Exclusivo: Rússia está a produzir três vezes mais munições do que as que EUA e Europa estão a dar à Ucrânia

CNN , Katie Bo Lillis, Natasha Bertrand, Oren Liebermann e Haley Britzky
12 mar, 08:00
Uma peça de artilharia D-30 de 122 mm é disparada na região de Donetsk (Mykhaylo Palinchak/SOPA Images/Sipa USA via CNN Newsource)

A Rússia parece estar no bom caminho para produzir quase três vezes mais munições de artilharia do que os Estados Unidos (EUA) e a Europa, no que é uma vantagem fundamental antes do que se espera que seja outra ofensiva russa na Ucrânia no final deste ano.

Em concreto, a Rússia está a produzir cerca de 250 mil munições de artilharia por mês, o que significa três milhões por ano, de acordo com as estimativas partilhadas com a CNN pelos serviços secretos da NATO sobre a produção de defesa russa, bem como com fontes familiarizadas com os esforços ocidentais para armar a Ucrânia. Em conjunto, EUA e Europa têm capacidade para produzir apenas cerca de 1,2 milhões de munições por ano para enviar a Kiev, revelou à CNN um alto funcionário dos serviços secretos europeus.

As forças armadas dos EUA estabeleceram o objetivo de produzir 100 mil cartuchos de artilharia por mês até ao final de 2025 - menos de metade da produção mensal russa - e mesmo esse número está agora fora de alcance, com 60 mil milhões de dólares (cerca de 55 mil milhões de euros) de financiamento para a Ucrânia bloqueados no Congresso, lembrou um alto funcionário do exército aos jornalistas na semana passada.

"Estamos agora numa guerra de produção", confirmou à CNN um responsável de um alto cargo da NATO. "O resultado na Ucrânia depende de como cada lado está equipado para conduzir esta guerra".

As autoridades dizem que a Rússia está atualmente a disparar cerca de 10 mil obuses por dia, em comparação com apenas dois mil por dia do lado ucraniano. O rácio é pior em alguns locais ao longo da linha da frente de quase mil quilómetros.

O défice surge naquele que será o momento mais perigoso para o esforço de guerra da Ucrânia desde que a Rússia marchou pela primeira vez sobre Kiev, em fevereiro de 2022. O dinheiro dos EUA para armar a Ucrânia esgotou-se e a oposição republicana no Congresso impediu efetivamente a atribuição de mais fundos.

Entretanto, a Rússia tomou recentemente a cidade ucraniana de Avdiivka e é amplamente vista como tendo a iniciativa no campo de batalha. A Ucrânia está a debater-se não só com munições, mas também com uma crescente escassez de mão de obra nas linhas da frente.

A queda de Avdiivka, Ucrânia
Avdiivka tem estado na linha da frente desde 2014, quando os separatistas pró-Moscovo se apoderaram de grandes porções da região do Donbas, incluindo a cidade vizinha de Donetsk. As forças ucranianas conseguiram manter a cidade - com apenas pequenos ganhos russos - durante dois anos, até 17 de fevereiro, quando retiraram as tropas da área.

Notas: O controlo e o avanço russos significam que o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW) recebeu informações fiáveis e verificáveis de forma independente que demonstram o controlo ou os avanços russos nessas áreas. Os avanços russos são áreas onde as forças russas operaram ou lançaram ataques, mas não as controlam. As áreas "reclamadas" são aquelas em que as fontes afirmaram estar a ocorrer controlo ou contraofensivas, mas o ISW não pode corroborar ou demonstrar que são falsas.

Fontes: Instituto para o Estudo da Guerra com o Projeto de Ameaças Críticas da AEI

Gráfico: Lou Robinson, CNN

Os EUA e os seus aliados forneceram à Ucrânia uma série de sistemas altamente sofisticados, incluindo o tanque M-1 Abrams e, em breve, caças F-16. Mas pode não chegar. Os analistas militares dizem que a guerra será provavelmente ganha ou perdida com base em quem disparar mais projéteis de artilharia.

