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Economista e Professor Universitário

Casa própria em Portugal? Infelizmente, este país já não é para portugueses

22 ago 2023, 11:44

A discrepância entre a realidade socioeconómica nacional e o preço das casas é tão vincada que chega a parecer improvável

Em Portugal, é preciso um salário bruto médio mensal de 3.165 euros para comprar uma pequena casa de 100m2. Não é um lapso. 3.165 euros ilíquidos. O valor resulta de um estudo recente da HelloSafe Portugal.

Para a maioria das famílias portuguesas, um rendimento do trabalho acima dos 3.000 euros mensais é considerado inalcançável. É uma meta “milionária” e impossível. Em Portugal, nem mesmo a maioria das atividades profissionais altamente qualificadas atinge este patamar salarial, a não ser já em estádios de progressão de carreira bem avançados. A este propósito, é importante realçar que o país regista cada vez menos emprego no segmento de “especialistas em atividades intelectuais e científicas”. É o jornal Dinheiro Vivo que o refere, com base no inquérito do INE referente ao segundo trimestre de 2023. Os dados são tão sugestivos quanto alarmantes. Em apenas um ano, a economia portuguesa perdeu 108 mil empregos neste grupo de profissionais. Ao mesmo tempo, o país registou um aumento de mais de 50 mil trabalhadores não qualificados. Não é por isso de estranhar que a diferença entre o salário médio líquido e o salário mínimo líquido se esteja a esbater de forma preocupante em Portugal.

Em 2022, o salário médio bruto nacional atingiu o valor de 1.411 euros. 1.411 euros. Portanto, a remuneração média ilíquida registada internamente não chega a metade do valor necessário para comprar uma modesta habitação de 100m2. É uma diferença tremendamente expressiva, e impactante. A discrepância entre a realidade socioeconómica nacional e o preço das casas é tão vincada que chega a parecer improvável. Senão, notemos nos seguintes factos. Num país em que é necessário um salário bruto médio mensal de 3.165 euros para comprar uma casa de 100m2:

- Mais de 50% da população aufere menos de 1.000 euros mês, segundo dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social;

- 65% dos jovens até aos 30 anos aufere um salário mensal abaixo de 1.000 euros;

- Cerca de 30% dos pobres têm trabalho, de acordo com um estudo divulgado pela TSF;

- O Banco de Portugal refere que foi o grupo dos trabalhadores licenciados a registar o maior corte real de salários entre 2006 e a pandemia. A penalização foi de quase 9%. Para este grupo de profissionais, a fuga do país é uma inevitabilidade;

- A Assistência Médica Internacional e o Banco Alimentar advertem que há cada vez mais cidadãos com curso superior a recorrer a apoio alimentar;

- O Eurostat destaca que, no conjunto dos 27 Estados-Membros da União Europeia, Portugal é o segundo no ranking do risco de pobreza entre trabalhadores independentes;

- Como se o quadro salarial bruto nacional não fosse já confrangedoramente baixo, o país ainda aplica a 9ª maior carga fiscal sobre o trabalho dos 38 países que integram a OCDE;

- Um estudo pré-pandemia, conduzido por investigadores da Universidade Nova de Lisboa, conclui que Portugal tem cerca de 330 mil crianças em risco de pobreza ou de exclusão social. Este número de crianças corresponde a mais de 3 % da população total portuguesa. É uma realidade avassaladora. 

Um país com esta realidade socioeconómica pressupõe um salário bruto médio mensal de 3.165 euros para aquisição de uma casa própria de 100m2?!

Infelizmente, este país já não é para portugueses.

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