Mostrou “garra política” mas “foi o pior momento possível” para falar da reforma da justiça. O melhor, o pior e a surpresa da entrevista de José Luís Carneiro

23 nov 2023, 18:57
Comissão Nacional do PS (Fotos Lusa/ Manuel Almeida)

Pediu esclarecimentos à justiça sobre a situação de António Costa, dizendo não a querer pressionar, e foi mais longe, ao falar de uma reforma judicial. A entrevista de José Luís Carneiro à TVI/CNN Portugal fica marcada não só por esta ideia “preocupante” como pelo “piscar de olhos” para dentro do PS e para os eleitores moderados do PSD e pelo “carisma” que entende ser sinónimo de “ganhar as eleições”. A análise à entrevista ao candidato à liderança do PS com os comentadores Anabela Neves e Miguel Pinheiro

Para Miguel Pinheiro, José Luís Carneiro pode beneficiar da demarcação que conquistou, na entrevista à TVI/CNN Portugal, face a Pedro Nuno Santos, colocando fim à ideia que o adversário quer passar “de que todos estão de acordo com tudo”. Para Anabela Neves, o candidato a líder do PS firmou a “garra política” que tem e mostrou que é mais do que “moderação e capacidade de diálogo”.

O melhor

José Luís Carneiro “piscou o olho” aos militantes do PS e ainda aos eleitores moderadores do PSD. Quem o diz é a comentadora da CNN Portugal Anabela Neves, que garante que o ministro da Administração Interna, enquanto corre à liderança do PS, já prepara terreno para a disputa a primeiro-ministro.

“José Luís Carneiro afirma-se como um homem que pode reposicionar o PS ao centro político, tornando-o um partido que dialoga à esquerda no Estado Social e à direita nas áreas da soberania como a reforma da justiça e do sistema eleitoral”, explica. Anabela Neves constata que a entrevista foi “a afirmação do centro político” com uma “grande aposta” no centro-direita.

O candidato a líder do PS apresentou-se “preparado não só pela experiência de vida como pelas vitórias eleitorais”, tentando demarcar-se de Pedro Nuno Santos, adversário que a comentadora diz ser “movido pelas emoções”. José Luís Carneiro, explica Anabela Neves, “tentou mostrar-se em contraponto com o adversário com as funções executivas que correram bem e do ponto de vista eleitoral no caso das comunidades”.

Para Miguel Pinheiro, também “os pontos em que José Luís Carneiro frisou a diferença em relação a Pedro Nuno Santos” são os aspetos que mais benefício próprio podem ter. “Mostrar a diferença em relação a Pedro Nuno Santos é bom”, diz o comentador, explicando que o adversário do atual ministro da Administração Interna na corrida à liderança do PS “quer passar a ideia de que todos estão de acordo em tudo”.

Se “a falta de diferença favorece” Pedro Nuno Santos, José Luís Carneiro deixou implícitas essas diferenças. “Faz uma crítica clara ao adversário quando estava no Governo, no momento em que falou do facto de dar valor à lealdade no trabalho de equipa”, observa Miguel Pinheiro, que diz que o entrevistado se referia à divulgação da solução para o novo aeroporto de Lisboa, “sem falar com António Costa”, quando ainda era ministro das Infraestruturas.

O pior

Sobre a possibilidade de uma nova Geringonça, José Luís Carneiro não deu pistas. Sobre a viabilização de um Governo do PSD caso vença as eleições com uma minoria parlamentar, também não. “Após a avaliação dos resultados eleitorais, consultarei democraticamente os órgãos do meu partido, ouvirei o que têm para me dizer o formarei o meu juízo em relação a essa matéria”, disse o candidato.

As “indefinições” de José Luís Carneiro, como lhes chama Miguel Pinheiro, quanto a acordos pós-eleitorais, podem prejudicar o candidato a líder do PS. “Não quis tomar posições sobre alianças pós-eleitorais e refugiou-se em ter de ouvir o partido e isso passa a imagem de quem não tem convicções”, explica.

A estas declarações junta-se o que foi dito na área da justiça, onde José Luís Carneiro sublinhou a importância de uma reforma. “É muito importante que este aperfeiçoamento do nosso sistema de justiça possa contar o Ministério Público”, disse.

