opinião

Jornalismo só é negócio se for jornalismo

21 set 2023, 22:13

Uma das grandes desgraças do século XXI é a ideia cada vez mais enraizada de que o jornalismo é um bem desnecessário. Como se, de repente, tivéssemos todos descoberto que não precisamos de ninguém à frente do portão para guardar a integridade das democracias, que os factos são do domínio do relativismo e a verdade, essa, é aquela que tiver maior cabimento nos nossos interesses momentâneos.

Na última década, o jornalismo tem vindo progressivamente a deixar de ser visto como um produto essencial, para ser percecionado como um produto instrumental. Uma espécie de marca branca que cada um pode copiar, recriar e adulterar, ao serviço do ego, da ambição ou dos míseros trocos que ele ainda rende. Espreme-se a vaca até que se lhe vejam as costelas, que os despojos ainda hão-de valer mais qualquer coisa no final.

Diz-se, com razão, que investir nos media é um ato de coragem. E é. Para aqueles que realmente investem, não apenas o seu capital, mas também lhe aportam uma visão de negócio e um propósito. Para os que arriscam tudo na criação de valor, que não apenas para si próprios.  Quem assim investe no jornalismo deveria ser digno das mais altas comendas.

Mas o jornalismo, por mais nobre e essencial que seja numa democracia, não deixa de ser um negócio. Só existe se for um negócio. Uma troca comercial entre quem o produz e quem o consome. Essa relação B2C é a única capaz de garantir a independência do jornalismo. Do valor que ele aporta a cada consumidor de notícias.

Pensar que o jornalismo é mais uma commodity que se fabrica numa linha de montagem, a preços asiáticos e programado ao belo prazer de quem nele manda, é matar o negócio. Ou é outro negócio qualquer. Porque o jornalismo é uma peça de barro única, moldada pelo conhecimento, pela memória, criatividade e pela inteligência de quem o faz. E isso tem um preço.

Mas a pergunta que se coloca é outra: porque é que há cada vez menos pessoas disponíveis para pagar esse preço? A resposta tem várias dimensões.

Relevância. O jornalismo só é digno desse nome se for relevante. E para o ser tem de ser capaz de provar a sua utilidade a quem o consome. Jornalismo é informação útil, corajosa, é publicar o que outros não querem que seja publicado, é pergunta, escrutínio, é poder dizer, mostrar e escrever sem uma agenda escondida.

Independência. Para ser relevante, o jornalismo tem de provar que é independente. E tem de o ser todos os dias, a cada notícia. A independência não é algo que se proclama ou reivindica, é a prova de que isso se consegue fazer a cada notícia que se publica, a cada pergunta incómoda que se faz e a cada decisão que se toma. Independência é não depender de mãos que se escondem atrás do arbusto, de agendas paralelas ou de interesses pessoais.

Liberdade. Talvez o valor mais importante do jornalismo. Porque, sem ela, os media tornam-se apenas empresas instrumentais comandadas por interessados ou invertebrados capazes de sobreviver às mais difíceis circunstâncias.

Sem estas três dimensões, o negócio do jornalismo está condenado ao fracasso. As redes sociais, a inteligência artificial e o mais que ainda estará para surgir rapidamente darão o golpe de misericórdia num setor há muito a esvair-se em sangue.

Não há bom e mau jornalismo. Há jornalismo — e há tudo o resto que se escreve e que se publica. E o jornalismo ainda pode ter muito futuro como negócio. Tem é de ser jornalismo.

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