"A questão número um que estamos a observar neste momento são as munições", confirmou o responsável da NATO. "São os projéteis de artilharia, porque é aí que a Rússia está realmente a conseguir uma vantagem de produção significativa e uma vantagem significativa no campo de batalha."

Máquina de guerra russa a todo o gás

A Rússia tem fábricas de artilharia a funcionar "24 horas por dia, sete dias por semana", em turnos rotativos de 12 horas, revela fonte da NATO. Cerca de 3,5 milhões de russos trabalham atualmente no setor da defesa, contra cerca de dois a 2,5 milhões antes da guerra. A Rússia também está a importar munições: o Irão enviou pelo menos 300 mil cartuchos de artilharia no ano passado - "provavelmente mais do que isso", indicam as secretas da Aliança Atlântica - e a Coreia do Norte forneceu pelo menos 6.700 contentores de munições com milhões de cartuchos.

A Rússia "colocou tudo o que tem no jogo", aponta esse mesmo responsável. "A máquina de guerra está a funcionar a todo o vapor".

Um equivalente aproximado nos EUA seria se o presidente Joe Biden invocasse a Lei de Produção de Defesa, que dá ao presidente o poder de ordenar às empresas que produzam equipamentos rapidamente para apoiar a defesa nacional do país.

Soldado do Batalhão Azov na linha da frente de Kreminna (Efrem Lukatsky/AP)

O aumento da produção russa ainda não é suficiente para satisfazer as suas necessidades, sublinham os responsáveis ocidentais, enquanto as secretas não esperam que a Rússia obtenha grandes ganhos no campo de batalha a curto prazo. Há também um limite para a capacidade de produção russas: as fábricas russas atingirão provavelmente um pico no próximo ano.

Mas é ainda muito superior ao que os EUA e a Europa estão a produzir para a Ucrânia - especialmente sem financiamento adicional dos EUA. 

Competir com a economia gerida por Putin

Os países europeus estão a tentar colmatar esta lacuna. Uma empresa de defesa alemã anunciou no mês passado que planeia abrir uma fábrica de munições na Ucrânia que produzirá centenas de milhares de balas de calibre 155 mm por ano. Na Alemanha, a mesma empresa iniciou a construção de uma nova fábrica que deverá produzir cerca de 200 mil projéteis de artilharia por ano.

Dados de 10 de março de 2024 às 15h00 ET

Observações: "Avaliado" significa que o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW) recebeu informações fiáveis e verificáveis de forma independente que demonstram o controlo ou os avanços russos nessas áreas. Os avanços russos são áreas onde as forças russas operaram ou lançaram ataques, mas não as controlam. As áreas "reivindicadas" são aquelas em que as fontes afirmaram estar a ocorrer controlo ou contra-ofensivas, mas o ISW não pode corroborar nem demonstrar que são falsas.

Fontes: Instituto para o Estudo da Guerra com o Projeto de Ameaças Críticas da AEI; LandScan HD para a Ucrânia, Laboratório Nacional de Oak Ridge

Gráficos: Lou Robinson e Renée Rigdon, CNN

Os responsáveis norte-americanos e ocidentais insistem que, embora a Rússia tenha conseguido fazer arrancar as suas linhas de produção, em parte porque tem a vantagem de ser uma economia gerida sob o controlo de um autocrata, as nações ocidentais acabarão por recuperar o atraso e produzir melhor equipamento.

"Se conseguirmos controlar a economia, podemos provavelmente avançar um pouco mais depressa do que outros países", apontou o tenente-general Steven Basham, comandante adjunto do Comando Europeu dos EUA, numa entrevista à CNN na semana passada. Mas, segundo o responsável, "o Ocidente terá mais poder de sustentação".

"O Ocidente está apenas a começar a construir as infraestruturas necessárias para acrescentar a capacidade de munições que é necessária", acrescentou.

Quando o dinheiro ainda circulava, antes do impasse no Capitólio, o exército americano expandiu a produção de cartuchos de artilharia na Pensilvânia, no Iowa e no Texas.

