10 a 12 horas de trabalho. Tornou-se personal trainer e preparador físico de outros atletas.

Até que chegou de novo o dia do “não quero mais”. Vinicio deixou de “trabalhar para pagar contas” e de “vender” o seu tempo para passar a “entregar valor”. Uma mudança de vida que aconteceu perto dos 50 anos. Resgatou um sonho de infância e começou a escrever sobre o que tinha aprendido ao longo dos mais de 35 anos de prática. Dedicou-se àquilo que ele mesmo gosta de chamar de “ciências complementares”, com o objetivo de agregar valor ao ofício de ensinar. Estudou Neurociências Aplicadas, Programação Neurolinguística, Coaching, Gestão de Tempo, Foco e Disciplina e agora percorre o mundo inteiro a transmitir o conhecimento que adquiriu.

Vinicio Antony foi vice-campeão do mundo. Agora percorre o mundo a dar palestras. (Foto: Dragon Spirit Dojo)

Esteve recentemente em Portugal, numa viagem promovida pelo Dragon Spirit Dojo e deu palestras em Sintra e Seia para atletas de artes marciais e não só.

De que forma é que a disciplina do Karaté e das outras artes marciais podem impactar o sucesso de um profissional ou de uma empresa?

As artes marciais deixam isso muito claro. A medida do seu esforço é a medida da recompensa. Você vai ter exatamente o proporcional do que conseguir dedicar-se, entregar-se. A escala dos cintos é muito clara nisso. Se tiver uma quantidade de esforço pequena, no curto prazo, você consegue um cinto amarelo. Mais lá à frente tem outro cinto, que é um pouco mais distante. A próxima está mais longe ainda, com mais conteúdo, com mais informação.

Passamos a entender que todo o sucesso que podemos ter depende exclusivamente de nós, do quanto somos capazes de evoluir. Quando já não for capaz, paro. E o cinto negro é a pessoa que não para. O verdadeiro nunca para. O verdadeiro vai ser o cinto preto para sempre. Também tem muito a aprender.

Vinicio defende que os empresários têm muito a aprender com as artes marciais. (Foto: Dragon Spirit Dojo)

É aquele que entende que o cinto preto é só um marco. É um ponto de inflexão. Num momento dizemos: ou continuo como eterno aprendiz ou então acho que cheguei a algum lugar e paro. E isso faz com que estagnemos em qualquer coisa da vida.

Disse que depende integralmente de cada um de nós alcançar o sucesso. Mas onde é que entram as adversidades nesta equação?

O que não posso controlar não tem controlo. O problema é que achamos que podemos controlar tudo. Os líderes e os empresários têm muito a aprender na tarefa de delegar, de confiar. É a ilusão de controlo. As pessoas pensam que a nossa presença vai mudar o destino do que está a acontecer e não vai. É procurar soluções e não se focar nos problemas.

As artes marciais feitas de uma maneira correta, orientada de uma maneira correta, quando há o entendimento da essência, dos princípios… A técnica da arte marcial em si, os movimentos, não são nada mais do que um instrumento através do qual você cria situações de dificuldade para você mesmo. De superação, de frustração, de resiliência, de persistência, de consistência. Você persiste, corrige, olha de novo… e vai ficando a perceção de que, através do esforço, da atenção focada, da resiliência, acaba por se conquistar aquilo que se deseja.

Não é uma visão muito autocentrada? Egoísta até?

Os verdadeiros artistas marciais são pessoas extremamente altruístas. Ser um altruísta é abrir mão do que se tem para que o outro tenha. Nas artes marciais, oferecemos o nosso corpo e às vezes até a nossa integridade para que o colega desenvolva a técnica dele. Apesar de as pessoas acharem que é um desporto violento, não é. As duas pessoas envolvidas estão ali com uma proposta, eles sabem o que vai acontecer. É truculento? É. É de contato? É. É agressivo? Sim, mas nunca violento. Quando a luta acaba, o lutador acabou de trocar sopapos com o outro e, depois, cumprimenta o adversário. Abraçam-se. Muitas vezes vamos ver um jogo de futebol onde o jogador pisa o outro, dá uma cotovelada na cara do outro, quando a proposta é jogar à bola.

E de que forma é que isso se enquadra no mundo empresarial? No conceito de liderança?

