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Economista e Professor Universitário

O quadro fiscal português revela um país empobrecido e desequilibrado

9 set 2023, 11:30

Em 2021, mais de 40% dos agregados familiares portugueses não tiveram rendimentos suficientes para pagar IRS. Os números são de um estudo recente do Instituto Mais Liberdade, realizado a partir dos dados da Autoridade Tributária e Aduaneira. O número, tão expressivo, pode gerar alguma desconfiança, mas está absolutamente correto. Num total de 5,6 milhões de famílias portuguesas, 2,3 milhões declararam um rendimento bruto anual inferior a aproximadamente 10 mil euros. Estes agregados familiares ficaram, por isso, isentos de IRS.

A pergunta que se impõe é a seguinte: com menos de 10 mil euros de rendimentos anuais, como é que se vive em Portugal? Provavelmente, não se “vive”. Sobrevive-se. Para estas famílias, a sobrevivência depende dos apoios sociais providenciados pelo Estado. E é sempre importante relembrar que o financiamento do Estado é garantido, entre outros, pelos trabalhadores contribuintes.

Há ainda um outro facto igualmente alarmante e bem revelador do atual desequilíbrio salarial e fiscal em Portugal. Também com referência a 2021, mais de 50% da receita fiscal de IRS arrecadada pelo Estado português proveio de apenas 6% das famílias portuguesas. Uma vez mais, não é um lapso. 6% dos agregados familiares são responsáveis por mais de metade da receita total de IRS em Portugal. Facilmente se compreende a dimensão ofensiva da carga fiscal que é suportada por estas famílias. É uma asfixia fiscal. De mãos atadas, estes contribuintes veem o Estado cobrar-lhes uma parte substantiva do seu esforço, para efeitos de redistribuição.

O conjunto dos 6% de famílias que sustentam mais de 50% da receita de IRS abrange todos os agregados com rendimentos brutos anuais a partir de 50 mil euros. “50 mil euros”, parece muito? Não, não é muito. Pelo contrário. Considere-se uma família constituída por pai, mãe e dois filhos dependentes, em que os pais possuem situações padrão de contrato de trabalho. Anualmente, quer o pai quer a mãe, declaram, em média, 25 mil euros brutos de rendimento do trabalho, incluindo já os subsídios de férias e de Natal. Neste caso, conclui-se que o rendimento bruto médio mensal de cada um dos titulares será de aproximadamente 1.785 euros. A este valor, ilíquido, são ainda deduzidos impostos e contribuições. Depois dos descontos, quanto é que sobra para esta família fazer face às suas necessidade e obrigações?! Sobra pouco mais de mil euros líquidos, e já com o subsídio de alimentação incluído. Este nível salarial faz mesmo parte do grupo de rendimentos que suportam mais de metade da receita total de IRS em Portugal?! É difícil de conceber, mas parece ser verdade.

Finalmente, uma última análise muito preocupante. Primeiro, ordena-se os agregados familiares em função dos rendimentos brutos anuais declarados. Depois, divide-se o conjunto ordenado em cinco partes iguais. No final do processo, verifica-se que no grupo das famílias que mais rendimentos auferem estão aquelas cujos rendimentos brutos por agregado correspondem a, pelo menos, 2 mil euros mensais. Numa família com dois titulares e dois dependentes, este quadro corresponde a mil euros brutos mensais auferidos por cada um dos titulares, em média. Recorda-se que a estes mil euros brutos mensais é ainda aplicada uma carga fiscal. Na prática, sobra muito pouco para esta família.

Um país que coloca rendimentos de 2 mil euros brutos mensais por agregado familiar no grupo (quintil) dos rendimentos mais elevados é um país empobrecido e com um longo caminho a percorrer em direção ao “desenvolvimento”.

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