opinião
Estudante de Doutoramento em Teologia na Universidade da Santa Cruz, Roma

Steve Jobs, o Papa Francisco e tu

29 jul 2023, 16:30

Roma, Via del Corso, final de uma tarde de verão. Tomo um café espresso com um amigo ateu antes de me despedir de Roma. O bar fica ao lado da Apple Store no n. 181. Depois de uma conversa distendida, o meu amigo convida-me a entrar nessa loja. Nota-se que é um espaço diferente. Com portas gigantes que nos fazem sentir pequenos. A frescura do ar condicionado faz-nos esquecer o rigor do calor romano. A iluminação é quente e cuidada. À direita e à esquerda vemos as mesas rodeadas de pessoas que tocam e experimentam a bondade da tecnologia. Subimos ao segundo andar e vemos um pequeno auditório com uma tela gigante e algumas cadeiras. Em contraste com a sala de baixo, o ambiente é escuro, convidativo e íntimo. É aí que nos cruzamos com um genius, um dos assistentes vestidos com t-shirt azul. Naquele contexto, vem-me à memória Steve Jobs. Mesmo no país da moda e do design, os templos da Apple são especiais. 

O meu amigo comenta algo que me fez pensar: “Os visitantes da Apple Store procuram respostas para questões mais profundas do que as habituais preocupações por comprar um telefone. As paredes da loja estão decoradas com fotos de planetas. Parece que aqui está o universo inteiro”. 

Pensei em Steve Jobs. Por volta do ano 2000 pensou que a Apple estaria cada vez mais dependente dos grandes retalhistas que vendiam os seus produtos. Assim nasceu a Apple Store. Estes espaços recordariam a cada utilizador Apple que ele faz parte de uma comunidade mais valiosa que os seus produtos. Por isso as lojas parecem templos. As mesas onde se admiram os produtos são autênticos altares. Os genius assemelham-se a padres que ajudam a entrar no mundo da tecnologia e capazes de descrever um produto que parece divino.

Confirmei esta imagem quando li este artigo na Forbes e depois de terminar a leitura da obra “La marca de Dios”, uma conversa entre um publicitário espanhol de renome que se considera ateu (Toni Segarra) e um gestor (Leopoldo Abadia). Segarra defende que uma marca credível deve criar um sentimento de pertença. É o que acontece com a Apple. Uma pessoa confia que o seu dispositivo é o melhor e há milhões de pessoas que acham o mesmo. E, para isso, Steve Jobs apresentava os seus produtos como se fosse um ritual, com uma liturgia própria. E remata este autor: “Assim como a Apple tem o desafio de te levar do tangível (produto) ao intangível (transcendente), a Igreja Católica é chamada a fazer um processo semelhante, mas inverso: do intangível (Deus) ao tangível (sacramentos)”. Esta ideia fez-me sentido e lembrei-me que o Papa Francisco nos tem ajudado a fazer esse caminho.

2. Papa Francisco e a possibilidade de tocar Deus. Bergoglio, desde o dia em que foi eleito, demonstra um evidente desejo de facilitar, a todos os fiéis, o acesso a Deus. O Papa toca Deus diariamente. Para ele, Deus não é uma boa teoria, um guru, um bom mestre. Deus é Alguém, um ser pessoal que o faz levantar-se da cama às 4h da manhã para fazer duas horas de adoração e  celebrar a Missa.

Deus não elimina o enigma do sofrimento e do mal, especialmente o dos inocentes. Depois de Deus feito homem ter sofrido, e sendo Ele “o inocente”, então o sofrimento já não é somente o espaço do absurdo, é também um lugar onde Deus está, e onde já não se sofre sozinho. E o contacto com este Deus que morreu por cada um de nós, o contacto com a salvação, acontece especialmente na Missa. 

