Investigadores revelam primeiras passagens completas descodificadas dos famosos e inescrutáveis pergaminhos de Herculano

CNN , Taylor Nicioli
24 fev, 16:00
Pergaminho de Herculano carbonizado (EduceLab/Universidade do Kentucky)

Após usar Inteligência Artificial para desvendar a primeira palavra a ser lida de um pergaminho fechado de Herculano, uma equipa de investigadores decifrou várias passagens praticamente completas do texto antigo, fornecendo informações sobre a filosofia de há quase 2 mil anos.

Os pergaminhos de Herculano são centenas de papiros que sobreviveram à erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C. No seu estado carbonizado, os documentos antigos ter-se-iam desmoronado se alguém tivesse tentado desenrolá-los e qualquer escrito nos pedaços que sobrevivessem tornar-se-ia praticamente impossível de ler a olho nu.

Com recurso a tecnologia informática e Inteligência Artificial avançada, os investigadores estão agora a conseguir analisar os pergaminhos herculanos sem os desenrolarem e sem correrem o risco de danificarem os documentos extremamente frágeis. Mais de 2 mil caracteres – as primeiras passagens completas – foram já decifradas de um pergaminho, de acordo com um anúncio no início do mês por cientistas de computação que lançaram o Desafio Vesúvio, uma competição destinada a acelerar as descobertas feitas nos pergaminhos.

“É incrivelmente gratificante saber que estas coisas estão disponíveis e que temos agora um mecanismo para as ler – e que lê-las vai criar todo um campo de estudo e bolsas para classicistas”, diz Brent Seales, professor de ciência computacional na Universidade do Kentucky e cocriador do Desafio Vesúvio.

A primeira palavra a ser lida de um pergaminho por abrir foi descoberta em distintos momentos por Luke Farritor e Youssef Nader – um estudante de ciência computacional na Universidade do Nebraska e um estudante de pós-graduação em biorrobótica na Universidade de Freie Berlim, respetivamente – em outubro. Este ano, com o apoio de Julian Schilliger, um estudante de robótica na ETH Zurique, os três ganharam o grande prémio de 700 mil dólares (cerca de 649 mil euros) do concurso após se tornarem a primeira equipa a decifrar mais de 85% dos caracteres de quatro passagens contínuas no mesmo pergaminho.

Um total de 15 passagens foram decifradas de pergaminhos por abrir. A primeira palavra descodificada, a palavra grega para 'roxo', foi detetada em outubro de 2023 e pode ser encontrada nas passagens recém-interpretadas. (Desafio do Vesúvio)

Para além disso, a equipa foi além do que era pedido na competição e leu 15 colunas de texto parciais, no correspondente a cerca de 5% do pergaminho.

O trio decifrou o texto ao aplicar uma técnica conhecida como “o desembrulhar virtual” de um pergaminho enrolado – uma de várias técnicas que são propriedade do Instituto de França – que foi divulgada no site do concurso. O processo envolveu o uso de tomografia computorizada, um procedimento de raios-X para examinar o papiro enrolado e deformado, permitindo aos investigadores achatar virtualmente os pergaminhos e detetar a tinta na página com IA avançada. Após Farritor, Nader e Schilliger descobrirem as letras gregas, papirologistas de Inglaterra, França e Itália foram chamados para avaliar o texto.

“Se observarmos o nível do vocabulário [das passagens], existe ali uma conversa intelectual realmente matizada a acontecer… Deixa-me entusiasmado por entregar aos estudiosos uma cópia completa e absolutamente imaculada do que é, para que possam fazer o trabalho deles e possamos depois entendê-la completamente”, diz Seales, criador original do método e que esteve a desenvolver a tecnologia durante quase 20 anos.

Palavras de um filósofo antigo

Mais de 1.000 pergaminhos carbonizados foram recuperados da erupção do Vesúvio, um vulcão perto de Nápoles, em Itália, que cobriu Pompeia e Herculano, cidades da Roma Antiga, de lama vulcânica. Os documentos carbonizados, agora conhecidos como pergaminhos Herculanos, foram recuperados de um edifício que se crê que seria a casa do sogro de Júlio César, de acordo com a Universidade do Kentucky.

As passagens recentemente descodificadas foram retiradas do final de um pergaminho e revelam palavras escritas pelo filósofo Filodemo de Gádara, que se acredita que seria um filósofo-residente da biblioteca onde os pergaminhos foram encontrados, indica o anúncio.

No texto decifrado, Filodemo escreve sobre “prazer” e sobre se a abundância de bens disponíveis pode afetar a quantidade de prazer que geram. “Tal como é o caso com a alimentação, não acreditamos de imediato que as coisas que são escassas são absolutamente mais agradáveis do que as que são abundantes”, lê-se na primeira frase.

“Filodemo foi rejeitado ao longo dos anos porque não conseguíamos realmente ler as suas passagens de forma extensiva. Com dificuldade, só conseguíamos apenas ler pequenos excertos… [Nestas passagens] ele tenta persuadir as pessoas que o ouvem a relaxar, a encontrar boas amizades, a a viver no momento e a desfrutar dos prazeres”, diz Roger Macfarlane, professor de estudos clássicos da Universidade de Brigham Young, que estudou os pergaminhos herculanos. Macfarlane não esteve envolvido na descoberta, mas participou no processo de certificação da primeira palavra desvendada em outubro.

Seales diz esperar que a quase totalidade do pergaminho seja decifrada este ano – e a nova competição tem um objetivo ainda mais ambicioso, oferecendo um prémio de 100 mil dólares (quase 93 mil euros) à primeira equipa que consiga decifrar pelo menos 90% dos quatro pergaminhos já divulgados no site do concurso.

“Os vencedores do Desafio do Vesúvio conseguem obter um texto que é autêntico, mas sem que isso resulte na destruição do pergaminho”, diz Macfarlane. “E essa é provavelmente a coisa mais miraculosa em tudo isto.”

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