Ucrânia confia em Musk e na Starlink para a guerra de drones (mas a Rússia parece também estar a tirar proveito)

CNN , Nick Paton Walsh, Alex Marquardt, Florence Davey-Attlee e Kosta Gak
29 mar, 22:00
Drones na Ucrânia (Getty Images)

As tropas ucranianas da linha da frente dizem estar a ter problemas de ligação com o serviço vital de Internet Starlink, propriedade de Elon Musk e utilizado para fazer funcionar a frota de drones de ataque de Kiev. Ao mesmo tempo relatam um aumento da utilização russa destes mesmos dispositivos, apesar de tal ser proibido pelas sanções dos Estados Unidos (EUA).

Numa série de entrevistas realizadas nas linhas da frente, os soldados ucranianos afirmaram que as velocidades de ligação diminuíram nos últimos meses e referiram outros problemas de conexão. As queixas coincidem com um aumento do número de avistamentos ucranianos de utilizações russas do serviço de Internet por satélite, gerido pela SpaceX, e de publicações nas redes sociais em que crowdfunders russos afirmam ter conseguido contornar as sanções contra a utilização russa dos dispositivos, comprando-os em países terceiros.

A razão para os relatos de uma deterioração do serviço na Ucrânia não é clara, e a Starlink, a SpaceX e Musk recusaram-se a comentar. No entanto, tropas e analistas sugeriram que pode haver mais Starlinks em áreas contestadas do que há uns meses, em ambos os lados das linhas, o que poderia afetar as velocidades de ligação.

O serviço de Internet Starlink tem proporcionado uma vantagem significativa na linha da frente às pequenas unidades das forças armadas ucranianas desde a invasão de 2022, permitindo que as suas forças partilhem imagens de drones em tempo real entre unidades e comuniquem em áreas onde o combate interrompeu o serviço de telemóvel.

Um operador de comunicações na área de Zaporizhzhia, que pediu para ser chamado de Misha, diz à CNN que os problemas começaram nas últimas três semanas. "Começámos a notar (uma) ligação de má qualidade", começa.

"Está sempre a avariar, tem de ser reiniciada para começar a funcionar corretamente. Mas rapidamente a velocidade começa a diminuir e a ligação volta a interromper-se. Isto traz complicações bastante desagradáveis" para o seu trabalho, acrescenta.

O tempo adverso poderá ser um fator a ter em conta, embora a CNN tenha falado com unidades na linha da frente que relataram problemas semelhantes.

Uma paramédica ucraniana na linha da frente utiliza uma ligação à Internet Starlink numa cave, enquanto os projéteis russos aterram nas proximidades, acima do solo, em 20 de fevereiro de 2023, na região de Donbass, no leste da Ucrânia (John Moore/Getty Images via CNN Newsource)

Outro operador de drones, o comandante de uma das dezenas de unidades que pilotam drones de ataque de uso único contra alvos russos, também na região de Zaporizhzhia, refere que os problemas da sua unidade começaram em janeiro.

"Antes do Ano Novo, a velocidade era muito maior", explica o comandante, Anton, da 65ª Brigada Mecanizada. "Agora [diminuiu] para metade. Vi informações sobre os russos que compravam Starlinks através dos países neutros e os utilizavam na linha da frente de Zaporizhzhia para os seus objetivos".

O mesmo número de satélites Starlink serve agora o dobro das unidades, pelo que "é claro que a velocidade diminuiu".

Várias unidades ucranianas na linha da frente disseram à CNN que tinham tido problemas de velocidade com o Starlink e notaram a utilização russa, mas não quiseram ser identificadas por se tratar de uma questão sensível.

As autoridades ucranianas soaram pela primeira vez o alarme sobre a utilização da Starlink por parte da Rússia no início de fevereiro, sugerindo que estavam a trabalhar com a SpaceX e Musk para reduzir o acesso de Moscovo às unidades da linha da frente. No entanto, recusaram-se a comentar para este artigo, com alguns especialistas a citarem a necessidade de manter o imprevisível empresário a bordo como motivo de discrição.

"Musk é uma criança grande, por isso é importante falar com ele e não o ofender, porque ele pode tomar algumas decisões rápidas que podem não ser muito boas para todos", confessa Oleg Kutkov, um analista informático baseado em Kiev. Segundo o especialista, a Starlink deveria poder restringir o acesso aos terminais detidos pelos russos, mas a sua aquisição através de países terceiros por crowdfunders russos pode complicar a tarefa.

