Este Estado norte-americano não está abrangido pela NATO. E se fosse atacado por uma potência estrangeira?

CNN , Brad Lendon
2 abr, 09:00
Vista da cratera Diamond Head na costa de Oahu, no Havai. O centro de Honolulu está à direita de Diamond Head.  Eric Broder Van Dyke/iStockphoto/Getty Images

A Suécia tornou-se o mais recente membro da NATO no início deste mês, juntando-se a 31 nações da aliança de segurança, incluindo os Estados Unidos. Bem, 49 dos 50 Estados Unidos.

Porque, por uma peculiaridade geográfica e histórica, o Havai não está tecnicamente abrangido pelo pacto da NATO.

Se uma potência estrangeira atacasse o Havai - por exemplo, a base da Marinha dos Estados Unidos em Pearl Harbor ou o quartel-general do Comando Indo-Pacífico a noroeste de Honolulu - os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte não seriam obrigados a defender o Estado de Aloha.

"É muito estranho", diz David Santoro, presidente do grupo de reflexão do Fórum do Pacífico, em Honolulu, acrescentando que até a maioria dos habitantes do Havai não faz ideia de que o seu Estado está tecnicamente à deriva da aliança.

Marinheiros a bordo do USS Decatur prestam honras ao passar pelo Memorial USS Arizona e pelo navio de guerra afundado durante a 82.ª cerimónia do Dia da Memória de Pearl Harbor, na quinta-feira, 7 de dezembro de 2023, em Pearl Harbor, Honolulu, no Havai. Mengshin Lin/AP

"As pessoas tendem a assumir que o Havai faz parte dos EUA e, por isso, está abrangido pela NATO", afirma.

Mas, admite, a dica está no nome da própria aliança - Organização do Tratado do Atlântico Norte.

O Havai fica, naturalmente, no Pacífico e, ao contrário da Califórnia, do Colorado ou do Alasca, o 50º estado não faz parte do território continental dos Estados Unidos, que alcança o Oceano Atlântico Norte na sua costa oriental.

"O argumento para não incluir o Havai é simplesmente o facto de não fazer parte da América do Norte", diz Santoro.

A exceção está prevista no Tratado de Washington, o documento que criou a NATO em 1949, uma década antes de o Havai se tornar um Estado.

Embora o artigo 5º do tratado preveja a autodefesa colectiva em caso de ataque militar a qualquer Estado membro, o artigo 6º limita o âmbito geográfico dessa autodefesa.

"Considera-se que um ataque armado a uma ou mais partes inclui um ataque armado ao território de qualquer das partes na Europa ou na América do Norte", diz o artigo 6º. O artigo diz ainda que qualquer território insular deve estar situado no Atlântico Norte, a norte do Trópico de Câncer.

Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA confirmou que o Havai não está abrangido pelo artigo 5º, mas disse que o artigo 4º, que diz que os membros se consultarão quando "a integridade territorial, a independência política ou a segurança" de qualquer membro estiver ameaçada, deve abranger qualquer situação que possa afetar o 50º Estado.

O porta-voz disse ainda que qualquer alteração ao tratado que inclua o Havai não deverá obter consenso porque outros membros têm territórios fora dos limites estabelecidos no artigo 5º.

Por exemplo, a NATO não se juntou ao membro fundador, o Reino Unido, na guerra de 1982 contra a Argentina, depois de as tropas argentinas terem invadido as Ilhas Falkland, um território britânico disputado no Atlântico Sul.

A NATO não respondeu a um pedido de comentário da CNN.

Hawaii, Guam, Taiwan e Coreia do Norte

Alguns especialistas afirmam que os tempos mudaram nas décadas que se seguiram à assinatura do Tratado de Washington - e argumentam que a situação política atual no Indo-Pacífico pode exigir uma reformulação.

Isto porque as bases militares dos EUA no Havai poderiam desempenhar um papel vital tanto no combate à agressão da Coreia do Norte como no apoio a qualquer potencial defesa de Taiwan.

O Partido Comunista da China, no poder, reivindica a ilha democrática autónoma como seu território, apesar de nunca a ter controlado. O líder chinês Xi Jinping fez da "reunificação" de Taiwan uma parte essencial do seu objetivo global de "rejuvenescer" a nação até 2049.

Embora os líderes chineses tenham afirmado que esperam assumir o controlo da ilha por meios pacíficos, não excluíram a possibilidade de o fazer pela força - e intensificaram a intimidação militar da ilha nos últimos anos.

A Lei das Relações com Taiwan obriga Washington a fornecer armamento para a defesa da ilha e o Presidente dos EUA, Joe Biden, sugeriu que utilizaria pessoal militar dos EUA para a defender no caso de uma invasão chinesa (embora funcionários da Casa Branca tenham afirmado que a política dos EUA de deixar essa questão ambígua não mudou).

Um cenário de jogo de guerra de 2022, realizado pelo Center for a New American Security, mostrava a China a atacar as instalações de comando e controlo dos EUA no Havai, como parte da sua guerra para conquistar Taiwan pela força.

