Um príncipe. Um chef famoso. Uma conspiração. E um aviso às democracias mundiais

CNN , Opinião de Thomas Weber
21 dez 2022, 22:00
Heinrich XIII, príncipe de Reuss, é levado pela polícia após um raide em Frankfurt a 7 de dezembro (Boris Roessler/picture alliance/Getty Images)

Até à passada semana, pouca gente tinha ouvido falar de Heinrich XIII, príncipe de Reuss, o descendente de 71 anos de uma pequena família nobre alemã. Até a família o tinha condenado ao ostracismo, há vários anos, por causa das suas opiniões radicais.

No entanto, para o movimento Reichsbürger - o grupo político por trás do que os promotores recentemente descreveram como uma conspiração frustrada para derrubar a democracia alemã - Heinrich XIII era exatamente o homem, ou melhor, o príncipe de que eles precisavam.

De forma absurda, o Reichsbürger acredita que a Alemanha Imperial, que desabou há um século, deve ser restabelecida de forma a que a Alemanha possa erguer-se novamente das cinzas.

Porém, para que isso aconteça, precisam de um príncipe verdadeiro, e isso levou a que Heinrich XIII fosse, para eles, uma dádiva de Deus. (O príncipe não comentou publicamente a sua detenção).

Heinrich XIII, príncipe de Reuss, é levado pela polícia após um raide em Frankfurt a 7 de dezembro (Boris Roessler/picture alliance/Getty Images)

Conforme descrito em documentos oficiais do governo, a conspiração fantasista que envolvia um aristocrata idoso e um esconderijo com armas, foi ligada a um grupo de suspeitos detidos. Entre eles está “Frank H.”, reportado na comunicação social como o famoso chef Frank Heppner, cuja filha é namorada da estrela do futebol do Real Madrid, David Alaba.

Heppner não fez qualquer comentário oficial. O restaurante do chef está atualmente a fazer uma “pausa criativa”, segundo o site.

Heppner aperfeiçoou os seus pratos de assinatura durante os anos que passou na Ásia antes de regressar à Europa. Se a conspiração da semana passada tivesse sido bem-sucedida, o novo governo poderia ter vivido com uma dieta de cozinha de fusão euro-asiática sofisticada, em vez das tradicionais salsichas alemãs.

No mínimo, o novo candidato a líder da Alemanha teria comido como um rei enquanto restabelecia a monarquia.

Uma União Patriótica

Mesmo pressupondo a narrativa da acusação, Heinrich XIII, realisticamente, nunca conseguiria derrubar o governo alemão, e é tentador descartá-lo e aos seus alegados co-conspiradores como meros fantasistas.

Quase nenhum alemão acorda de manhã a questionar se a restauração da monarquia ao país ajudaria a enfrentar os seus desafios diários.

Também se tornou rapidamente claro que a maioria das comparações iniciais na comunicação social internacional com a insurreição de 6 de janeiro nos Estados Unidos era exagerada. A conspiração do príncipe Heinrich não tinha o apoio dos principais políticos alemães.

No entanto, a verdadeira ameaça à democracia não tem apenas que ver com o sucesso desta conspiração em particular. Pelo contrário, o incidente aponta para uma ameaça mais imediata - uma onda iminente de radicalização na Alemanha e no mundo inteiro.

Apesar de a atenção da comunicação social se ter centrado principalmente nas ideias do Reichsbürger, alegadamente, o grupo de conspiradores é conhecido pelo nome “Patriotische Union” (União Patriótica).

O que une os estimados mais de 50 membros da Patriotische Union é principalmente aquilo ao qual se opõem. Além do Reichsbürger, incluem membros ligados ao movimento Querdenker, o grupo antivacinas covid-19; teoristas da conspiração alinhados com Qanon; pelo menos um membro do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha e apoiantes do Die Basis, um partido marginal empenhado em, alegadamente, devolver a democracia à Alemanha. Em suma, grupos radicais com objetivos às vezes contraditórios.

“Acreditam que a Alemanha está a viver num mundo em crise existencial que os governos existentes são alegadamente incapazes de resolver.”

Thomas Weber

No entanto, os conspiradores da Patriotische Union estão dispostos a deixar as divergências de lado para se unirem sob uma bandeira e aceitar Heinrich XIII de braços abertos. Fazem-no porque têm uma preocupação primordial em comum.

Acreditam que a Alemanha está a viver num mundo em crise existencial que os governos existentes são alegadamente incapazes de resolver. O que está em jogo é uma ligação entre a percepção da crise e a catastrófica radicalização política.

