Isenção de horário: recebe este subsídio? Então há várias coisas que deve saber (e isto vale também para quem não o recebe)

27 jul 2023, 20:08
Stress (Pexels)

Não faz parte do vencimento base mas é uma parcela importante para que muitas pessoas possam ver o seu salário subir de forma considerável. O regime de isenção de horário é amplamente utilizado em Portugal - mas há inconvenientes e salvaguardas a tomar

O pagamento deste subsídio permite às empresas terem funcionários com maior flexibilidade horária, que por sua vez saem financeiramente beneficiados ao fim do mês - veem mais dinheiro a entrar na conta. Mas nem tudo é bom: em contrapartida podem ter de trabalhar com uma muito maior flexibilidade de horários, trabalhar mais horas que as previstas na lei ou até ver uma compensação por despedimento ser muito menor que aquilo que recebe ao fim do mês.

Apesar de a lei explicitar que este regime se destina especialmente a titulares de cargos dirigentes e a pessoas que chefiam equipas multidisciplinares, muitas empresas encontram aqui uma forma mais fácil de atraírem funcionários. Mas a que preço?

O que a lei diz é que, salvo exceções contratualizadas entre o empregador e o funcionário, o regime de isenção de horário dá um poder discricionário ao empregador para definir o horário do trabalhador. O mesmo é dizer que uma empresa pode dizer a um funcionário que ele terá de trabalhar um mês inteiro seguido num horário noturno, como das 00:00 às 08:00, por exemplo.

O advogado Luís Gonçalves da Silva, especialista em Direito Laboral, confirma à CNN Portugal este cenário: “O empregador pode alterar unilateralmente o horário de trabalho”. A exceção é “quando for individualmente acordado”, o que significa que o funcionário deve deixar escrito, na assinatura de contrato, que só irá fazer determinado horário, podendo receber na mesma a isenção de horário, mas limitando as suas funções a um período específico.

“Nesse caso o horário em concreto foi um elemento essencial para o trabalhador aceitar o emprego. Prevê-se uma certa imobilidade, mas a regra geral é a alteração do horário de trabalho consoante a vontade do empregador”, acrescenta o especialista, lembrando que mesmo esta regra geral tem exceções, nomeadamente mães lactantes, pessoas com determinadas doenças ou menores, por exemplo.

O também especialista em Direito Laboral João Santos lembra que o exemplo do horário de trabalho entre as 00:00 e as 08:00 é possível, mas destaca que, caso esse seja um horário permanente, o mesmo deve ser incluído no contrato a assinar entre as partes. "Nas cláusulas deve colocar-se o horário que o trabalhador iria cumprir caso não tivesse isenção. É dentro disso que funciona a isenção de horário", acrescenta, lembrando que "o trabalhador tem de saber o seu padrão de vida, tem de ter controlo, não é chegar e dizer que a isenção está nas mãos do empregador".

Mais horas por semana é possível: mas como?

Este subsídio permite trabalhar em diferentes horários mas também fazer mais do que as 40 horas semanais estipuladas na lei para o privado (no sector público são 35 horas semanais). Luís Gonçalves da Silva destaca que os chamados regimes de adaptabilidade podem levar a empresa a pedir ao trabalhador que faça 60 horas semanais, mais 50% do que o estipulado na lei.

Não há nada de ilegal, está previsto no Código do Trabalho, mas existe uma série de regras que deve acompanhar esta modalidade. Deve ser sempre estabelecido um período de referência: por exemplo, o empregador pode definir que vai haver um período de quatro meses em que o trabalhador vai estar sujeito a mais oscilações horárias, o que poderá levar a que, em certas semanas, trabalhe mais que as 40 horas semanais. O que conta, neste caso, é o fim do período, cuja média horária semanal nunca poderá exceder o limite legal.

“No final desse período a média de trabalho tem de ser 40 horas por semana, oito horas diárias. Se numa semana trabalhou 50 horas, noutra terá de trabalhar 30 horas”, sublinha Luís Gonçalves da Silva.

