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Coordenador e editor de Religião e Cidadania TVI/CNN Portugal

Assim? Seja… (1) - os(as) jovens, o Papa e o papel da mulher na Igreja

6 abr 2023, 13:06

Estreou em plena Semana Santa e é a maior prenda que o Papa dá, por antecipação, à JMJ. Num longo diálogo, em língua castelhana, com um grupo diversificado de 10 jovens oriundos de vários continentes, Francisco expõe e expõe-se diante de dramas e dilemas das novas gerações, de dúvidas e certezas que afastam ou aproximam a juventude da Igreja católica.  

Na versão editada e disponível no canal Disney, o documentário “Amén: Francisco responde” começa por mostrar a diversidade social, cultural e religiosa de cada um dos jovens convidados, que se torna evidente e até fraturante com o decorrer da conversa.

Há momentos de desconforto do Papa, quando confrontado, por exemplo, por um jovem sexualmente abusado em contexto eclesial ou por uma jovem que revela produzir e vender conteúdos pornográficos na internet. Como há também várias expressões de desacordo dos jovens perante algumas respostas ou opiniões do Papa. Aparentemente, esta foi uma conversa sem escudos prévios, sem rede, que confirma aspetos inconciliáveis entre a Igreja e algumas culturas prevalecentes nas novas gerações, sobretudo no plano moral.

“As pessoas estão dececionadas com a Igreja, não com Deus”, começa por dizer um dos participantes.

1. A posição do Papa sobre o papel da mulher na Igreja e a impossibilidade de ordenação de mulheres no sacerdócio gera discordância. Francisco reconhece que “há um problema teológico” e defende – só quem não conhece o seu pensamento, já escrito, pode surpreender-se – que “o ministério [sacerdotal] é para os homens”, enquanto a maternidade, “que é muito mais importante”, é para as mulheres. O Papa ainda sintetiza, com palavras simples, os argumentos desta interpretação teológica.

Uma jovem, que se identifica como católica praticante, feminista, e sustenta o direito da mulher à IVG, insiste no que considera uma incoerência. “Porque não pode uma mulher ser ordenada?”. O Papa que defende a promoção da mulher na Igreja, que tem colocado mulheres em cargos de responsabilidade e poder na Santa Sé, insiste que o sacerdócio feminino é algo “que não pode acontecer a nível dogmático”, mas “não diminui a mulher, pelo contrário”, porque “não é melhor ser sacerdote do que não ser”.

É visível a falta de sintonia e até a estupefação dos jovens perante estas palavras de Francisco que entendem como sendo paradoxais. “Respeito quem tenha outra ideia, mas não é a verdadeira fé da Igreja [católica]”, termina o Papa.

2. Estamos em campos sensíveis numa organização religiosa – “ministérios” e “ministros(as)” de culto, por um lado, administração e exercício do poder, por outro. Na Igreja católica, as duas dimensões sobrepõem-se mantendo uma desigualdade estrutural nas comunidades e no poder de decisão. Da ordenação de mulheres à reforma das funções ministeriais, com impacto na eucaristia e na organização comunitária, há uma miríade de possibilidades de mudança.

A igualdade de género, a par da incoerência em dramas como o abuso sexual de menores ou em temas como a sexualidade, é, também por isso, um dos mais difíceis dossiês da Igreja católica.

Como o próprio Papa diz, noutro momento desta conversa, a Igreja tem de acompanhar as mudanças no mundo, “qualquer pessoa pode mudar uma estrutura, se o que quisermos for justo”, até porque, recorda, “os grandes revolucionários da história também mudaram as estruturas”.

3. É um problema cultural, mais do que dogmático. Há interpretações teológicas que não dogmatizam o debate, tão legítimas como a contrária e ainda dominante na teologia católica.

Insistir nas diferenças de género é uma teimosa desfocagem, uma fuga ao essencial e à essência, até do ponto de vista evangélico, que acaba por alimentar outros preconceitos. A igualdade de género é um terreno de equívocos na Igreja católica, que ganham forma, por exemplo, na promoção de modelos familiares. A confusão anda por aí, acentua mais as diferenças e não contraria as desigualdades.

Se, como afirmou o Papa Francisco, noutras ocasiões, “a realidade é mais forte do que a ideia” e “o tempo é superior ao espaço”, este é um tema para o discernimento eclesial. Francisco confessa-se incapaz de dar o salto, mas promove a reflexão interna, o empoderamento da mulher na Igreja, tenta reposicionar a restrição ministerial para que esta não seja um inevitável sinónimo de segregação funcional.

Se tivermos como referência o painel desta conversa com o Papa, é um tema chave entre as gerações novas e de futuro. Será o “tempo” e a “realidade” a determinar o processo. Porque a experiência religiosa produz e absorve cultura, é também pragmática na necessidade de sobreviver culturalmente.

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