Estas declarações são “preocupantes” para Miguel Pinheiro. “José Luís Carneiro pretende debater sobre a reforma e isso pode ser interpretado como uma pressão sobre a justiça num momento em que decorre uma investigação que envolve o primeiro-ministro e ministros”, sublinha.

Já para Anabela Neves, se o melhor da entrevista foi a demarcação face ao adversário, com a “afirmação do centro político” e o piscar de olho ao centro-direita, a “capacidade do candidato se exprimir” deixou a desejar. “Embora revele uma capacidade de se explicar bastante concretizada, era preciso ser mais conciso em algumas questões, mas foi palavroso em alguns momentos”, aponta.

Apesar de afirmar que "existem palavras a mais para explicitar ideias que são muito importantes”, segundo a comentadora, o candidato à liderança do PS conseguiu “passar as grandes mensagens” que pretendia, ao mostrar que “privilegia o diálogo como arma e estratégia política”.

A maior surpresa

Carisma. Uma pequena palavra, mas “um teste importante” para José Luís Carneiro ultrapassar na entrevista à TVI/CNN Portugal. “O carisma vê-se nas eleições e afirma-se na forma como estamos no exercício das nossas funções e eu fui dos mais votados do país”, respondeu o candidato.

“José Luís Carneiro tinha de mostrar que tem garra política e não apenas qualidade de moderação e capacidade de diálogo”, diz Anabela Neves, que, no entanto, sem grande surpresa, já esperava “este perfil”. 

Para a comentadora, a confiança foi “a grande aposta” do candidato e o "teste" foi superado. “Tentou mostrar que, não tendo algumas características de Pedro Nuno Santos, tem outras fundamentais num momento de grande incerteza e dirigiu-se a um potencial eleitorado que, mais do que um bom orador que inflama plateias, quer um perfil mais sólido e de maior confiança”, conclui.

Já para Miguel Pinheiro, o pior de José Luís Carneiro revelou-se também a maior surpresa – e em nada boa. “Não esperava esta posição relativamente à justiça”, admite o comentador, garantindo que este “é o pior momento possível” para o fazer, já que pode criar a imagem de "pressão" sobre a justiça, enquanto figuras do Estado, como o primeiro-ministro demissionário, são alvos de investigação.

Miguel Pinheiro, que “não esperava que José Luís Carneiro propusesse debater agora”, compara as declarações do ministro da Administração Interna com as do adversário e aponta: “Pedro Nuno Santos foi muito mais cauteloso sobre a investigação a decorrer.” 

As declarações sobre as sondagens

Quando questionado sobre uma possível fragilização do PS, depois da queda do Governo, José Luís Carneiro usou as sondagens como resposta. “O Governo continua, por aquilo que vejo, nomeadamente nos inquéritos de opinião que têm sido desenvolvidos, a merecer a confiança da maioria dos portugueses, o que é surpreendente e mostra aquilo que sempre temos afirmado”, argumentou.

Esta é, segundo Miguel Pinheiro, a “argumentação que o PS vai usar muitas vezes”. “O grande objetivo é tentar mostrar que, apesar das enormes dificuldades que levaram à queda do Governo, os portugueses não veem uma alternativa clara e que o PS tem a capacidade de se manter no Governo, faça o que fizer”, descortina.

O principal problema do PS nestas eleições é, diz o comentador da CNN Portugal, “combater a ideia da sedução da mudança”. Este é um obstáculo para todos os partidos “há muito tempo no poder” e neste momento a “atração pela mudança começa a ser maior do que o medo da mudança”. 

As declarações de José Luís Carneiro surgem, assim, com o intuito de “impedir que se crie no eleitorado uma onda de mudança”, aponta Miguel Pinheiro.

Anabela Neves, por sua vez, considera que as declarações do candidato à liderança do PS são “absolutamente naturais”, já que em causa está o que diz ser “um trunfo para quem está dentro da corrida no PS e também para quem não está só a falar para o PS” – as sondagens.

“Apesar da crise profunda do PS, os portugueses aparentemente ainda o põem à frente nas sondagens. Há uma esperança de que o PS possa chegar ao dia 10 em melhores condições do que se pensava há duas semanas”, afirma a comentadora, acrescentando, no entanto, que ainda se atravessa “uma fase muito inicial” e que “é prematuro tirar conclusões”.

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