John Hemmings, diretor sénior do Programa de Política Externa e de Segurança do Indo-Pacífico no Fórum do Pacífico, afirma que a exclusão do Havai da NATO retira "um elemento de dissuasão" no que diz respeito à possibilidade de um ataque chinês ao Havai como forma de apoio de uma eventual campanha contra Taiwan.

A exclusão do Havai permite a Pequim saber que os membros europeus da NATO têm potencialmente uma espécie de "válvula de escape" quando se trata de defender o território dos EUA numa situação hipotética, afirma.

"Porque é que não havemos de pôr esse elemento de dissuasão à nossa disposição?" diz Hemmings. "Por que razão deixaríamos isso de fora, se isso pudesse impedir (a China) de invadir Taiwan?"

Três navios de guerra americanos foram atingidos durante o ataque japonês a Pearl Harbor, Honolulu, Oahu, Havai, a 7 de dezembro de 1941. Da esquerda para a direita, o USS West Virginia, o USS Tennessee e o USS Arizona. Marinha dos EUA/Interim Archives/Getty Images

A importância estratégica do Havai tem também um profundo significado histórico para os EUA. "Foi aqui que aconteceu Pearl Harbor. Foi aqui que fomos atacados, o que nos levou à Segunda Guerra Mundial e - já agora - foi também aqui que ajudámos a libertar França", afirma.

"Para os americanos, existe uma ligação direta entre este Estado e o nosso envolvimento na Segunda Guerra Mundial e, em última análise, a nossa ajuda para contribuir para a vitória sobre o Eixo (a aliança entre a Alemanha nazi, o Japão e a Itália)."

Hemmings também defende a inclusão de Guam, o território insular americano no Pacífico, cerca de 3.000 milhas mais a oeste do que o Havai, no guarda-chuva da NATO.

A ilha, que desde há muito tem sido um ponto fulcral dos barulhos de sabres da Coreia do Norte, alberga a Base Aérea de Andersen, a partir da qual os Estados Unidos podem lançar os seus bombardeiros B-1, B-2 e B-52 em todo o Indo-Pacífico.

Hemmings compara a exclusão de Guam da NATO à forma como os EUA deixaram a Península da Coreia fora da linha que traçaram no Pacífico para impedir a União Soviética e a China de espalharem o comunismo, em janeiro de 1950. Cinco meses depois de ter sido traçada a chamada Linha Acheson, começou a Guerra da Coreia.

"O adversário sente-se encorajado a levar a cabo um conflito militar e acabamos por ter uma guerra de qualquer forma", afirma Hemmings.

Santoro, do Fórum do Pacífico, também refere que Guam deveria ser incluída no âmbito da NATO. "Estrategicamente, Guam é muito mais importante do que o Havai", afirma.

Bombardeiros B-52H Stratofortress da Força Aérea dos EUA na Base da Força Aérea de Andersen, Guam, a 14 de fevereiro de 2024. Sargento-mor Amy Picard/Força Aérea dos EUA

"Coligação de interessados"

Outros analistas argumentam que se um hipotético ataque tivesse lugar no Havai ou em Guam, os laços profundos e duradouros que unem os EUA e os seus aliados democráticos seriam substancialmente mais significativos na tomada de decisões dos países do que um pormenor técnico no tratado da NATO.

Na eventualidade de um ataque, "eu esperaria (...) que os Estados Unidos tentassem reunir uma coligação de interessados envolvendo principalmente - mas certamente não exclusivamente - aliados regionais", diz Luis Simon, diretor do Centro de Investigação para a Segurança, Diplomacia e Estratégia da Escola de Governação de Bruxelas, na Bélgica.

Simon cita a resposta forte e imediata da aliança após os ataques de 11 de setembro, a única vez nos seus 74 anos de história que a NATO accionou o mecanismo de autodefesa colectiva previsto no artigo 5º.

"Mas Washington optou por canalizar a sua resposta através de uma coligação de interessados e não através do Comando da OTAN", afirma. "Suspeito que veríamos uma reação semelhante no caso de um ataque a Guam ou ao Havai, com os EUA a quererem manter o controlo militar total sobre (a resposta) e a flexibilidade diplomática."

Simon diz também que não vê de forma clara, por parte dos membros da NATO, um compromisso para com os EUA e a aliança.

A NATO é um alicerce da comunidade democrática transatlântica. Os Estados Unidos e os outros membros da NATO têm-se manifestado a favor de uma unidade sem precedentes entre a aliança face à invasão não provocada da Ucrânia pela Rússia. E a NATO também endureceu a sua retórica comum sobre a China nos últimos anos, prometendo enfrentar o que descrevem como os "desafios sistémicos" que Pequim coloca.

"Pessoalmente, não tenho dúvidas de que estariam dispostos a fornecer diferentes formas de assistência em caso de ataque contra o território soberano dos EUA, incluindo individualmente e através de instâncias multilaterais como a União Europeia ou a NATO", afirma.

*Jennifer Hansler contribuiu para este artigo

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