Aqui a situação depende se o acordo é de adaptabilidade individual ou por regulamentação coletiva. No primeiro caso (artigo 205.º do Código do Trabalho) pode ser pedido ao colaborador que trabalhe até mais duas horas diárias ou 50 horas semanais. Trata-se de uma modalidade que pode ser proposta pelo empregador, mas cujo funcionário terá sempre de aceitar para que se torne legal.

No caso da adaptabilidade por regulamentação coletiva (artigo 204.º do Código do Trabalho) pressupõe-se que a regra se destine a uma equipa e não apenas a uma pessoa. Aí o empregador pode pedir aos funcionários que trabalhem até mais quatro horas diárias ou 60 horas semanais, havendo uma adenda: "o período normal de trabalho definido nos termos previstos não pode exceder 50 horas em média num período de dois meses".

Férias e descanso: como funciona?

Em todo o caso, lembra Luís Gonçalves da Silva, a lei é clara quanto a uma coisa: a isenção de horário “não prejudica o dia de descanso semanal nem o complementar, que por regra são o sábado e o domingo”. Também não dispensa o direito a gozar feriados ou o descanso diário, sendo também proibido que a interjornada seja inferior a 11 horas semanais, o que significa que deve passar um período mínimo estabelecido entre a cessação da atividade num dia e o início da atividade seguinte.

João Santos concorda, assinalando que a isenção de horário não transforma o contrato em algo que retira direito aos trabalhadores. Estes "continuam a ter direito de descanso, às férias e aos descansos de trabalho complementar".

No fundo, o horário "flexibiliza" a situação, mas não retira os direitos inerentes aos trabalhadores. "Não é sinónimo de escravatura, continuam a ter direitos de descanso, mas não concede um benefício direto", conclui João Santos.

Reforma, subsídio de desemprego ou indemnização: a isenção de horário conta para as contas?

Serve para uns casos, mas não serve para outros. A isenção de horário paga descontos para a Segurança Social, pelo que o trabalhador sabe que essa parcela de ordenado que recebe também vai contar para cálculos futuros de pagamento de reforma ou de um eventual subsídio de desemprego.

A fórmula de cálculo e o peso dessa isenção de horário nesses pagamentos pode mudar, mas o trabalhador está salvaguardado neste caso.

Conta ainda na totalidade para o subsídio de férias, mas não para o de Natal, onde só é considerado o vencimento base e, caso existam, as diuturnidades. Para este efeito a isenção de horário só conta se Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho a considerar.

Situação diferente é a de uma eventual indemnização. Tal como acontece noutras compensações extraordinárias - como subsídio de alimentação, transportes ou outros -, a isenção de horário paga mensalmente não conta para a atribuição de uma compensação por despedimento.

Luís Gonçalves da Silva nota que apenas o vencimento base é contabilizado para o pagamento de uma eventual indemnização por parte da empresa. “A isenção de horário paga Segurança Social, até porque os trabalhadores isentos têm direito a um aumento da retribuição, mas não conta para a indemnização”, reitera, ressalvando que podem existir exceções, nomeadamente se trabalhador e empregador as tiverem acordado no contrato ou na assinatura da cessação do mesmo.

O que é que ganham as empresas?

Como dito acima, o empregador ganha um poder para definir qual o horário do trabalhador. A isenção de horário permite estabelecer horários diferentes, consoante o que a empresa necessitar. Por exemplo, se for preciso alocar um funcionário para um horário em específico, como das 20:00 às 04:00, é possível fazê-lo sem oposição do trabalhador (mas dentro das regras descritas anteriormente).

Além disso, existe a regra que permite a extensão do horário de trabalho para lá das oito horas diárias ou 40 semanais. A empresa poder contar com o trabalhador numa determinada semana durante 50 ou 60 horas é uma clara vantagem em determinadas situações.

Para a empresa não há qualquer contrapartida que beneficie a fiscalidade, uma vez que esta parcela de salário paga Segurança Social e IRS, tal e qual como o vencimento base.

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