Dois constitucionalistas contactados pela CNN Portugal garantem que a terminologia usada é irrelevante e "qualquer ajuntamento público que implique condições de segurança estará sempre sujeito aos pressupostos do Direito de Manifestação", ou seja, precisa de um aviso prévio
A PSP e a Câmara Municipal de Lisboa travaram a realizam-se da manifestação "Contra a Islamização da Europa", que estava marcada para dia 3 de fevereiro, no Martim Moniz. Em resposta, os grupos de extrema-direita organizadores da iniciativa convocaram uma "ação de protesto" que, de acordo com o porta-voz do Grupo 1143, Mário Machado, não precisa do aval da autarquia para se realizar. Mas será mesmo assim?
A CNN Portugal contactou dois constitucionalistas e a resposta é negativa. Jorge Pereira da Silva explica que "mudar o nome não muda nada" e que os "pressupostos são os mesmos" quer se chama à iniciativa manifestação ou ação de protesto. Logo, a Câmara Municipal de Lisboa continua a ter o direito de não autorizar a iniciativa.
A mesma ideia é também defendida por Vitalino Canas: "Chame-se o que se lhe quiser chamar, qualquer ajuntamento público, que implique condições de segurança, estará sempre sujeito aos pressupostos do Direito de Manifestação". O constitucionalista entende, que sem aviso prévio à Câmara de Lisboa, as "forças de segurança terão de agir de modo a promover um ambiente de segurança, cabendo-lhes definir quais os melhores métodos".
E pode a Câmara de Lisboa não autorizar uma manifestação?
Mediante pressupostos muitos específicos, como era o caso, sim. Pereira da Silva explica que só há uma lei (Decreto-Lei n.º 406/74 - Direito de Reunião) que rege o Direito à Manifestação, que esta é "fraca, velha e está desatualizada" e pouco ou nada muda acrescenta ao Artigo 45.º da Constitução da República.
"Constitucionalmente, o termo ação de protesto não existe, o que existe é reunião ou manifestação. Se não comunicarem à Câmara Municipal, é ilegal", explica Jorge Pereira da Silva.
O constitucionalista explica que o que fez cair a manifestação "Contra a Islamização da Europa" não foi a causa em questão: "O que está aqui em causa é o pressuposto 'pacificamente e sem armas'", explica Pereira da Silva, defendendo que a escolha do Martim Moniz como local de protesto, a compra anunciada de archotes e parafina, bem como o anúncio de várias contra-manifestações são indícios suficientes de que esta seria uma manifestação que poderia não ser pacífica. Por tudo isto, "estamos fora do âmbito de uma manifestação legal", garante.
"Quanto à ideia da islamização da Europa pode concordar-se ou não - eu não concordo -, mas não podemos banir esse tipo de opiniões somente por que não gostamos. A questão não são as ideias, mas sim a questão se a manifestação seria pacífica", explica o constitucionalista.
Vitalino Canas defende que não se pode limitar uma manifestação, um direito, liberdade ou garantia, tendo por base qualquer ideologia ou slogan. No entanto, a decisão da autarquia liderada por Carlos Moedas "tem base constitucional" devido à eventualidade de perturbação da ordem pública, no entanto, entende que preferencialmente isso deve ser aferido no local e no momento em que o protesto acontece.
"Tem base constitucional, no entanto, proibir manifestações por que o discurso é mais à direita ou à esquerda é muito perigoso", alerta Vitalino Canas.
Ainda assim, Jorge Pereira da Silva demonstra desagrado por ter sido a Câmara Municipal de Lisboa a não autorizar o protesto, porque, como explica, "a ideia não é submeter a manifestação a uma autorização, mas sim a um registo". "Transformar um sistema de anunciação num sistema de autorização não me agrada", confessa o constitucionalista, defendo uma atualização da lei: "Tenho pena que a lei não seja mais clara a regulamentar esta matéria, o que existe é uma lei muito antiga que diz o que já dizia a Constituição".
E se a Câmara tivesse autorizado o protesto?
Pereira da Silva entende que havia somente dois modos de ação: ou a "Câmara de Lisboa não permitia ou mandava logo a polícia de choque para o Martim Moniz, o que aumentava logo o risco de escalada". O especialista em Direito confessa que "não fica confortável com este tipo de decisão" e que percebe que nenhuma das opções seria perfeita.
Após o travão municipal de Carlos Moedas, Mário Machado garantiu: “Nós não cedemos e temos o direito de dizer que estamos fartos desta islamização em Portugal e na Europa”. O porta-voz do Grupo 1143 criticou tanto a decisão da PSP como da Câmara de Lisboa por considerarem que existia "elevado risco" de perturbação da ordem pública. “Em nenhuma das manifestações nacionalistas ocorreram incidentes. Uma mentira da PSP e uma mentira do sr. Carlos Moedas”, defende Mário Machado.
A manifestação que agora foi transformada em ação de protesto mantém-se marcada para o dia 3 de fevereiro às 18:00, mas não se sabe onde vai decorrer. O Grupo 1143 apelou aos seguidores para estarem atentos as redes-sociais, onde o "local será noticiado durante a próxima semana".
Mário Machado defende que Portugal é "o único sítio em que foi proibido" algum protesto semelhante a este: "Mas que liberdade de expressão é esta? Vão ter de levar connosco. É com muito pesar que constatamos que, 50 anos depois do 25 de Abril, a liberdade de expressão ainda não chegou a Portugal”.
À CNN Portugal, a PSP garante que prossegue com os trabalhos de "recolha de informação e avaliação de risco" do protesto e garante que o facto de a localização da ação ser ainda incerta é mais uma dificuldade: "Obriga-nos a maior esforço de pesquisa".