É possível ter uma vida sexual feliz depois de ter filhos. Maria do Céu Santo explica como

12 dez 2021, 08:15
Maria do Céu Santo

A partir desta segunda-feira, o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, vai ter uma consulta de sexualidade após o parto para ajudar mulheres a retomarem a sua vida sexual. Diminuição do desejo e dor durante a relação são as queixas mais frequentes

Fraldas para trocar, noites sem dormir, um bebé a dormir no berço, o corpo alterado, as hormonas, a amamentação. Há muita coisa que muda na vida da mulher depois de um parto.

"Ter um filho é um marco na vida da mulher e do casal. Costumo até dizer que a maior mudança na vida de uma pessoa não é passar de estudante a trabalhador, é passar de filho a pai ou mãe", afirma a ginecologista e obstetra Maria do Carmo Santo.

De um par de namorados passamos a ser pais que cuidam de uma criança. Há que assumir novos papéis novas responsabilidades. Tudo isto "vai ter repercussões na relação do casal. Muitas vezes, há uma sexualidade antes de ter os filhos e outra depois", diz esta especialista. E há, quase sempre, uma redução da atividade sexual, o que leva a novos problemas no relacionamento.

Para ajudar os casais que tenham dificuldades nesta nova fase, o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, vai ter, a partir de segunda-feira, uma consulta de sexualidade após o parto. No entanto, sabendo que "é complicado para muita gente chegar ao guichet e pedir uma consulta sexualidade", o nome oficial é  "consulta de pós-parto tardio", explica Maria do Céu Santo.

Ou seja, "as mulheres vão à consulta de puerpério um mês depois do parto, em princípio iniciam a sua vida sexual durante esse mês e, um mês depois, se sentirem que têm dificuldades vêm a esta consulta".

Uma consulta para as mulheres

A consulta destina-se, em primeiro lugar, às mulheres. São elas que, logo durante a gravidez e após o parto, passam por grandes mudanças biológicas e psicológicas que vão afetar a sua sexualidade e o relacionamento.

"A mulher vem primeiro à consulta. É importante que possa falar de tudo e, muitas vezes, com o parceiro presente isso não acontece. Sabemos, por exemplo, que muitas mulheres ainda continuam a fingir o orgasmo e se não estiverem sozinhas não o vão assumir", explica a especialista.

Mais tarde, se se considerar necessário, o parceiro poderá também participar na consulta, uma vez que "a sexualidade vive-se a dois".

Quais são as principais queixas?

"O que verificamos é que vários meses, para não dizer anos, depois de terem os filhos, muitas mulheres ainda têm alguma dificuldade na vida sexual", revela Maria do Céu Santo.

As principais queixas das mulheres e dos casais são: a diminuição do desejo (da líbido) e a dor na relação sexual, que, em termos médicos, se chama dispareunia e pode ser inicial ou profunda durante a relação sexual.

"Mesmo muitos casais que tinham uma boa sexualidade, depois de terem filhos passam a ser quase assexuados. Levam anos a recuperar. O objetivo desta consulta é melhorar a relação dos casais para que, depois de terem filhos, não fiquem só pais, mas continuem a ser namorados", diz a ginecologista.  

Como é que o sexólogo pode ajudar?

Até há pouco tempo, só os psicólogos e psiquiatras é que tinham formação em sexualidade. Mas existem mudanças - fisiológicas e psicológicas - que são específicas desta fase da vida da mulher e que beneficiam da experiência de médicos com formação nesta área de modo a haver uma abordagem integrada da sexualidade da mulher.

Por isso, Maria do Céu Santo considera que é importante ter uma consulta de sexologia no serviço de obstetrícia: "Eu quis fazer formação em sexualidade porque comecei a ter alguma dificuldade em tratar vários problemas que surgiam no dia-a-dia, não só nas mulheres que tinham sido mães como nas outras mulheres ao longo da sua vida", conta.

"O nosso objetivo primeiro é desmitificar o sexo. Temos modelos para mostrarmos a anatomia porque há muitas mulheres que ainda não se conhecem bem. Queremos observar a puérpera e perceber o que se alterou no seu corpo e na relação que tem e depois, então, dar-lhe alguma orientação."

O que muda na relação sexual após o parto

"Às vezes é só uma questão de ensinamento na área da sexualidade, porque muitas das mulheres vêm com informações erradas, muitas coisas que estão online estão incorretas", alerta Maria do Céu Santo.

No primeiro mês, após o parto, "é normal não haver atividade sexual com penetração. Mas a sexualidade também é criatividade e imaginação", lembra a especialista. No entanto, segundo especialista, há sempre que ter atenção a uma parte fisiológica e a uma parte psicológica.

Muitas mulheres queixam-se de dor e de secura e pode ser necessário "dar algumas terapêuticas que possam ajudar a ultrapassar esta fase, às vezes só lubrificantes ou hidratantes".

"Eu sou uma defensora da amamentação mas sabemos que depois de ter um filho a mulher produz prolactina, que é a hormona do leite, que contribui para a redução da líbido. E as pílulas também diminuem a líbido", explica Maria do Céu Santo.

E depois há várias questões relacionadas com a autoestima e a insegurança. É preciso "deixar a mulher falar, expor os seus receios e ajudá-la a ultrapassar os seus receios. 

A sexualidade deve ser uma prioridade

Há outros fatores que contribuem para reduzir a líbido da mulher, como o cansaço, as noites sem dormir, a falta de tempo, o foco no bebé.

"Um bebé não se desliga à noite, por isso há um cansaço extremo. Não se pode deixar para fazer amor depois das 22:00 se não é uma sessão de ginástica", diz Maria do Céu Santo. "As pessoas têm de aproveitar quanto têm alguma disponibilidade de tempo, quando o parceiro chega a casa ou quando o bebé dorme ou quando os filhos mais velhos têm atividades. Porque, em tudo na vida, nós quando queremos damos um jeito, quando não queremos damos uma desculpa."

"Durante o namoro a sexualidade é uma prioridade e depois deixa de ser, mas isso não pode ser. Porque isso tem um impacto na relação do casal. Verificámos que existe um aumento dos divórcios depois do nascimento dos filhos que se deve principalmente à redução da atividade sexual", explica.

Como marcar?

Segundo Maria do Céu Santo, Santa Maria é o primeiro hospital público a ter uma consulta de sexologia no pós-parto, algo que considera "extremamente importante".

"A literatura científica e a minha experiência clínica levaram-me pensar que esta consulta era essencial num hospital público", diz.

As mulheres podem recorrer a esta consulta enviadas pelos seus médicos de família ou então através de marcação direta, pelo mail ce.obstetricia@chln.min-saude.pt ou pelo telefone 21 780 50 78.

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