Por essa razão, a conspiração frustrada aponta para uma ameaça muito mais grave ao nosso mundo do que aquela que emana do pensamento clássico do Reichsbürger. Pois a mesma ligação estava em jogo quando a democracia entrou em colapso na Europa entreguerras.

Os conspiradores e a “perceção da crise”

É verdade que a percepção da crise é a principal força motriz por trás da radicalização de vários dos alegados membros-chave da conspiração, incluindo alguns antigos oficiais paraquedistas.

Uma das pessoas detidas em ligação com a conspiração é “Maximilian E.”, presumivelmente o antigo coronel do exército Maximilian Eder. Num livro que o próprio publicou, Eder expõe em mais de 179 páginas a forma como as inundações de 2021 na Alemanha se transformaram numa crise apenas devido a uma falha de liderança política - exigindo a intervenção de “combatentes da liberdade” como ele mesmo. Eder não comentou a detenção.

Outro suspeito detido pertencente ao ramo militar é “Peter W.”, descrito na comunicação social como Peter Wörner, um homem que dá cursos no deserto sobre “preparação para crises na Alemanha e na Europa” e “prevenção de crises”, segundo consta no site do próprio. Ensina a sobreviver em tempos de “quebra do sistema/colapso financeiro/colapso económico”. Wörner também não comentou a detenção.

E depois há o suspeito detido “Michael F.”, alegadamente Michael Fritsch, antigo político importante do Die Basis que concorreu ao parlamento alemão em 2021. O Die Basis tem uma base de apoio muito mais ampla do que o movimento Reichsbürger, tendo conseguido mais de 735.000 votos nas eleições de 2021.

O partido foi fundado em resposta à pandemia de covid-19, na base de que a verdadeira crise era humana, ou melhor, causada pelo governo. O partido acusa erroneamente o governo de ter reduzido a vida de todos os alemães em até dez anos. O tema é literalmente apresentado como uma crise existencial de vida ou morte.

Lições da Segunda Guerra Mundial

Mas há também motivos para preocupações muito maiores. Num discurso proferido na Suíça, Heinrich XIII procurou o motivo pelo qual a Alemanha está em crise e, ao fazê-lo, identificou erroneamente o poder do capitalismo financeiro alegadamente judaico como a origem de todos os problemas da Alemanha. Claramente, voltando aos temas dos nazis.

O comportamento e a radicalização dos conspiradores detidos na Alemanha resulta de um fenómeno bem conhecido: o de que, em tempos durante os quais domina a percepção da existência de uma policrise existencial de vida ou morte abrangente, - incluindo, mas não se limitando à Europa entreguerras - as pessoas viram-se contra quem está ao leme da política e ficam mais recetivas ao pensamento conspiratório.

Em resumo, é nessa altura que estão reunidas as condições para o catastrófico colapso político e a radicalização.

Agora, o movimento Reichsbürger é também lar para pessoas seriamente alienadas que sentem, - por causa da percepção de que vivem num estado permanente de crise – que a democracia liberal perdeu credibilidade e, como tal, voltam-se para o autoritarismo e a política de golpes.

Paralelamente, os governos ocidentais ajudaram inadvertidamente a atiçar o fogo da radicalização em tempos de crise. Ao longo da última geração, os governos começaram a apresentar todas as crises, reais e potenciais, como um desafio político solucionável.

Por exemplo, quando os Países Baixos aprovaram a primeira Estratégia de Segurança Nacional em 2005, optaram por uma “abordagem de todos os riscos” destinada a prevenir, resolver ou mitigar desastres e crises de todos os tipos. Foram criados novos organismos, a legislação foi aprovada e o governo apresentou-se como um gestor de prevenção de crises.

Mas, ao fazer isso, os governos ocidentais criaram expectativas no eleitorado às quais é impossível corresponder. Como as crises aconteciam fosse como fosse, os cidadãos começaram a ver os governos como criadores de crises. Involuntariamente, tudo isso encaixava perfeitamente na temática do manual populista de que o establishment político tem desiludido o povo e que são necessárias novas respostas radicais, bem como recursos humanos, para acontecer a libertação de um mundo em crise existencial.

A conspiração frustrada deve, portanto, ser entendida como o canário na mina de carvão para aquilo que está para vir, não só na Alemanha, mas no mundo inteiro, a menos que todos encontremos formas urgentes de abordar a crescente percepção da policrise em grande parte do mundo.

Segundo um famoso provérbio chinês, em cada crise há uma oportunidade. Mas, conforme a história nos ensina, em cada policrise há uma catástrofe política.

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