NOTA DO EDITOR | Frida Ghitis, antiga produtora e correspondente da CNN, é colunista de assuntos mundiais. É colaboradora semanal de opinião da CNN, colunista colaboradora do The Washington Post e colunista da World Politics Review. As opiniões expressas neste comentário são da sua inteira responsabilidade
Alguns passageiros temeram pelas suas vidas no domingo à noite, quando aterraram no principal aeroporto do Daguestão, uma república russa maioritariamente muçulmana, e encontraram o seu avião rapidamente rodeado por uma multidão que invadiu o terminal do aeroporto e a pista depois de ouvir que um voo de Telavive estava a chegar.
Alguns dos desordeiros tinham bandeiras palestinianas, sublinhando a ligação óbvia entre aquele ataque e a guerra entre Israel e o Hamas. Mas o alvo da multidão eram os judeus.
Em cenas aterradoras, a multidão em tumulto, alguns gritando "Allahu akbar", cercou os passageiros, pressionando-os a provar que não eram judeus. Fora do terminal, revistaram carros à procura de judeus. Um dos passageiros disse aos meios de comunicação locais que o deixaram passar depois de ter mostrado o seu passaporte russo e de lhe terem dito que "hoje não tocavam em não-judeus".
O acontecimento chocante, no país que deu ao mundo a palavra "Pogrom" - um massacre organizado de judeus, comum no século XIX e no início do século XX - foi mais um na explosão global de antissemitismo que eclodiu imediatamente depois de milhares de terroristas do Hamas se terem infiltrado em Israel a 7 de outubro e lançado na matança de todos os judeus que puderam, de forma macabra, assassinando pelo menos 1.400 homens, mulheres e crianças de todas as idades e fazendo centenas de outros reféns em Gaza.
O aumento do antissemitismo tornou-se muito mais visível quando Israel lançou uma operação para extirpar o Hamas, a organização islamista que governa Gaza, numa campanha militar que criou um enorme sofrimento para os palestinianos encurralados entre os combatentes do Hamas - posicionados em túneis subterrâneos por baixo dos civis -, os militares israelitas e a fronteira de Gaza com o Egito, que permaneceu fechada até esta quarta-feira, quando um número limitado de pessoas foi deixado passar.
As cenas dramáticas de Gaza deram origem a novos protestos, com alguns a apelarem a um cessar-fogo e outros a cantarem "Do rio ao mar, a Palestina será livre" - um cântico que nega a existência de Israel. Os protestos começaram logo após a divulgação da notícia do ataque, quando Israel ainda estava a combater os terroristas do Hamas do seu lado da fronteira.
Quando a resposta militar de Israel se intensificou, o mundo pareceu ignorar o que o Hamas fez. A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou um apelo a um cessar-fogo, mas rejeitou uma moção de condenação do Hamas.
Este momento da história criou uma tempestade perfeita para o antissemitismo. Os acontecimentos das últimas semanas fizeram explodir as restrições da extrema-direita - onde o antissemitismo é muitas vezes expresso abertamente - e no extremo da por vezes não tão extrema-esquerda, onde surge revestido de uma retórica sublime de defesa dos mais desfavorecidos e de análises históricas distorcidas.
"Esta é uma ameaça que está a atingir, de certa forma, níveis históricos", disse o diretor do FBI, Christopher Wray, numa audiência no Senado, na terça-feira, referindo que "a comunidade judaica é alvo de terroristas de todo o espectro", incluindo extremistas violentos nacionais e grupos terroristas estrangeiros.
As universidades tornaram-se focos de antissemitismo, com os estudantes judeus a temerem pela sua segurança. No quadro de mensagens da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, um estudante escreveu que "traria uma espingarda de assalto para o campus" e dispararia sobre os judeus. Esta é uma escola da Ivy League (universidades de excelência) em Nova Iorque. (A polícia deteve entretanto um estudante de Cornell depois de alegadamente ter ameaçado matar estudantes judeus).
Não muito longe dali, na Cooper Union, os estudantes judeus, alguns dos quais tinham permanecido em silêncio numa contra-manifestação, enquanto um grupo maior de estudantes pró-palestinianos protestava, fecharam-se na biblioteca, enquanto do outro lado os manifestantes anti-israelitas batiam ameaçadoramente à porta. Os protestos pró-palestinianos têm sido repletos de slogans antissemitas, e alguns deles têm descambado para a violência.
Os judeus americanos estão mais familiarizados com o antissemitismo de direita. Este também está a prosperar. Tanto da esquerda como da direita, os judeus dos EUA e de outros países enfrentam todo o tipo de ameaças e ataques. Alguns grupos neonazis estão a rentabilizar a crise. Mas é a reação de alguns que costumavam ser almas gémeas ideológicas que tem deixado muitos de coração partido.
