“Nos bastidores fala-se em exílio de Bolsonaro para evitar processos. A questão é quem estará disposto a recebê-lo”

31 out 2022, 14:50
Jair Bolsonaro (créditos: Getty)

Bolsonaro foi alvo de centenas de denúncias e acusações que vão desde homicídio ao roubo de salários de trabalhadores

Jair Bolsonaro foi o primeiro presidente da história do Brasil a falhar uma reeleição. Perdeu para o homem que sempre criticou e atacou por ter enfrentado a justiça por corrupção. Mas o destino de Bolsonaro, a partir de janeiro, quando deixar o Palácio da Alvorada e entregar a chave a Lula da Silva, pode estar ainda mais ligado à justiça do que o do seu rival. Bolsonaro perde a imunidade que lhe permite ser julgado apenas no Supremo Tribunal Federal e pode ser processado por qualquer magistrado ou qualquer procurador de qualquer parte do país.

“As autoridades, quando estão no poder, como o presidente, têm o chamado foro privilegiado. Ele vai perder esse foro privilegiado já em janeiro. Significa, por exemplo, que um familiar de uma vítima de covid que achar que ele não comprou vacinas a tempo ou não tomou as medidas necessárias para conter a pandemia e o seu familiar morreu por isso pode processá-lo”, explica Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais e politólogo.

O especialista não tem dúvidas de que Jair Bolsonaro será inundado de processos na justiça brasileira. Até porque, durante o mandato, foi alvo de centenas de denúncias e acusações que vão desde homicídio, por causa da má gestão que fez da pandemia, ao desvio de fundos públicos e até roubo de salários de trabalhadores.

“Se esses processos se proliferarem pelo país, ele terá uma vida muito difícil porque não terá nenhum tribunal específico para o julgar. Desde logo ele terá muitos gastos jurídicos, pagos com bens próprios ou pagos pelo seu partido. Resta saber é se o seu partido estará disposto a continuar a apoiá-lo, até porque já se fala que o PL [Partido Liberal] pode integrar a base de apoio ao governo de Lula. E não é só a questão dos gastos. Há a possibilidade de ser preso. Ele próprio já expressou esse medo”, explica Vinícius Vieira.

“Atiro para matar mas ninguém me leva preso”

Em agosto, já as sondagens apontavam para o regresso de Lula da Silva ao poder, Jair Bolsonaro verbalizou o temor de enfrentar a justiça. Na altura, comparou-se com a advogada Jeanine Añez, que se proclamou presidente da Bolívia após a queda de Evo Morales, em 2019, e acabou detida em 2020 após o regresso da esquerda ao poder: “A turma dela perdeu as eleições, voltou a turma do Evo Morales. E o que aconteceu? Ela foi presa preventivamente. E agora foram confirmados 10 anos de cadeia para ela. É uma ameaça para mim quando deixar o governo" - declarações feitas em São Paulo durante uma reunião com pastores presidentes das Convenções das Afiliadas da Convenção Geral dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus do Brasil (CGADB).

De acordo com a imprensa brasileira, os desabafos privados foram ainda mais dramáticos. Guilherme Amado, colunista do jornal Metrópoles, escrevia a 2 de agosto deste ano: "Agitado, falando de maneira descontrolada, Bolsonaro causou impacto, em especial quando disse qual seria a sua reação caso a polícia batesse à sua porta para executar uma ordem de prisão: ‘Eu atiro para matar mas ninguém me leva preso. Prefiro morrer’".

De acordo com Vinícius Vieira, Bolsonaro já se estará a preparar para esse cenário. Mais concretamente para não ter de o enfrentar. “Nos bastidores fala-se em exílio para evitar estes processos. A questão é saber que país o poderá acolher… Terá de ser um país conservador, uma Hungria, uns Emiratos Árabes Unidos… Não será fácil, mas já se fala nessa hipótese de exílio”, explica o politólogo ouvido pela CNN Portugal. “O Bolsonaro acha que o PT vai querer se vingar dele mas o grande perigo para ele são as ações civis. Ações em primeira instância virão em força”, antevê Vinícius Vieira.

O fim da imunidade deixa então Bolsonaro mais vulnerável à Justiça. Os processos que tem pendentes no Supremo Tribunal Federal (STF) devem descer às primeiras instâncias. Atualmente, tramitam no STF quatro processos contra o ainda presidente: um por divulgação de dados de investigação da Polícia Federal (PF) sobre o ciberataque ao Tribunal Superior Eleitoral, outro por tentativa de interferência indevida na PF, outro ainda por ligações a organizações para divulgação de fake news sobre o processo eleitoral e outro ainda sobre uma falsa associação entre a vacina contra a covid-19 e o risco de contrair o vírus da sida.

Mas muitos outros podem ser abertos, como já se viu, em qualquer parte do país. Contudo, uma eventual condenação pode levar anos. Uma prisão preventiva, à semelhança do que aconteceu com Michel Temer, estaria sempre dependente da sua conduta após sair do planalto.

“Bolsonarismo ficou maior do que Bolsonaro”

Politicamente, o futuro de Jair Bolsonaro também parece incerto. Continuar a contar com o apoio do PL parece ser um cenário pouco provável, mas não significa que esteja morto politicamente. “Ele vai continuar a ser líder político. Ele só não será oposição a Lula se não quiser. Não há nenhum nome à direita que o possa substituir”, considera Vinícius Vieira.

A falta de apoio do PL não será, aliás, uma preocupação de maior para Bolsonaro, habituado a trocar de sigla política: “No Brasil temos partidos fracos, sem uma identidade clara. Ele já passou por oito partidos. O próprio PL é um partido de direita mas não de extrema-direita”.

Bolsonaro deixa o Palácio da Alvorada mas o bolsonarimo fica e pode levar anos a dissipar-se. “O bolsonarismo ficou maior do que Bolsonaro. Ele perde a presidência mas o bolsonarismo nacionalista, supremacista, racista, vai continuar. E não são só os seus filhos (Eduardo, deputado federal, Flávio, senador federal, e Carlos, vereador do município do Rio de Janeiro) - são os milhões de seguidores”, aponta Vinícius Vieira, que conversou com a CNN Portugal na madrugada após a segunda volta das eleições presidenciais, ainda no rescaldo da vitória de Lula da Silva.

Vinícius Vieira lembra que o ainda presidente do Brasil pode até vir a formar o próprio partido político, caso se confirme a perda de apoio por parte do PL. Explica o politólogo que o ainda presidente conta com o apoio de vários representantes na Câmara dos Deputados, que “não se sentirão confortáveis se o PL integrar a base de apoio a Lula”. E podem canalizar esse desagrado para o apoio a um eventual partido criado por Jair Bolsonaro.

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