O que é o líder? O líder é aquele que se sacrifica pelo grupo, é aquele que quando há um problema, coloca todos para trás e diz “a bola é comigo”.

As artes marciais ensinam-nos muito isso. Ensinam a liderar com entrega, orientação e doação.

Há dois conceitos de que gostava que falasse: o primeiro, é o tal “espírito de iniciante” e o outro é aquele que me parece a mim ser o oposto, “o espírito de cinto preto”.

Por exemplo, estou a prestar atenção às perguntas que me está a fazer para encontrar a melhor maneira de responder. O que estou a fazer? Estou a aprender consigo. Você está a ensinar-me a responder cada vez melhor. Uso todos os momentos para aprender e fico muito grato. Sinto gratidão por si. Sinto gratidão por todas as pessoas que passaram na minha vida e que me conduziram até hoje. Porque foi aprendendo um pouco com cada uma delas que me tornei em quem sou.

Para Vinicio Antony, o verdadeiro líder é aquele que tem o "espírito de cinto preto". (Foto: Dragon Spirit Dojo)

E isso é assim dentro das artes marciais. Quando vemos o cinto branco, amarelo, laranja, todos querem ajudar. E aceita-se a ajuda de todos. Você sente-se extremamente grato. Quando se passa a cinto amarelo, vem o cinto branco ajudar. E diz, não preciso. Já tem outro sentimento. Vai para o laranja, vai para o castanho… E começa a ter uma perceção de que está acima de alguém. E quando chega ao cinto preto é a soberba total. Mas o sentimento deve ser exatamente o contrário. Quem chega ao cinto preto deve entender que não sabe nada. Tem um mundo ainda para aprender e que toda a ajuda, tudo o que acontece, é muito bem-vindo nessa jornada de aprendizagem. Essa é a mente de cinto preto. E esse cinto preto tem o espírito de iniciante. Ou nunca o perdeu.

Diz que o segredo está no compromisso e que todos temos uma força absurda. Que força é essa? De onde ela vem?

Ela nasce connosco. Todos temos essa energia, uma energia brutal. E por que nem todos somos capazes de a aplicar? Porque a bloqueamos. A nossa torre de controlo vai ficando tão assoberbada, são tantos voos, que começa a perder-se. Então, sentimos medo, angústia, inveja, raiva, ausência. A nossa torre de controlo sente tudo ao mesmo tempo. E fica muito difícil orientar alguém quando se está perdido.

O grande segredo está na nossa individualidade. Em entender quem somos de verdade. Se a nossa individualidade se apaga, se a nossa essência está apagada, não se consegue o potencial máximo para realizar os desejos, as vontades de outras pessoas, seja o seu marido, o seu pai ou os seus filhos.

É uma questão cultural também…

O que nos falta culturalmente, a todos nós, para nos colocarmos em primeiro lugar? É um hábito que não é só dos portugueses. Todos achamos que estamos a ser muito abnegados quando prescindimos de nós em função dos nossos filhos, por exemplo, ou em função da nossa família. Temos a perceção errada. É uma herança cultural.

Há uma frase que diz: “Tempos difíceis criam homens fortes. Homens fortes criam tempos fáceis. Tempos fáceis criam homens fracos. Homens fracos criam tempos difíceis.” É um ciclo. Lembro-me que o meu pai não se podia sentar à mesa com o pai dele. O pai dele sentava-se, comia, fartava-se, e quando se levantava os filhos vinham e comiam as sobras. E era assim. As crianças não falam, comem na cozinha.

Depois, os nossos pais começaram a abrir um campo para as pessoas que não existiam. Os filhos sentam-se à mesa… E nós fomos mais além: os filhos, primeiro.

Estamos a criar homens fracos?

Exatamente. Infelizmente. Vejo o mundo a entrar num ciclo em que todos somos vencedores. Isso é uma disrupção. E está a ser construída por nós, pelos próprios pais. Você pode tudo, merece tudo, consegue tudo. Mas, atenção, merece tudo desde que você faça, consegue tudo desde que se esforce muito.

Felicitamos a criança que fica em primeiro lugar e, do mesmo modo, felicitamos a que fica em último. E o que fica? Fica esse sentimento de que que não preciso de nada para criar vitória, porque ela já existe e ela é oferecida fartamente para todos.

