Sakurajima entrou em erupção no Japão. E quando for o Monte Fuji?

25 jul 2022, 08:51

O vulcão mais ativo do Japão voltou a entrar em erupção e já obrigou à retirada de dezenas de pessoas das suas casas. Mas está numa zona pouco povoada. E como será quando o Fuji acordar, com 38 milhões de pessoas por perto? O Japão prepara-se para esse momento, que acontecerá mais cedo ou mais tarde

Pelo terceiro dia consecutivo o vulcão Sakurajima, na prefeitura de Kagoshima, no sudoeste do Japão, está em erupção, o que já obrigou à retirada de dezenas de pessoas que vivem na zona de risco da montanha.

Apesar de não haver relato de danos, a Agência Meteorológica do Japão elevou o alerta relativo a esta erupção para o nível 5, o mais elevado, que determina a evacuação dos residentes cujas casas possam ser diretamente afetadas.

O vulcão Sakurajima é o mais ativo do Japão, e cospe frequentemente fumo e cinzas, o que faz dele a principal atração turística da região. Porém, desde sábado a atividade do vulcão aumentou, com uma explosão bem visível ao fim do dia de domingo, que projetou grandes quantidades de cinzas até cerca de 2,5 quilómetros de distância da cratera, segundo a Agência Meteorológica. 

O fumo atingiu cerca de 300 metros de altura e acabou por fundir-se com as nuvens. As imagens que têm sido transmitidas pela televisão mostraram rochas vermelhas em brasa e cinza a sair do vulcão.

Na semana passada os cientistas que controlam a atividade dos vulcões no Japão tinham assinalado um “inchaço” em Sakurajima, o que assinala acumulação de magma. Desde então, o alerta foi elevado para o nível 3, ficando a montanha inacessível aos muitos turistas que a costumam escalar para observar de perto a atividade vulcânica.

Agora, mesmo depois da erupção deste fim de semana, “o inchaço não ficou resolvido", informou a Agência Meteorológica. "Iremos monitorizar cuidadosamente isto", assegurou Tsuyoshi Nakatsuji , da divisão de observação vulcanológica.

A ilha que deixou de o ser

"As áreas residenciais da cidade de Arimura e da cidade de Furusato, num raio de 3 quilómetros da cratera do cume do Sakurajima, devem estar em alerta máximo", disse o mesmo responsável da Divisão de Observação Vulcânica da Agência Meteorológica. Parte dos residentes de Arimura e Furusato foi já evacuada. Segundo a comunicação social local, estará em causa, para já, uma população de cerca de 50 pessoas.

Entretanto, a Agência Meteorológica instou os residentes num raio de 3 km de duas crateras deste vulcão a estarem atentos à queda de rochas, e apelou a uma forte precaução em relação os fluxos piroclásticos num raio de 2 quilómetros (os fluxos piroclásticos são nuvens de gases a altíssima temperatura, cinzas e pedras, expelidos pelos vulcões, e que se podem movimentar a uma grande velocidade junto ao solo, com efeitos potencialmente devastadores).

A última grande erupção no Japão aconteceu com outro vulcão na mesma prefeitura de Kagoshima - foi em 2015, com o vulcão da ilha de Kuchinoerabu.
Curiosamente, Sakurajima também era uma ilha; porém, devido à atividade sísmica e vulcanológica, acabou por ficar ligada a uma península.

E quando for o Fuji?

O Japão situa-se no chamado Anel de Fogo do Pacífico, e tem mais de uma centena de vulcões ativos, ou seja, cerca de 8% dos vulcões ativos em todo o planeta (só dois países - EUA e a Indonésia - têm mais vulcões ativos do que o Japão). Boa parte dos sismos e erupções registados em todo o mundo concentra-se nesta região. Quase não passa um dia sem que a Agência Meteorológica do Japão assinale um tremor de terra no país.

O último grande sismo - e o maior alguma vez registado no país - ocorreu em 2011, seguido de um poderoso tsunami. A combinação foi mortífera e o Terramoto de Tohoku (assim batizado devido à proximidade do epicentro à região com este nome) deixou cerca de 16 mil mortes, vítimas do tremor de terra ou do maremoto que se lhe seguiu. Este tremor de terra ficou ainda célebre por ter provocado o desastre na central nuclear de Fukushima, o mais grave acidente com centrais nucleares desde Chernobyl.

