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Jornalista,editor de Sociedade

Quem quer ser bilionário?  

30 nov 2022, 18:03

Inteligente e sofisticada, Isabel dos Santos não surpreende na habilidade com que passa pelos temas na entrevista à TVI e à CNN Portugal. A narrativa é forte e bem sustentada, assente numa verdade, meia verdade apenas, é certo, mas absoluta, com factos que lhe dão força, de que apesar de tudo ela é mesmo alvo de uma perseguição política. Porque Angola não obedece ao princípio da legalidade, segundo o qual todos são iguais perante a lei e nenhum crime fica por investigar. 

São muitos os que, do antigo regime de José Eduardo dos Santos, têm passado nos pingos da chuva, propositadamente abaixo do radar da justiça. Muitos, conhecidos generais, com fortunas invejáveis espalhadas pela Europa, com vasto património em Portugal, por exemplo, onde não rezam as crónicas de que a procuradoria angolana tenha pedido intervenção da nossa justiça, com arresto de bens, congelamento de contas e outras maçadas do género. 

Portanto há alvos seletivos, sim. E uma muito duvidosa separação de poderes, o que nos remete para a motivação política. É a força dessa meia verdade, e a forma genuinamente indignada com que se refere a ela – com factos, repito –, que permite a Isabel dos Santos fugir ao outro lado da história, o da mulher que chegou aos 40 anos (tem hoje 48) com uma das maiores fortunas de África. 

Enquanto se agarra aos argumentos de que este governo a persegue “para não ter concorrência política e um opositor económico”, através da “manipulação do sistema judicial e da opinião pública”, a antiga princesa de Angola consegue não ter de explicar o óbvio. E o óbvio é que um excelente gestor, inteligente e empreendedor, educado com os melhores estudos, que arrisca bem e gera riqueza, fica também rico, e bem, mas não é bilionário. Acaba até milionário, quem sabe, ao fim de uma longa vida de trabalho, mas, lamento, aos 40 anos não entra pelos países a comprar bancos e empresas de telecomunicações.  

Aí, claro, entra a hipocrisia de Estado de que Portugal é um vergonhoso exemplo de miséria moral e falta de carácter, representados que somos por uma classe política que vende a nossa alma coletiva por uns barris de petróleo. Depois de termos ido há uns anos pedir desculpa ao regime porque aqui se investigava um vice-presidente angolano por corrupção, entregamos agora, porque os ventos mudaram, a cabeça da mesma mulher a quem antes tínhamos vendido tudo com honras de Estado. E aí, note-se, ai de quem abrisse a boca para questionar a óbvia proveniência do dinheiro. Seria até antipatriótico. 

Curiosamente, Isabel dos Santos não ataca o poder político em Portugal, sobre o qual não tenho dúvidas de que teria muito para contar. Para já só aponta baterias a Angola – e a narrativa do processo político ainda lhe permite outras justificações, como o da atual fuga, com refúgio no Dubai, por legítima defesa. E aponta como possível explicação para a perseguição a nacionalização da sua Unitel. Como ela explica na entrevista, diz a lei angolana que um suspeito de crimes económicos é expropriado da sua empresa, que perde para o Estado, sem direito a indemnização. Uma espécie de reforma agrária do século XXI.    

Mas será mesmo que a justiça angolana a quer prender? Ou será conveniente emitirem o mandado internacional de captura quando sabem que ela está em princípio a salvo no Dubai, de onde não será extraditada? Não era mais eficaz terem emitido o mandado quando sabiam que Isabel dos Santos circulava pela Europa, como fez ainda há uns meses, apanhando-a em falso num qualquer aeroporto internacional? Ou será que isto é só uma forma de pressão para a forçarem a aceitar um acordo de repatriamento de umas centenas de milhões de euros?

De reserva, Isabel tem para já um passaporte russo, a que tem direito face à nacionalidade da mãe. Revela à CNN “um carinho especial pela Rússia" e, sem se mostrar contra ou a favor de Putin, contorna o tema da guerra dizendo desejar a paz porque “é importante para todos". A miss mundo não diria melhor no discurso de coroação.

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