Como é ser árabe em Israel? Uma convivência nem sempre pacífica

20 dez 2023, 16:55

Com mais um episódio no longo conflito entre Israel e os palestinianos, a convivência entre a maioria judaica e as minorias árabes pode estar, mais uma vez, ameaçada. A CNN Portugal falou com um representante da organização social Standing Together. Itamar Avneri diz que a única forma de Israel existir é com uma convivência pacífica entre árabes e judeus dentro do território

Itamar Avneri não poupa palavras quando critica o que define como "os políticos mais radicais de Israel". "Querem criar entre nós uma cultura do medo". E cita vários membros da atual coligação governamental, como o Ministro da Defesa Nacional Itamar Ben-Gvir, membro do partido de extrema-direita Otzma Yehudit (Poder Judaico) ou Bezalel Smotrich, o Ministro das Finanças, do Mifdal ( Partido Nacional Religioso- Sionismo Religioso), também de extrema-direita. 

Mais de 20 por cento dos cidadãos do Estado de Israel são árabes, entre muçulmanos sunitas, cristãos e drusos. Mas isso não quer dizer que vivam como cidadãos de pleno direito, o que é especialmente verdade para os muçulmanos. 

"É mais duro para os árabes, para os cidadãos de origem palestiniana, entrar no mercado de trabalho em Israel," explica Itamar Avneri à CNN Portugal. "É mais difícil arranjar um lugar para viver."

"Há muitos políticos que tentam criar divisões entre judeus e árabes, como Itamar Ben-Gvir, que disse que iriam ocorrer episódios de violência entre judeus e árabes em Israel. Avneri refere-se aos cidadãos israelitas de origem árabe. "E claro que o que ele disse foi que os árabes iriam atacar Israel."

"Uma visão messiânica de Israel"

As últimas eleições legislativas de Israel aconteceram em novembro de 2022, mas permitiram a formação de uma coligação com políticos que Itamar Avneri diz terem "uma visão messiânica de Israel." 

"Acreditam que o país inteiro só pertence aos judeus," explica. "Acreditam que o Estado de Israel, que a Terra de Israel é maior do que o que existe. E chegam a falar em colonatos no Líbano." 

Poucos confrontos entre judeus e árabes, mas violentos 

Ao longo dos 75 anos de História de Israel como Estado soberano, os confrontos com os palestinianos foram várias vezes motivo para o agravamento das tensões entre a maioria judaica israelita e as minorias. Aconteceu durante as intifadas de 1987-1993 e de 2000 a 2005 e durante os confrontos entre militantes palestinianos de Gaza e o exército de Israel em 2006, por exemplo. 

Mas Itamar Avneri diz à CNN Portugal que, desde outubro e até agora, o sentimento anti-árabe tem-se manifestado de forma mais pontual, ainda que em episódios mais violentos do que o habitual. O discurso, por outro lado, parece mais violento.

Foi o caso do episódio de 29 de outubro em Netanya, cidade com pouco mais de 220 mil habitantes a uns 20 quilómetros a norte de Telavive.  Nessa noite, centenas de pessoas concentraram-se junto aos dormitórios de uma instituição académica, ocupados por árabes israelitas, gritando "morte aos árabes" ao mesmo tempo que tentavam forçar a entrada no edifício.

Os vídeos do cerco aos dormitórios depressa chegaram às redes sociais, enquanto os manifestantes acusavam estudantes árabes de terem interrompido a oração de sábado e de terem lançado ovos a pessoas perto de uma sinagoga. Disseram também que os estudantes tinham colocado música alto, para incomodar quem rezava, e que teriam exibido uma bandeira da Palestina. É o que conta o diário isrelita Haaretz.

Enquanto a instituição confirmou, mais tarde, que a polícia tinha sido chamada por causa dos ovos, não havia qualquer prova ou acusação anterior da exibição da bandeira da Palestina ou pelo facto de ter sido usada música para incomodar quem estava dentro da sinagoga. 

Netanya não foi caso único desde os ataques do Hamas de sete de outubro. Avneri conta que algo semelhante "aconteceu em Safed, Tzaft em hebraico. Houve um protesto contra a entrada de estudantes árabes nos dormitórios. Cerca de mil pessoas protestaram." Mas o membro da Standing Together diz que, ao contrário de Netanya, Safed é uma cidade mista, onde convivem judeus e árabes.

Uma plataforma minoritária num país polarizado

O movimento Standing Together tem algum apoio nos grandes centros urbanos de Israel, como a região metropolitana de Telavive. Mas Itamar Avneri diz que também há membros e simpatizantes em aglomerações onde árabes e judeus convivem de forma pacífica há décadas. 

Ainda que plataformas como a Standing Together passem por dificuldades quando se trata de uma aceitação da maioria da sociedade civil israelita, Avneri acredita num processo de aceitação que "não se resolve em dois dias." Ainda assim, diz que é preciso que ambos os lados entendam que "ninguém se vai embora, nem os judeus, nem os árabes" e que "é preciso que ambas comunidades se aceitem."

"Ninguém vai embora para lado nenhum. Há milhões de palestinianos nesta terra. Alguns vivem em Gaza, outros são cidadãos de Israel," diz o membro da Standing Together à CNN Portugal.

"E há milhões de judeus que vivem aqui e que vão continuar aqui. Quando entendermos que ninguém se vai embora, vamos conseguir mudar a nossa sociedade e a nossa realidade".

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