Monte Fuji (AP Photo/Jae C. Hong)

Um efeito colateral pouco conhecido do Terramoto de Tohoku registou-se no Monte Fuji - a montanha mais alta do Japão, o seu vulcão mais famoso, e inquestionável símbolo nacional. A sua atividade é monitorizada em permanência pelos peritos nipónicos, e logo após o grande sismo de 2011 foi notório um aumento na pressão interna da câmara magmática da montanha. Em 2012, houve enorme especulação por parte dos cientistas - com eco na comunicação social japonesa - sobre a iminência de uma erupção do Monte Fuji. A preocupação tinha boas bases, e as autoridades ordenaram a revisão e atualização dos procedimentos de emergência em caso de erupção, e investimento em equipamento para fazer face a essa possibilidade.

O facto de o Monte Fuji ficar a pouca distância de Tóquio (são cerca de 100 km, e a montanha é facilmente visível a partir do centro de Tóquio em dias claros) torna os riscos ainda mais sérios - trata-se da maior metrópole do mundo, com cerca de 38 milhões de residentes no total da sua área metropolitana.
“Irá Tóquio tornar-se na Pompeia dos tempos modernos?”, interrogava-se há tempos, com algum sensacionalismo, um texto publicado no Tokyo Today…

Burocracia japonesa não ajuda

A última grande erupção do Monte Fuji, em 1707, aconteceu depois de dois grandes tremores de terra - e é consensual entre a comunidade científica que foram estes abalos a razão direta dessa explosão, cujas consequências ficaram nos anais da história japonesa. 

Um acontecimento espetacular e catastrófico, que deixou três novas crateras na encosta sudeste do Monte Fuji, e terá sido a mais violenta erupção desde que há registo de vida humana no arquipélago. O fumo e as cinzas lançados pelo vulcão cobriram toda a região até Edo, a cidade que precedeu Tóquio, deixando um rasto de caos, destruição e morte.

Toda a cidade de Kawasaki, a cerca de 90 quilómetros do Fuji e a 20 de Tóquio, ficou coberta por 5 centímetros de cinzas, segundo a Agência Meteorológica do Japão.

Houve mortes por inalação de cinzas, inúmeras casas que não haviam ruído com o terramoto acabaram por cair sob o peso das cinzas, esmagando os seus habitantes, e também houve muitas vítimas devido à fome que se seguiu - mesmo os agricultores que puderam continuar a trabalhar viram os seus campos cobertos pelo manto de cinza que arruinou a produção.

Mesmo 300 anos passados, todas estas consequências poderiam repetir-se na atualidade.

Em 2012, perante o impacto do Terramoto de Tohoku, e os renovados receios sobre o Monte Fuji, as autoridades pediram estudos e planos de contingência e mitigação, mas há sérias dúvidas sobre a sua efetividade e eficácia. A burocracia japonesa é - com justiça - famosa mundialmente, e a dificuldade de concentrar responsabilidades e capacidade de decisão também. 

A erupção do Monte Ontake, no centro do Japão, em 2014, deixou 63 pessoas mortas ou desaparecidas, na sua maioria alpinistas. Foi o pior desastre vulcânico no Japão desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Antes desta montanha entrar subitamente em erupção, a Agência Meteorológica do Japão não emitiu qualquer alerta, apesar dos sinais de perigo. O Nível de Alerta Vulcânico manteve-se em 1, numa escala de cinco pontos. Porquê? Aparentemente por dificuldades de comunicação entre diversas entidades, que não partilharam informação. Ainda hoje as organizações governamentais que estudam e monitorizam a atividade vulcânica estão espalhadas por sete ministérios.

Lava será o dobro do que se supunha

Apesar destas dificuldades, a preocupação com o Monte Fuji tem permitido cada vez mais estudos, com vista a planear a melhor forma de mitigar o impacto de uma erupção. Um dos estudos mais recentes trouxe más notícias: a quantidade de lava que o vulcão poderá expelir pode ser o dobro daquilo que se supunha até há pouco tempo.

