Ronald Koeman assumiu o comando técnico da seleção holandesa e em pouco tempo voltou a trazer a Holanda para a ribalta do futebol, mesmo quando os obstáculos eram os dois últimos campeões do mundo. Lançou miúdos, voltou o futebol entusiasmante e embora longe da perfeição, a Holanda promete
«A culpa é do processo» é uma nova rubrica do Maisfutebol, que analisará taticamente uma equipa em destaque na época em curso. Se tiver alguma sugestão envie para lm.externo@mediacapital.pt
Há uns anos, a «Laranja Mecânica» deixou de funcionar e de ter sumo e a Holanda deixou a ribalta do futebol. Desde 2014 que a seleção conhecida por ter um futebol de ataque, vistoso, atraente e empolgante está fora de grandes competições, mas sobretudo longe de praticar o futebol que nos habituou.
No pós-Brasil, e já numa altura que as grandes figuras entravam no pico descendente da carreira, a Holanda falhou a presença no Europeu de 2016 e no Mundial de 2018. Dick Advocaat foi quem comandou a seleção no fracasso da luta pela ida à prova em terras russas. Caiu aos pés da França e da Suécia e, por isso, perdeu o posto.
A escolha da Federação holandesa para a sucessão foi Ronald Koeman, um dos homens mais conceituados do futebol holandês, com 78 internacionalizações e um campeonato da Europa conquistado como jogador. ADN vencedor na seleção e um percurso respeitado no futebol como treinador. Após uma experiência falhada no Everton, Koeman, que já treinou o Benfica, assumiu o projeto em fevereiro e desde então tem reformulado a seleção e com resultados imediatos.
Em 10 jogos venceu quatro, empatou quatro e perdeu apenas dois, com França e Inglaterra. Os adversários têm sido de nível e os triunfos foram sobre Alemanha e França (para a Liga das Nações), Peru e Portugal (particulares). Os empates em jogos particulares com Bélgica, Itália e Eslováquia. As derrotas surgiram com França (Liga das Nações) e Inglaterra (logo na estreia). São 14 golos marcados e sete sofridos.
Os números começam a entusiasmar e o apuramento para a fase final da Liga das Nações, num grupo com os últimos dois campeões do mundo (França e Alemanha), pode ser o clique para inverter a história.
Para além dos resultados visíveis, Koeman está a renovar a seleção.
Robben, Sneijder (que se despediu com um jogo de homenagem já com Koeman no comando), Van Persie, Kuyt, Van der Vaart são os nomes da última década do futebol holandês, mas que já não fazem parte desta seleção.
O novo selecionador olhou para os meninos De Ligt, de Jong, Dumpries, Bergwijn, Justin Kluivert e deu protagonismo a Memphis Depay, juntando-os a jogadores como Van Dijk, Blind, Cilessen ou Ryan Babel.
Fixou o sistema (4-2-3-1) e manteve uma base nos 10 jogos que já orientou à frente da seleção.
O onze tem variado muito pouco e a coluna vertebral da equipa quase nunca muda: de Ligt e van Dijk como centrais, Wijnaldum e Frenkie de Jong na zona intermédia e Depay como falso nove.
Koeman opta por esta regularidade no «onze», mas não se tem «cansado» de experimentar jogadores e lançar meninos. Em 10 jogos estreou 11 jogadores: Justin Kluivert, Bergwijn, Hateboer, Dumpries, Frenkie de Jong, Weghorst, Pablo Rosario, Vormer, Groeneveld, Guus Til e Dilrosun.
COMO ATACA A HOLANDA
Velocidade, pressão alta, jogo de combinações e exploração da profundidade do adversário. São estas as chaves-mestras de Koeman.
Como é natural nos holandeses, a construção começa bem atrás, quer pelo guarda-redes, quer pelos centrais. Por de Ligt a Holanda sai mais em ligação aos médios e lateral-direito, por van Dijk há a opção do passe longo, direcionado para o extremo contrário. Esta última opção é utilizada quase sempre em último recurso e quando a equipa adversária se adianta para uma pressão mais alta. A normalidade que impera é uma saída pelos dois homens do duplo-pivot, Frenkie de Jong e de Roon, mas sobretudo pelo primeiro.
O menino de 19 anos estreou-se com Koeman, agarrou o lugar nos jogos da Liga das Nações e é o patrão do meio-campo holandês, enquanto de Roon é sobretudo um homem de trabalho, marcação e ocupação de espaços.
À frente dos dois atua Wijnaldum, uma espécie de 10, que lê o jogo, ocupa os espaços deixados pelos colegas e aparece com regularidade em zonas de finalização. Ocupa os espaços de Depay, quando o «falso 9» desce no terreno para construir, ocupa terrenos mais recuados quando de Jong assume uma posição de «6» e de Roon descai para a direita.
Talvez seja um papel que anule o brilho a Wijnaldum, mas o médio do Liverpool é peça fundamental para que Depay sobressaia e para desmontar as linhas rivais.