"A produção russa é ininterrupta. Quero dizer, enorme, imensa", confirmou um legislador europeu. "Não devemos subestimar a vontade [russa] de nos ultrapassar com paciência e resiliência."

Os funcionários dos serviços secretos acreditam que nenhum dos lados está preparado para obter grandes ganhos iminentes, mas a matemática geral favorece Moscovo a longo prazo - especialmente se a ajuda adicional dos EUA não se concretizar.

"Não está a correr bem, mas tudo depende", confessa uma fonte familiarizada com os serviços secretos ocidentais. "Se a ajuda recomeçar e vier rapidamente, nem tudo está perdido".

Visar a produção de armas na Ucrânia

A Rússia também visou recentemente a produção nacional de defesa da Ucrânia com as suas armas de longo alcance.

"Se estivéssemos a falar sobre isto no outono passado, teríamos falado sobre como eles estavam a visar infraestruturas críticas", refere o responsável da NATO. "Agora, o que vemos são alguns alvos em infraestruturas críticas, mas também muitos alvos na base industrial de defesa ucraniana."

De acordo com o alto funcionário da NATO, a Rússia está a produzir mensalmente entre 115 a 130 mísseis de longo alcance e 300 a 350 drones de ataque unidirecional baseados num modelo iraniano fornecido por Teerão. Antes da guerra, a Rússia dispunha de um arsenal de milhares de mísseis de longo alcance, mas atualmente esse arsenal ronda os 700.

Ultimamente, os russos têm conservado essas armas para as utilizarem em grandes ataques para tentarem anular as defesas antimísseis ucranianas. Para compensar, aumentaram a utilização de drones, enviando, em média, quatro vezes mais drones por mês do que no inverno passado.

Restos de tanques russos em Andriivka, Donetsk (Alex Babenko/AP)

Talvez o maior desafio da Rússia tenha sido a produção de tanques e outros veículos blindados. Atualmente produz cerca de 125 tanques por mês, mas a grande maioria são modelos mais antigos que foram renovados. Cerca de 86% dos principais tanques de batalha que a Rússia produziu em 2023 foram renovados. E embora a Rússia tenha cerca de cinco mil tanques armazenados, "provavelmente uma grande percentagem destes não pode ser renovada e só serve para canibalizar peças", indicam as fontes da CNN.

Moscovo perdeu pelo menos 2.700 tanques, mais do dobro do número total que enviou inicialmente para a Ucrânia em fevereiro de 2022, quando a invasão começou.

A economia "transformada" da Rússia

Mas os responsáveis ocidentais também estão a observar atentamente a economia russa para ver se a interação entre um setor de defesa super-carregado, as sanções ocidentais e os esforços de Putin para preparar a sua economia para a guerra têm impacto na capacidade da Rússia para sustentar o conflito.

A guerra "transformou" absolutamente a economia russa, confirma o responsável da NATO, dizendo que isso é uma transformação face ao período pós-soviético em que o petróleo era o principal setor. Agora, a defesa é o maior setor da economia russa e é o petróleo que a paga.

Isto cria alguns desequilíbrios a longo prazo que serão poderão ser problemáticos para a Rússia, mas, por enquanto, está a funcionar, dizem o responsável da NATO e Steven Basham, o responsável do Comando Europeu dos EUA.

"A curto prazo - digamos, nos próximos 18 meses - pode ser pouco sofisticada, mas é uma economia duradoura", acrescenta o responsável da Aliança Atlântica.

O Pentágono está a ponderar a possibilidade de recorrer à última fonte de financiamento de que dispõe - mas tem-se mostrado relutante em gastar o dinheiro que resta sem garantias de que será reembolsado pelo Congresso, porque o facto de retirar dos stocks do Departamento de Defesa sem um plano de reposição do equipamento poderia ter impacto na prontidão militar dos EUA, de acordo com aquilo que já foi noticiado pela CNN.

"Se não houver mais ajuda dos EUA, será que os ucranianos mudam de opinião sobre as negociações?" É a questão que deixa um responsável das secretas ocidentais.

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