A bomba suja tornou-se psicologia suja? "A principal finalidade da Rússia é o impacto psicológico e não físico" mas "Zelensky esteve mal"

28 out 2022, 21:30

Putin até disse que pôs o seu ministro da Defesa a ligar para comandantes da NATO devido à alegada possibilidade de a Ucrânia usar uma bomba suja. Mas e se for a Rússia a usá-la? E se já estiver a usá-la - mas psicologicamente?

O lado ucraniano parece estar de consciência tranquila: o ministro dos Negócios Estrangeiros convidou inspetores das Nações Unidas a visitarem o país para mostrar que "não têm nada a esconder". A verdade é que se de um lado não há nada a esconder, do outro ninguém apresentou provas que sustentem as acusações. 

À CNN Portugal, Victor Madeira, especialista em segurança nacional, não tem dúvidas de que isto se trata de uma jogada "na qual a Rússia acusa outros de planearem exatamente o que a própria Rússia está a planear". 

"A ameaça nuclear/radioativa é cada vez mais utilizada como bandeira pelo Kremlin porque é a única maneira de conter o vasto suporte militar e humanitário que os aliados ocidentais estão a fornecer à Ucrânia. Isso é o verdadeiro objetivo: intimidar os aliados e quebrar a nossa solidariedade para com o povo ucraniano."

À pergunta "a Rússia pode mesmo usar uma bomba suja?", Victor Madeira responde que pode ser apenas "um estratagema russo mas também uma ameaça real, porque a tentação para o Estado russo é pensar que a utilização de uma bomba suja talvez não provocasse uma resposta tão forte do Ocidente". "Mas estão muito enganados: seria uma resposta devastadora, embora convencional", aponta. 

"Até agora, as declarações por parte da Aliança Atlântica têm sido explícitas: qualquer acção russa deste tipo seria considerada uma ameaça direta à ordem internacional. Qualquer ação não convencional pela Rússia - nuclear, química, radioativa ou biológica - teria uma resposta devastadora por parte dos aliados."

Estratégia ou não, tudo isto faz parte da forma como a Rússia comanda a guerra: com ações político-psicológicas, diz Victor Madeira. Para líderes como Vladimir Putin, "a vitória define-se pelo caos provocado nas sociedades inimigas, neste caso as democracias ocidentais",

Uma visão que é também partilhada pelo coronel Mendes Dias: "Interessa dizer que isto não tem nada de nuclear, nem se assemelha. A principal finalidade da Rússia com estas acusações é o impacto psicológico e não físico - o impacto por pânico e terror em massa". Esta técnica, na ótica do comentador CNN, é utilizada desde abril pelo Kremlin porque já nessa altura "a Rússia dizia que os Estados Unidos podiam utilizar armas nucleares". 

Esta quinta-feira Putin disse que ordenou diretamente que o seu ministro da Defesa fizesse uma série de chamadas para os principais comandantes da NATO devido à possibilidade de a Ucrânia poder usar uma bomba suja.

Zelensky "esteve mal"

Mas há outro ponto importante no meio desta polémica: a reação do presidente da Ucrânia. Volodymyr Zelensky, que desde o início da guerra tem recebido fortes elogios do ponto de vista comunicacional, desta vez "esteve mal", refere o coronel Mendes Dias. Porquê? "Porque veio logo dizer que os russos eram capazes disto [utilizar uma bomba suja], assim como armas nucleares", refere.

Zelensky disse isto: "Só há uma fonte que pode usar armas nucleares nesta parte da Europa. E essa fonte é a pessoa que ordenou ao camarada Choigu para telefonar para aqui e para acolá. Se a Rússia liga e diz que a Ucrânia está supostamente a preparar alguma coisa, isso significa apenas uma coisa: que a Rússia já preparou tudo. (...) Todos perceberam muito bem. Todos perceberam quem é a fonte de todas as coisas sujas e inimagináveis nesta guerra". O presidente da Ucrânia afirmou isto depois de o ministro da Defesa da Rússia, Serguei Choigu, ter contactado vários países ocidentais, como o Reino Unido e os Estados Unidos, dando conta de que a Ucrânia estaria na fase final de preparação de uma bomba com material radioativo. 

O coronel Mendes Dias aproveita para deixar um alerta: "Enquanto não deixarmos esta lógica adormecer, Putin vai continuar a contaminar as relações ocidentais".

E se houver mesmo uma bomba suja?

Em termos militares no terreno, nenhum. "A ser utilizada, não teria utilidade nenhuma do posto de vista militar porque não iria proporcionar vitórias, iria sim proporcionar isolamento político internacional. Ou seja, ao mesmo tempo que se está a batalhar e a morrer no terreno, estamos a causar fragmentações na sociedade internacional", explica o coronel Mendes Dias, acrescentando ainda que uma ação destas "teria um custo muito maior para quem a utilizaria do que para quem iria sofrer o impacto".

Uma bomba suja é uma arma que combina explosivos convencionais, como dinamite, com material radioativo, como urânio ou plutónio. Por isso, muitos especialistas não a consideram uma arma de destruição em massa. Como já foi referido, o objetivo passa por espalhar o medo e o pânico mais do que eliminar qualquer alvo militar.

Vamos aos exemplos práticos. Exemplo 1 - segundo as explicações de Victor Madeira, "um dispositivo relativamente pequeno -  entre 500-1000 quilos - podia causar irradiação de dezenas de quilómetros quadrados, dependendo das condições climáticas". "Todo este território teria de ser descontaminado cuidadosamente antes de alguém ir para lá viver." 

Exemplo 2 - "Se fosse sabotagem de uma central nuclear como a de Zaporizhzhia, seria uma catástrofe comparável ao que se passou em Chernobyl em 1986, onde a pluma de radiação atingiu milhares de quilómetros e afetou partes da Europa". 

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