Diz que o segredo não está em olhar para o cinto preto, mas sim para o imediatamente a seguir àquele que temos. Quer desenvolver essa ideia um bocadinho à luz das nossas necessidades diárias?

Você para e pensa: o que posso fazer hoje que me vai deixar melhor do que estava ontem? O que posso ler? O que posso aprender? Quem posso ajudar? O que posso fazer por mim e pelos meus? Há sempre alguma coisa que se pode fazer, que está ao nosso alcance. Eu quero uma vida épica, uma vida extraordinária, felicidade, paz, felicidade no meu casamento, sucesso nos negócios. Tudo isso está distante. O que posso fazer hoje para ficar um passo mais perto? É a construção do sucesso. É tijolo por tijolo.

Se quero uma maçã, preciso limpar o terreno, preciso arar a terra, preciso adubá-la, tenho de plantar a semente. Posso fazer isso tudo. Tenho de esperar o tempo de a semente germinar. Isso não está no meu controlo. Mas tudo o que está no meu controlo eu faço. E depois espero.

Essa atitude de permanente alerta, de procurar sempre o que se pode fazer para melhorar, de aprendizagem constante, de procura da coerência não é extenuante?

Não. As artes marciais, na prática, são isso. Vai-se todos os dias para uma sala e faz-se a mesma coisa, o mesmo movimento. Só que cada um deles tem de ser melhor do que o primeiro. Vou corrigindo, vou ajustando. E assim é a minha vida, assim é o meu dia. Não é extenuante. É prazeroso, é enriquecedor.

Aos 40 e poucos anos decidiu que ia deixar de pagar contas. Deixou de trabalhar para pagar contas…

Não é deixar de pagar contas porque sou uma pessoa honesta. (Risos). Elas acabam por se pagar…

O que se alterou na sua vida com essa decisão?

Era atleta, queria competir, ser campeão do mundo. Era o meu desejo. E para isso dedicava todo o meu tempo, todo o meu esforço, tudo o que podia. Passei praticamente duas décadas a treinar ao extremo. Seis, oito horas de treino diários. De repente, uma chave virou na minha cabeça e eu disse “não quero mais”.

Vinicio Antony mudou de vida com mais de 40 anos. (Foto: Dragon Spirit Dojo)

E não sabia o que eu queria. E agora? O que quero fazer? Não sabia. Passei um tempo a trabalhar, a “carregar pedra”. Vamos ganhar dinheiro. Comecei a trabalhar o dia inteiro. Achava que, para ganhar dinheiro, precisava trabalhar muito. É o que quase toda a gente acha.

Deixou de treinar o dia inteiro para trabalhar o dia inteiro…

Exato. Mas, como é que se ganha dinheiro? Trabalhando duro? Não! É trabalhando certo. Só que demorei para entender. Então, vendia as minhas horas, vendia o meu tempo. Trocava o meu tempo por dinheiro. Trabalhava o dia inteiro para ganhar algum dinheiro. Mas, como as horas são finitas, o nosso tempo é finito, não dá para ganhar mais do que aquilo.

E então pensei: 'Preciso de fazer outra coisa, porque não é isto que eu quero fazer. Não quero passar o dia inteiro a entregar algo que vai perdendo qualidade ao longo do dia'. Eu começava a trabalhar às 06:00 e tinha a perceção que o meu trabalho ia perdendo qualidade ao longo do dia. Comecei a pensar: 'Se entregasse algo de maior qualidade e cobrasse mais por isso?'. Porque as pessoas pagam tudo o que tem mais qualidade, com prazer.

Qualidade em vez de quantidade…

Imagine que sabe muito mais do que sabe, que entrega muito mais valor para os seus clientes na área que quiser. É isso que nos leva para as alturas. É isso que faz com que as pessoas reconheçam o valor e que retribuam por isso. É por isso que digo: sucesso e dinheiro vem atrás da pessoa que entrega valor, ao contrário da pessoa que entrega o seu tempo. A pessoa que entrega o seu tempo vai ter um número finito. A pessoa que entrega valor não tem fim, porque o valor é imensurável. A pessoa bem-sucedida ganha por resultado, não por hora trabalhada. São grandes negócios fechados, grandes ideias, grandes projetos que se realizam.

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