Como padre recentemente ordenado, consigo perceber que uma pessoa que vai à Missa, ainda que conviva diariamente com as suas debilidades, não se conforma com os seus limites. A Missa não é o prémio dos santos, mas o pão dos pecadores, dos pequeninos, dos que se reconhecem fragilizados, dos que são gente comum. E cada vez que recebemos o Pão da Vida, Jesus vem dar um novo sentido às nossas fragilidades. 

Numa das catequeses recentes perguntei a uma criança o que era a Missa. Esta, com a ingenuidade que lhe é própria, disse que era o encontro com alguém que se ama muito. “Quando estamos com alguém que gostamos - ela deu o exemplo da sua avó - falamos e almoçamos. Na Missa também ouvimos a história de Jesus e comemos com Ele”. Estas palavras, na sua simplicidade, poderiam ser ditas pelo Papa. Porque ele faz-nos acreditar que Deus existe e pode ser acreditado, que é um Deus pessoal que se interessa pelos meus problemas, um Deus que tu podes tocar em cada Missa.

3. Tu também podes tocar Deus na Missa. Fui recentemente visitar uma casa das Irmãs da Caridade, seguidoras da Madre Teresa de Calcutá, em Espanha. Conheci a Irmã Carmen que se dedica a visitar uma zona de barracas perto dessa casa. Contou-me que todas seguem as indicações da Madre Teresa: nunca saem à rua sem antes ir à Missa. Parece um contrassenso, quando têm tantas pessoas que as esperam. A Irmã Carmen confidenciava-me: “tocamos e tratamos dos outros com mais carinho quando antes tocámos a Deus”. Fez-me pensar na minha vida cristã e na grande responsabilidade que tenho de ajudar as pessoas a tocarem a Deus, e ajudar Deus a tocar as pessoas. E lembrei-me, também das lojas da Apple: a necessidade de tocar, para que as coisas boas nos entrem pelos sentidos.


«Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39). O Papa escolheu este slogan para a JMJ. Maria sabia que era a mãe de Jesus. Levar Jesus no seu seio transforma a sua vida em serviço. Não sabemos de que falará o Papa na JMJ, mas certamente recordará a necessidade de tocar Deus. “Se não comerdes a carne do filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6, 53). Esta é a experiência central do cristianismo. Dos apóstolos, de Tomé e de todos os santos. Especialmente dos patronos da JMJ, como por exemplo, Carlo Acutis, Santo Antonio de Lisboa, S. João Paulo II, S. João de Brito ou a Beata Chiara Badano. O que tinham em comum? Participar na Missa, tocar em Jesus, acreditar que em cada Eucaristia o invisível se faz visível, o intangível se torna tangível, aquilo que era contingente é imprescindível. 

Tu e eu estamos chamados a entender melhor a Missa. Precisamos de ajuda, como uma pessoa perdida na Apple Store e que pede ajuda a um genius. O pior que pode acontecer na vida cristã é repetir rotinas sem entender o seu significado mais profundo. Por isso, esta JMJ é uma boa ocasião para pensares porque vais à Missa ou porque deixaste de ir. E perguntares a alguém que te explique a Missa. Ou consultar esta explicação da Missa do Bispo Robert Barron, o influencer católico com mais seguidores depois do Papa.

O Papa e mais de um milhão de jovens de 160 países vão juntar-se no Parque Tejo nessa Missa de encerramento da JMJ. Os grandes encontros do Papa com os jovens acontecem na Missa. Às vezes presencialmente, como no próximo dia 6 de agosto. Mas em cada Missa, desde aquelas que o Papa celebra todos os dias na sua capela privada, às que se celebram na Casa das Irmãs da Caridade, e até aquela última em que participaste, ou nas que se celebrarão todos os dias da JMJ nas igrejas de toda a cidade… em todas as Missas se volta a repetir esse encontro dos homens de todo o mundo com Deus. Deus quer tocar-te todas as semanas. Se uma semana tem 168 horas, não poderias dedicar uma delas para tocar a Deus?

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