Crimeia, a última fronteira

26 set 2023, 23:25

A contraofensiva ucraniana e a outra frente estratégica

E assim, mais de três meses da tão antecipada contraofensiva culminam em avanços residuais, ainda incapazes de desfiar o novelo das linhas russas, cravadas na terra com todo o tempo do mundo perante o ímpeto alimentado ao longo de todo o inverno passado. Uma tímida percentagem de progressos que a guerra de comunicação desta guerra destaca com vitórias simbólicas e pontuais, ofuscando as vidas e o sangue derramado até aqui. Na guerra mais transmitida de sempre, a guerra dos drones e dos ataques gravados em 4K, eis a contraofensiva transformada, grotesca e perversamente, numa espécie de videojogo, distante da introspeção obrigatória, para lá do imperativo da paz é certo, sobre o que realmente tem frustrado o esforço ucraniano: o Ocidente não responder à parada de determinados pedidos da Ucrânia, amplamente considerados fundamentais pela análise militar para o desbloqueio no campo de batalha.

E assim, na guerra das expectativas desta guerra, os grandes aliados mantêm o discurso do apoio pelo tempo que for necessário, quando há promessas difíceis de manter, simplesmente pela incapacidade de ler com exactidão as linhas impalpáveis do futuro: se há recursos e vontade política para manter a produção de armamento necessário ao elevado consumo da Ucrânia; e se há vontade política, tout court, para manter esses apoios. Do lado de quem assiste à guerra, as urnas não se encerram e um voto pode mudar estratégias e posicionamentos. Com eleições presidenciais no próximo ano nos Estados Unidos, maior aliado da Ucrânia e motor do apoio ocidental, a imprevisibilidade é sísmica. Ainda para mais quando conhecidas as afinidades de um certo candidato em relação ao homem que manda no Kremlin.

E assim, imprevisível também é esta guerra que agora chega à Crimeia, objectivo eterno no imaginário colectivo ucraniano desde a anexação de Vladimir Putin, abrindo uma ramificação da contraofensiva: se esta, que todos entendem como a inevitável paragem final do conflito, não representará um início do fim, como uma subversão do percurso nas frentes sul e leste, rumo ao Mar de Azov e ao Mar Negro, onde a Ucrânia já afundou duas dezenas de navios de guerra russos desde o início da invasão. Além disso, a dúvida sobre se a intensificação do objectivo Crimeia não se tornou numa manobra de improviso devido às frustrações da própria contraofensiva, com a meta de impedir que esta não seja uma guerra longa, como hoje é evidentemente percecionada. Nos ataques à península com mísseis de longo-alcance ocidentais, talvez a Ucrânia tenha encontrado uma forma de convencer o Ocidente a acelerar os apoios que prontamente anuncia mas tardiamente entrega para conter um agressor que está a colocar todos os recursos na máquina de guerra (segundo os últimos números, 40% do orçamento federal, contra pouco mais de 2% do orçamento combinado dos Estados-Membros da NATO).

E assim, a Crimeia, a última fronteira, pode bem ser uma última esperança contra a ideia da guerra longa.

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