"O problema é identificar o proprietário efetivo da conta. Pode acontecer que num determinado local existam dois terminais [comprados] na Polónia e um esteja a trabalhar para o lado ucraniano e outro para o lado russo. E a SpaceX não sabe quem deve bloquear", vinca.

Numa tentativa de reprimir a utilização da Starlink por parte da Rússia nas zonas ocupadas, a Ucrânia procurou impor novas condições legais às comunicações por satélite, como os terminais Starlink, criando uma "lista branca" de dispositivos registados autorizados a serem utilizados por Kiev. De acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto, a SpaceX, proprietária da Starlink, pediu aconselhamento ao Pentágono sobre a forma de lidar com o desafio de satisfazer os desejos de Kiev para que a Starlink seja acessível às forças ucranianas em todo o território, ao mesmo tempo que consegue negar às forças russas o serviço nas áreas da linha da frente, onde os lados opostos estão muitas vezes tão próximos que é difícil determinar o utilizador de cada terminal.

A diplomacia nos bastidores tem sido extremamente delicada, de acordo com uma segunda fonte familiarizada com essas discussões. Os funcionários ucranianos, por seu lado, comunicaram discretamente nos últimos dias com os representantes da SpaceX e com os funcionários americanos sobre a importância de implementar o sistema de lista branca de terminais autorizados.

Mesmo com os dispositivos Starlink que estão firmemente sob o controlo dos militares ucranianos, existe a preocupação entre os funcionários ucranianos de que os russos possam desviar as suas comunicações ou pirateá-las. O serviço de informações ucraniano SBU afirmou no ano passado que os hackers militares russos estavam a tentar roubar as comunicações no campo de batalha enviadas dos dispositivos móveis dos soldados ucranianos para os terminais Starlink.

Um porta-voz do Pentágono, Jeff Jurgensen, remeteu as questões para o governo ucraniano, dizendo o sseguinte: "Embora estejamos cientes dos relatórios sobre esta questão, e esperemos que a Rússia tente aproveitar qualquer tecnologia que possa dar-lhes uma vantagem operacional contra a Ucrânia, não temos detalhes ou informações adicionais para fornecer".

Em fevereiro, Musk respondeu às alegações ucranianas de que os russos estavam a usar o Starlink, afirmando que a sua empresa não fazia negócios com o governo russo e que o sistema não funcionaria na Rússia.

Mas a Starlink não deixou claro se a tecnologia poderia funcionar em áreas da Ucrânia ocupadas pelos russos.

"Se a SpaceX tiver conhecimento de que um terminal Starlink está a ser usado por uma parte sancionada ou não autorizada, investigamos a alegação e tomamos medidas para desativar o terminal, se confirmado", disse a empresa num comunicado.

Uma antena Starlink coberta com uma rede de camuflagem no local de uma unidade das Forças Armadas da Ucrânia na região de Donetsk, Ucrânia, dezembro de 2022 (Maxym Marusenko/NurPhoto via Getty Images)

Nos últimos meses, os canais das redes sociais russas geridos por financiadores coletivos têm sido cada vez mais abertos em relação às aquisições da Starlink.

Um desses fornecedores, que publicou no serviço de mensagens Telegram sob o nome de Katya Valya, partilhou um vídeo em que se vê uma mulher a dar a dois soldados russos vários drones, mas também o que pareciam ser cinco terminais Starlink. Ela prometeu 30 numa data posterior, e também publicou imagens de uma pilha de 20 unidades Starlink aparentemente doadas. Outro blogger, CedarWoods, publicou imagens de Starlinks doados e descreveu os danos causados a uma unidade russa após um ataque ucraniano "sortudo".

As unidades ucranianas têm também publicado imagens de múltiplos ataques de drones contra trincheiras russas onde foram detetados terminais Starlink. A CNN obteve também um vídeo de um drone russo, que foi transmitido a partir das linhas da frente, no qual a unidade ataca um veículo ucraniano, o que sugere que Moscovo tem procurado reproduzir o sucesso da frota de drones de ataque baratos e de utilização única de Kiev.

Os democratas da Comissão de Supervisão do Congresso dos EUA escreveram à Starlink exigindo um briefing urgente sobre a utilização russa dos dispositivos, expressando a sua "grave preocupação" de que Moscovo esteja a utilizar os terminais na Ucrânia ocupada, em violação das sanções dos EUA.

"Estamos preocupados com o facto de a Starlink poder não ter as medidas e políticas adequadas para garantir que a sua tecnologia não seja adquirida direta ou indiretamente, nem utilizada ilegalmente pela Rússia", escreveu a comissão no início deste mês.
 

Relacionados

Europa

Mais Europa

Patrocinados