Como escreveu Michael Koplow, do Israel Policy Forum, "... grande parte da esquerda está agora a demonstrar que os seus apelos à justiça universal excluem os judeus desse universo".
O historiador Simon Sebag Montefiore, desmontando a "narrativa da descolonização" que os académicos usam contra Israel, observou com amargura: "Sempre me perguntei sobre os intelectuais de esquerda que apoiaram Estaline e os simpatizantes aristocráticos e ativistas da paz que desculpavam Hitler". Agora, disse ele, vê o mesmo padrão entre os apologistas do Hamas e os negacionistas da atrocidade, que ignoram as provas esmagadoras do que o Hamas é e do que fez.
O fenómeno, da esquerda e da direita, está a desenrolar-se em todo o mundo. Os antissemitas atacaram na Áustria, na África do Sul, na Nicarágua, na Alemanha, na Venezuela e noutros locais. Em Milão, um manifestante anti-Israel gritou: "Abram as fronteiras para podermos matar os judeus". Um adolescente numa manifestação anti-israelita em Hamburgo, na Alemanha, gritou: "Sou a favor de Hitler, por gasear os judeus".
Embora o antissemitismo seja galopante, não é de estranhar que, para milhões de pessoas em todo o mundo, o fenómeno seja totalmente inaceitável. O chanceler alemão Olaf Scholz disse estar "indignado" depois de uma sinagoga ter sido incendiada em Berlim, um dos muitos líderes políticos em todo o mundo que condenaram os ataques, da Austrália à Argentina.
Nos Estados Unidos, a administração Biden tem estado na linha da frente da luta, comprometendo-se a tomar medidas. E os candidatos presidenciais republicanos também denunciaram as atividades antissemitas nos campus universitários.
Como sempre, estas declarações fazem de facto a diferença. É fundamental que os líderes influentes realcem o facto de as críticas a Israel se tornarem habitualmente um disfarce para a retórica antissemita e coisas piores. E já é tempo de examinar os currículos que distorcem a história, por exemplo, estabelecendo falsas analogias entre as experiências dos negros americanos e as do Médio Oriente, transformando frequentemente jovens estudantes progressistas em apoiantes do ódio mais antigo.
É evidente que há muito espaço para o debate legítimo e para o desacordo sobre as ações de Israel. (As ações do Hamas não têm desculpa). Mas não há dúvida de que muitos dos que afirmam ser "antissionistas" em vez de antissemitas estão apenas a usar uma palavra mais recente para um ódio que existe há milhares de anos.
Para aqueles que pensavam erradamente que os Pogroms eram uma relíquia do passado, este momento foi um encontro chocante com a realidade. Não é apenas o confronto entre o Hamas e Israel que está em causa.
Esta crise ocorre durante um momento geopolítico muito difícil, em que o mundo está a realinhar-se em blocos concorrentes e regimes autocráticos como a Rússia e a China encontram no conflito um novo combustível para se inflamarem contra os Estados Unidos e os seus aliados.
É por isso que é curioso que o principal aeroporto do Daguestão - de maioria muçulmana, antiga casa dos bombistas da Maratona de Boston, na região de Cáucaso, onde Moscovo tem lutado contra o terrorismo - estivesse tão desprotegido. O que não é surpreendente foi a reação do presidente russo Vladimir Putin, que tentou culpar os Estados Unidos e a Ucrânia pelo ataque ao aeroporto.
Washington condenou veementemente o ataque e exigiu que a Rússia protegesse os seus cidadãos judeus. O rabino Alexander Boroa, presidente da Federação das Comunidades Judaicas da Rússia, disse que a guerra de Gaza "se transformou numa agressão aberta até contra os judeus russos", com as autoridades locais a permitirem ameaças abertas contra judeus e israelitas.
Na China, onde o governo controla as redes sociais, pouco tem feito para travar o fogo selvagem do antissemitismo - "Hitler conhecia verdadeiramente os judeus", afirmava um post popular - com os meios de comunicação social estatais chineses a contribuírem para as teorias da conspiração e desinformação sobre os judeus.
Os judeus de todo o mundo, preocupados com a sua segurança, perguntando-se em quem podem confiar, estão atentos às palavras e ações dos líderes sociais e políticos.
No Daguestão, o governo local condenou o ataque e foram necessárias forças de segurança helitransportadas para evitar o que poderia ter sido outro massacre.
O antissemitismo não tem muito de novo: o ódio individual demonstrado por homens pequenos tem sido alimentado pelas maquinações políticas de homens mais poderosos ao longo dos séculos. Mais do que uma vez, tudo saiu do seu controlo.