Radical, violento, contra a democracia e infiltrado nas forças armadas: Reichsbürger, o movimento de extrema-direita que quer derrubar o Estado alemão

7 dez 2022, 19:21
Reichsbürger

Pelo menos 25 pessoas foram detidas na Alemanha durante uma investigação a uma tentativa de golpe de Estado. O objetivo do grupo de extrema-direita seria instaurar um "príncipe" como líder do país e construir uma nova Alemanha. Mas apesar de esta fação terrorista ser recente, o movimento não é de agora - nem a preocupação das autoridades. Eis porquê

São suspeitos de planearem um ataque armado contra instituições estatais com o objetivo de derrubar o governo da Alemanha. E até já estariam a preparar uma espécie de "governo-sombra". Acabaram por ser detidos esta quarta-feira numa megaoperação das autoridades alemãs, que seguiam uma rede terrorista fundada em finais de novembro de 2021 com ligações ao movimento Reichsbürger.

As buscas decorreram em 130 propriedades que pertencem a 52 suspeitos em 11 estados alemães. Entre os detidos há homens e mulheres: 24 são de nacionalidade alemã e um é russo. Um dos indivíduos foi detido na Áustria e outro em Itália. Existem ainda outros 27 suspeitos, detalhou o Ministério Público. E já há nomes e uma estrutura hierárquica composta por membros do exército alemão, mas também nazis e saudosistas da Alemanha imperial. Alguns queriam tomar o parlamento. 

O "príncipe" escolhido

As autoridades identificaram os alegados líderes desta fação terrorista apenas como Heinrich XIII Prince Reuss e Ruediger v. P., de acordo com as regras de privacidade alemãs. A Der Spiegel relata que o primeiro, com 71 anos, é um conhecido membro de uma pequena família nobre alemã, enquanto o segundo é um ex-paraquedista de 69 anos.

Dois agentes levam Heinrich XIII Prince Reuss (ao centro na fotografia) para um veículo da polícia durante a operação contra os Reichsbürger em Frankfurt (AP)

De acordo com os procuradores, o "príncipe" Heinrich XIII - que o grupo planeava nomear novo líder da Alemanha - estabeleceu contacto com autoridades russas - que pretendiam estabelecer uma nova ordem na Alemanha assim que o governo de Berlim fosse derrubado. Sabe-se ainda que uma mulher russa, Vitalia B, teria prestado ajuda. A embaixada da Rússia em Berlim já negou ligações com grupos terroristas de extrema-direita.

Mas a estrutura não fica por aqui. Outra suspeita detida pela polícia foi identificada como Birgit M.-W. A Der Spiegel afirma que a mulher é juíza em Berlim e ex-parlamentar do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Há ainda um militar do Comando de Forças Especiais do Bundeswehr (as forças armadas alemãs), bem como vários reservistas do Bundeswehr entre os suspeitos no caso, detalha a agência de notícias DPA, que cita um porta-voz do Serviço de Contra-inteligência Militar da Alemanha.

Segundo avança a DW, o "gatilho" para as buscas foi uma investigação sobre outro grupo do movimento Reichsbürger que planeava sequestrar o ministro da saúde alemão, Karl Lauterbach. A ministra do Interior alemã, Nancy Faeser, já veio admitir que o caso revela uma grande ameaça: "As investigações dão um vislumbre do abismo de uma ameaça terrorista do movimento Reichsbürger", disse Nancy Faeser um comunicado.

O perfil dos "Cidadãos do Império Alemão"

Os membros do grupo acreditam num "conglomerado de teorias da conspiração que consistem em narrativas dos autoproclamados Reichsbürger ("Cidadãos do Reich", em português) - um movimento fundado em 1871 que nega a existência da República Federal da Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial. Além disso, acreditam que o estado atual não passa de uma construção administrativa ainda ocupada pelas potências ocidentais — EUA, Reino Unido e França. Para eles, as fronteiras de 1937 do Império Alemão ainda existem.

De acordo com a imprensa alemã, o movimento Reichsbürger é composto por vários pequenos grupos e indivíduos espalhados por todo o país. No total, estima-se que haja cerca de 21.000 membros na Alemanha, com 5% deles classificados como extremistas de direita.

Um participante de uma manifestação contra as restrições da covid-19 na Alemanha a 4 de dezembro de 2021. Várias centenas de participantes, incluindo membros do movimento Reichsbürger, reuniram-se no centro da cidade. A polícia interrompeu (Getty)

A maioria dos membros do grupo é do sexo masculino, em média tem mais de 50 anos e segue ideologias populistas de direita, antissemitas e nazis. Não aceitam a legalidade das autoridades governamentais da República Federal da Alemanha. Recusam-se a pagar impostos e declararam os seus próprios pequenos "territórios nacionais", aos quais chamam "Segundo Império Alemão", "Estado Livre da Prússia" ou "Principado da Germânia".

Os membros desses grupos imprimem os seus próprios passaportes e cartas de condução. E até produzem vestuário e bandeiras para fins publicitários. Os Reichsbürger desconsideram o facto de que tal atividade é ilegal e não reconhecida por nenhuma autoridade alemã. Aliás, até anunciam com orgulho a sua intenção de "continuar a luta contra a República Federal da Alemanha".

De acordo com as autoridades, os suspeitos detidos esta quarta-feira são próximos dos conspiracionistas norte-americanos do QAnon e estão convencidos de que a Alemanha é atualmente governada por membros de um chamado "Deep State" (Estado profundo, em tradução livre). Afirmações semelhantes e sem fundamento sobre os Estados Unidos foram feitas pelo ex-presidente Donald Trump. Segundo os membros do grupo, a "libertação" é prometida pela iminente intervenção da "Aliança" – uma aliança secreta tecnicamente superior formada por governos, serviços de inteligência e militares de vários países, incluindo Rússia e Estados Unidos.

Da radicalização à violência

A imprensa alemã relata que o movimento Reichsbürger passou por uma radicalização durante a pandemia de covid-19, altura em que ganhou força com o movimento "Querdenker" e recusou-se a aderir a quaisquer restrições impostas por autoridades que não reconhecem.

Apesar da sua rejeição ao sistema, os Reichsbürger inundam os tribunais alemães com enxurradas de moções e objeções apresentadas contra ordens judiciais e exigências de pagamento emitidas pelas autoridades locais. Independentemente do conteúdo, as autoridades são obrigadas a processar todas as solicitações formais que recebem. Há relatos de autarcas que protestaram porque, além de terem de lidar com tanto trabalho sem sentido, também foram atacados por membros do grupo - verbalmente e até fisicamente. Os membros costumam filmar esses ataques e depois publicá-los online.

Material apreendido em abril de 2022 durante uma busca no apartamento de um membro dos Reichsbürger, suspeito de posse ilegal de armas (Getty)

Além disso, a ligação do grupo às armas de fogo - e armazenamento das mesmas - deixou as autoridades preocupadas. O último relatório dos serviços de inteligência alemães sobre o movimento revela que os membros estão prontos e dispostos a cometer "graves atos de violência". De acordo coma a DW, a polícia encontrou grandes esconderijos de armas e munições durante as buscas nas casas.

Como uma parte significativa do grupo é formada por ex-soldados do Bundeswehr e do NVA (Exército Nacional), entre eles homens com treino militar especial, o grupo é considerado particularmente perigoso. Nos últimos anos, as autoridades alemãs revogaram as licenças de porte de armas para centenas de seguidores do movimento.

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