Um mapa de risco compilado em 2004 indicava que uma grande explosão do Fuji poderia expelir 700 milhões de metros cúbicos de lava. Porém, novos trabalhos envolvendo descobertas mais recentes, com a colaboração das três prefeituras consideradas de maior risco - Yamanashi, Shizuoka e Kanagawa - indicam que o volume de fluxo de lava de uma grande erupção do Monte Fuji atingiria provavelmente 1,3 mil milhões de metros cúbicos. Ou seja, quase o dobro do que era anteriormente projectado.

Poderiam surgir mais crateras no vulcão, e a quantidade de cidades e vilas afetadas - com necessidade de evacuação total das populações - seria maior: num total de 27 municípios, as zonas de risco de lava abrangem agora sete cidades e cinco vilas. A lava poderia fluir até 40 quilómetros de distância do cume, embora essa distância dependa fortemente de onde a lava rompe a superfície e da topografia local. Por junto, estaria em causa uma população de quase 700 mil pessoas. E isto, apenas olhando para a área que poderia ser coberta de lava.

Tóquio coberta de cinzas 

Mas o maior risco para a Grande Tóquio seriam as cinzas. Se a direção do vento fosse a mesma da erupção de 1707, as cinzas vulcânicas poderiam espalhar-se por toda a Área Metropolitana de Tóquio, perturbando o tráfego rodoviário e ferroviário - provavelmente impossibilitando ambos, numa metrópole onde a força de trabalho todos os dias faz o movimento pendular entre a periferia e o centro.

Uma simulação recente aponta, no intervalo máximo, para até 490 milhões de metros cúbicos de cinzas vulcânicas produzidas nas primeiras horas de uma grande erupção do Fuji. Segundo o jornal japonês Mainichi, seria cerca de 10 vezes a quantidade de resíduos gerados pelo terramoto e tsunami de 2011.
A simulação foi divulgada em março de 2020 por um grupo de trabalho do Conselho Central de Gestão de Catástrofes do governo nipónico. Tóquio poderia ficar sob uma camada de 10cm de cinza. As cinzas vulcânicas continuariam a cair pelo menos até 15 após o fim da erupção.

Cinzas do vulcão Sakurajima (Kyodo News via AP)

O peso das cinzas nos cabos de eletricidade - que em Tóquio são todos suspensos - provocaria cortes de energia, o mesmo acontecendo devido à entrada de cinzas no equipamento das centrais elétricas. Sem eletricidade o fornecimento de água seria provavelmente interrompido - isto, admitindo que haveria capacidade para filtrar a água, também cheia de cinzas. 

A mistura de cinzas e água teria também consequências no sistema de esgotos da cidade.

"A cinza vulcânica é uma substância fina e cristalina", explicou um especialista no texto já referido do Japan Today. "As pessoas que normalmente usam lentes de contacto, por exemplo, seriam aconselhadas a removê-las, uma vez que a fricção das cinzas pode danificar permanentemente as suas córneas. Os transportes públicos, água e esgotos, os computadores operados por bancos, e os elevadores em condomínios de arranha-céus correriam o risco de avarias. E tudo isto é susceptível de ter impacto nas linhas de vida em que as pessoas passaram a confiar".

Nalguns locais, diz a mesma simulação, poderia registar-se uma acumulação de cinzas igual ou superior a 30cm - nesse caso, é grande o risco de derrocada de casas de madeira (muitas vivendas no Japão são neste material, com boa capacidade de resistir aos tremores de terra). Se a chuva se juntasse à cinza, o peso e os riscos aumentariam.

Toshitsugu Fujii, professor emérito da Universidade de Tóquio, que liderou o grupo de trabalho, alertou que "um erro na resposta precoce poderia deixar dezenas de milhões de pessoas presas, e pode não ser possível distribuir mantimentos. É importante preparar um sistema para lidar com a situação com antecedência".

Autoridades preparam-se para o pior

A questão não é “se” o Monte Fuji um dia irá entrar em erupção, mas quando. Passados três séculos sobre o último desses eventos, é possível que aconteça a qualquer momento. A vez anterior que este vulcão esteve tanto tempo sem dar sinais de vida foi entre ???, quando esteve cinco séculos adormecido. Antes das erupções de 1704 e 1707, houve dois séculos de acalmia no Monte Fuji.