Os alas, Babel e Promes/Bergwijn, têm papéis diferentes. O primeiro, único jogador acima dos 30 anos, atua do lado esquerdo, mas raramente está lá. Faz diagonais para terrenos centrais e, muitas vezes, assume a posição 9 devido à mobilidade de Depay. Do outro lado, o papel é muito mais de extremo puro, de ir à linha, driblar e combinar com o lateral-direito, também este muito mais avançado que Blind, à esquerda. Por isso mesmo, esta é uma «Laranja Mecânica» que vira à direita.
Em posse, a Holanda joga com os homens muito juntos, prontos para combinar e tabelar, com poucos toques. Depay é o jogador mais procurado e o que tem maior qualidade individual para decidir no último terço.
O facto da equipa estar normalmente muito junto em posse está a dar frutos na reação à perda de bola.
Por exemplo, um dos golos marcados em Amesterdão frente à Alemanha surgiu dessa forma.
A ordem de Koeman é para a equipa cair em bloco em cima do homem que fica com a bola após a perda e neste capítulo Wijnaldum, de Roon e de Jong têm sido inexcedíveis. Tantas e tantas bolas que os holandeses têm ganho assim e em dois ou três toques estão a ameaçar a baliza do adversário.
Nota também para a velocidade de pensamento dos médios na transição defesa-ataque, sobretudo de Frenkie de Jong. Quando roubam a bola, quer em terrenos adiantados como recuados, os médios decidem muito rápido e quase sempre descobrem Depay ou um dos extremos, preferencialmente o direito, solto para o contra-ataque. Esta velocidade de pensamento e execução evita que os adversários se consigam organizar para anular a transição.
A Holanda prima também pela muita presença na área.
COMO DEFENDE A HOLANDA
As melhorias com Koeman quer a nível exibicional quer a nível de resultados são notórias, mas a «Laranja Mecânica» tem muito para evoluir a nível defensivo.
No ADN dos holandeses está a posse e o trabalho com bola, contudo para chegarem ao topo precisam de evoluir nos momentos em que estão sem ela.
Os golos sofridos colocam a nu os erros dos holandeses, todavia durante os jogos há inúmeros momentos que a velocidade dos centrais ou laterais anula erros anteriores de posicionamento. Koeman opta por um 4-4-1-1 a defender, com os extremos muito recuados, quase em linha com os laterais, que se posicionam em terrenos interiores.
Frenkie de Jong e de Roon são a linha seguinte aos centrais e Wijnaldum joga à frente destes. Depay fica na frente a cortar as linhas de passe entre os defesas rivais.
Só que consoante o adversário, Koeman define como fica o meio-campo, tudo por causa da defesa praticamente homem-a-homem que é utilizada.
Os médios têm uma marcação quase individual, o que faz com que a movimentação rival possa deitar por terra a organização holandesa e abrir muitos buracos.
São frequentes as vezes em que os médios estão muito longe uns dos outros e impossibilitados de realizar coberturas. Isso foi evidente no duelo desta segunda-feira com a Alemanha.
É muitas vezes em esforço que os jogadores conseguem resolver os lances e só o facto de a zona defensiva estar muito povoada impede males maiores.
Este problema da marcação homem-a-homem repete-se com os centrais, que acompanham o avançado para onde este for, e como os médios normalmente também estão em marcação individual, não conseguem fazer a cobertura e criam-se muitos espaços.
O cenário descrito nas linhas e imagens anteriores refere-se ao posicionamento quando o adversário já saiu da 1.ª fase de construção e está em posse no meio-campo laranja. Isto porque a Holanda tenta condicionar muito a saída de bola do rival.
Se na vertente ofensiva, a pressão em terrenos avançados foi elogiada, agora é preciso mencionar que há um problema que resulta daí.
Nestas ocasiões, dois ou três médios costumam pressionar um bloco, mas os defesas ficam muito recuados. Em caso do adversário superar a pressão, cria-se uma cratera entre as linhas e deixam normalmente os adversários em igualdade numérica com os defesas.
BOLAS PARADAS
O tempo é pouco nestas paragens internacionais e na Holanda não se têm visto esquemas táticos muito trabalhados. Apesar disso, os cantos têm sido uma fonte de perigo para a «Laranja Mecânica» com Van Dijk a ser o protagonista. Ganha as bolas ao segundo poste e já marcou na sequência de um deles.
Na parte defensiva, Koeman faz uma marcação mista, com três homens à zona na pequena área e o resto a marcar um adversário.
A FIGURA: MEMPHIS DEPAY
O homem do Lyon é a figura da seleção holandesa, o criativo, o «abre-latas» e o goleador. Marcou cinco golos nos dez jogos com Ronald Koeman ao leme da «Laranja Mecânica». É imprescindível para o selecionador e dos dez jogos só não cumpriu os 90 minutos no particular com Portugal, no qual saiu aos 78 minutos, já com um golo apontado. Vive da liberdade no esquema de Koeman e tem ordem para recuar e assumir a batuta. Dali pode sair qualquer coisa e é ele a maior esperança dos holandeses no último terço. É um craque que se começa a afirmar, depois de ter falhado no Manchester United.