O dia começou cedo para os participantes da Jornada Mundial da Juventude que percorreram quilómetros a pé e estão há horas estendidos, ao sol, à espera da Vigília. Estão 34º em Lisboa
Primeira fila. Cadeiras. A poucos metros do palco. Graça e António Frasão, Delphine e Antoine Vivant não cabem em si de contentes. São privilegiados, sabem-no. "Fomos convidados para este setor por sermos casais "caring" e também por acolhermos voluntários de longa duração", explica Graça. O cuidado e a dedicação que puseram na receção dos voluntários da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) nos últimos quatro meses, deram-lhes acesso ao setor mais perto do palco. O resto é por conta deles: em vez de confiarem na sorte, acordaram cedo, chegaram entre as 13:00 e as 14:00, ocuparam os melhores lugares. Trazem chapéus e mochilas com comida e bebida. Delphine e Antoine planeiam mesmo levar à letra o convite do Papa Francisco à vigília e pernoitar no recinto. "Teremos de sair deste setor, mas vamos ter com o grupo da nossa paróquia e ficaremos lá", conta Delphine. Estão preparados. "A parte pior vai ser agora à tarde", preveem.
Faltam cinco horas para a cerimónia da Vigília. Muito distante da primeira fila VIP mas na primeira fila dos setores para os participantes inscritos, junto às grades, está Lan Yoong Cheong, que tem como nome de batismo Modesta. Tem 30 anos e veio com um grupo de 180 sul-coreanos da arquidiocese de Seul. Chegaram a Portugal no dia 26 e têm tido dias muito intensos, de oração e de convívio. "Até agora, o meu momento preferido foi a Via-Sacra", conta. "Gostei muito dos testemunhos sobre a violência doméstica, as adições e os outros problemas dos jovens." Esta manhã, o grupo levantou-se bem cedo para poder entrar no recinto do Parque Tejo logo às 12:30. Sabiam que estavam num setor que lhes permitia ficar perto do palco, mas não queriam correr riscos: "O nosso objetivo era ficar na primeira fila. E conseguimos." Têm visibilidade total do palco. Mas a que preço?
São 15:00 e o termómetro marca 34º mas se ficarmos muito tempo ao sol parece que começamos a fritar. O grupo de sul-coreanos teve a ideia de juntar duas gabardines abertas e construir um pequeno toldo, colocando-se lá em baixo a descansar e a comer. Logo outros grupos seguiram a ideia. Cada grupo constrói toldos com o que pode, alguns usam chapéus-de-chuva, mas mesmo assim o calor é insuportável. Não há uma única árvore ou sombra natural. Miúdos encostam-se às barracas montadas para o apoio a cada setor, aproveitando ao máximo aquela nesga de sombra. Fazem-se filas para as torneiras, onde os jovens enchem as garrafas e aproveitam também para molhar a cabeça e o corpo.
A Proteção Civil garantiu que as equipas que iriam acionar o sistema de nebulização no Parque Tejo, em Lisboa, para refrescar os peregrinos estavam prontas, mas este recurso só seria utilizado em caso de necessidade. Se perguntassem aos jovens, seguramente que estes lhes respondiam que já era necessário há algum tempo. Aconteceu pouco depois das 17:00.
Ativado o robot do Regimento de Sapadores Bombeiros de #Lisboa, por solicitação do posto de Comado do evento, para minimizar os efeitos do calor juntos dos peregrinos que continuam a chegar ao Parque Tejo/Campo da Graca. @jmj_pt pic.twitter.com/5SL7DWmXkY
— Lisboa (@CamaraLisboa) August 5, 2023
Apesar de não haver números oficiais, nos postos do socorro que existem espalhado pelo parque, são visíveis inúmeros peregrinos que procuram assistência junto do INEM por causa do calor.
E ainda nem chegámos à parte de as casas-de-banho começarem a entupir (a esta hora, na zona reservada para imprensa e convidados já há boxes sem papel higiénico, outras a ficarem sujas e não há água para lavar as mãos - podemos imaginar como será no resto do recinto), ou de os peregrinos precisarem comprar comida. Os kits de alimentação foram entregues por voluntários em semi-reboques espalhados pelos vários caminhos pedonais. Uma garrafa de água, uma lata de salsichas, uma embalagem de atum, um pacote de leite, três pacotes de sumo, dois patés, um saco com fruta desidratada, cinco barras de cereais, uma embalagem de frutos secos, outra de bolachas de arroz, quatro ‘bagels’, um pacote com macedónia de legumes e duas embalagens com fruta, bem como lenços de papel e dois conjuntos de talheres de madeira, compõem o ‘kit’ alimentação para quatro refeições. Além da comida embalada, cada participante recebeu ainda uma garrafa de água de 1,5, litros. Modesta conta que o seu grupo foi ao supermercado antes de vir: "Não gostamos muito desta comida. Comprámos tudo o que achámos necessário, espero não ter que sair daqui."
Alguém comentava, olhando para a imensidão de gente que já se espalhava pelo recinto com 100 hectares, que isto fazia lembrar o Fyre Festival (um festival imaginado para uma ilha no Caribe, em 2017, mas que foi um fiasco porque não se criaram condições para abastecer devidamente a ilha). Ou até O Festival de Woodstock de 1999, realizado numa pista de aeroporto, sem sombras, onde os participantes lutavam por uma simples garrafa de água. Esperemos que aqui a situação não chegue a ser tão complicada.
As filas começaram logo de manhã. Pelas 10:00 a linha Vermelha do metro, em direção ao Oriente e a Moscavide, já tinha carruagens lotadas. Ao fim da manhã, o metro anunciava o encerramento das estações Saldanha e Alameda, por motivos de segurança. No Parque das Nações, os grupos iam-se aglomerando nas entradas com revista de segurança. Parados ao sol. A desesperar. Carregados com as suas mochilas com comida, colchões e saco-cama, preparados para pernoitar no Parque Tejo e ficar ali até à Missa do Envio, no domingo de manhã.
Cada grupo instala-se no setor que lhe foi atribuído. Alguns ficam realmente longe, a quilómetros do Papa. De certeza que não vão ver nada. E não era mentira: os responsáveis pelo polémico altar-palco tinham avisado que as alterações que tornariam o palco mais barato iriam diminuir a visibilidade dos participantes. Confirma-se. O palco não é assim tão alto. Felizmente, em cada setor há um ecrã gigante - o que, apesar de tudo, tornará o acompanhamento da cerimónia bastante mais fácil do que no Parque Eduardo VII.
Por agora, resta esperar. Beber água. Colocar protetor solar. Grupos musicais têm subido ao palco, também eles ao sol, para tentar animar os jovens. Mas esta tarde nem os grupos de jovens mais animados parecem ter energia para cantar. Felizemente, começou a levantar-se vento. A partir de agora a temperatura começa a baixar e tudo vai melhorar.
A Vigília terá início às 20:45. Na cerimónia participam o Ensemble23, o Coro e a Orquestra da JMJ, dirigida por Joana Carneiro. Haverá uma participação especial da cantora Carminho.