Mas a regra não é de períodos tão longos de repouso. Durante muito tempo as erupções do Fuji San aconteciam a cada século ou meio século.
Conforme as autoridades se preparam para o pior, no mês passado a Agência Nacional de Polícia (NPA) anunciou a compra de milhares de máscaras para distribuição aos departamentos locais da polícia - não apenas nas cidades e localidades no sopé da montanha, mas em toda a Área Metropolitana de Tóquio.

O pressuposto é que uma erupção enviaria cinzas vulcânicas para grandes distâncias, e as forças policiais seriam essenciais na coordenação de evacuações e na resposta à catástrofe.

"Precisamos de nos preparar para uma potencial catástrofe complexa, tal como uma erupção que ocorra após um grande terramoto", justificou um perito que colaborou com as autoridades.

A NPA estima que cerca de 36 mil polícias teriam de ser mobilizados para atividades de salvamento e para orientar evacuados no caso de uma erupção. Nesse sentido, o Orçamento de 2021 previa cerca de 27 milhões de ienes para a compra de artigos para este tipo de emergência, incluindo cerca de 95 mil máscaras e cerca de 6 mil óculos de proteção para os agentes da polícia e da Proteção Civil. Segundo foi então referido, esse equipamento será distribuído pelas diversas prefeituras na Área Metropolitana de Tóquio e outras regiões do país com vulcões ativos. Os orçamentos do anos subsequentes mantêm estas rubricas, para a compra de mais máscaras e óculos de proteção.

Alguns departamentos locais da polícia também começaram a fazer os seus próprios preparativos para uma possível erupção. A Polícia da Prefeitura de Kanagawa, que fica entre Tóquio e o Monte Fuji, assegurou duas retroescavadoras para a remoção de cinzas vulcânicas das estradas, enquanto que o Departamento de Polícia Metropolitana de Tóquio aumentou o número de geradores de energia para utilização durante as previsíveis interrupções de fornecimento de eletricidade. Os departamentos da Polícia de Kanagawa, Yamanashi e Shizuoka também passaram a conduzir exercícios de preparação para uma possível erupção do Fuji.

…e privados também

Mas não são apenas as entidades públicas que se preparam para este cenário de catástrofe. No final do ano passado, o jornal Nikkei Asia dava conta de que o gigante promotor imobiliário Mitsubishi Estate estabeleceu um plano vasto para preparar as diversas torres de habitação e escritórios que gere em Tóquio para o caso de uma erupção vulcânica. A empresa assegurou filtros extra para garantir a qualidade do ar nos respetivos sistemas de ar condicionado, e decidiu instalar coberturas especiais no terraço dos edifícios, para evitar entupimentos.

Também encomendou milhares de máscaras, óculos e vestuário de proteção para serem distribuídos por cada edifício - só nesses vinte prédios, a companhia estima um total de 100 mil pessoas, e está a estudar a criação de um sistema de alerta precoce, a melhor forma de evacuar toda a gente, garantir o seu transporte até casa e, se for caso disso, assegurar teletrabalho generalizado.

Evacuar… a pé

Já em março deste ano, um estudo mais recente sobre cenários de catástrofe numa erupção do Monte Fuji apontou para uma conclusão contraintuitiva: em caso de emergência, a melhor forma de salvar as vidas das populações que vivem perto da montanha será a evacuação a pé, e não de carro. 
Segundo esta simulação, nas zonas de declive suave, onde a velocidade dos fluxos de lava abrandaria, a evacuação de carro deve ser apenas para os doentes, idosos, crianças pequenas e moradores com dificuldades de locomoção. Os restantes, devem fazer a evacuação a pé, sob pena de provocar enormes engarrafamentos que colocariam em perigo a vida de todos.

Uma estimativa sugere que poderia demorar seis horas e 48 minutos para todas as pessoas evacuarem uma área na cidade de Fujinomiya, em Shizuoka, onde se espera que os fluxos de lava cheguem dentro de três horas após uma erupção, se as pessoas forem autorizadas a utilizar carros. Ao invés, uma evacuação a pé da mesma comunidade, estaria concluída em duas horas e 22 minutos.

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