OPINIÃO || O proeminente piloto ucraniano Andriy Pilshchikov morreu num acidente de avião na região de Zhytomyr, juntamente com dois outros pilotos, a 25 de agosto. O seu nome de código era "Juice" (à letra, sumo) e há uma razão para isso: ele não bebia álcool. A namorada recorda-o: "Ele sempre me disse que odiaria se eu sofresse. Mas arriscou-se comigo. Um dia, ligou-me do nada, a meio da noite, e disse-me que me amava e que não podia esperar mais para mo dizer."
Nota do editor: Nolan Peterson é membro sénior não residente do Conselho do Atlântico, escritor e veterano da Força Aérea dos EUA. É consultor da Fortem Technologies, empresa norte-americana que desenvolve sistemas contra drones, e vive na Ucrânia desde 2014. As opiniões expressas neste comentário são da sua inteira responsabilidade.
Em março do ano passado, enquanto a artilharia trovejava não muito longe, sentei-me à secretária do meu apartamento em Kiev e liguei-me ao Zoom para uma das entrevistas mais extraordinárias da minha vida.
Um jovem de barba e com o cabelo despenteado apareceu no ecrã do computador. Num inglês idiomático e com sotaque ligeiro, o piloto de caças ucraniano de 29 anos disse: "Meu, tive um dia dos diabos".
O nome do piloto era Andriy Pilshchikov - mais conhecido pelo nome de guerra "Juice". Poucas semanas depois da invasão russa da Ucrânia, ele tinha acabado de efetuar uma missão de combate com o seu MiG-29 e deveria voltar a voar em breve.
No entanto, Juice ainda arranjou tempo para falar comigo, um jornalista curioso por perceber como é que a força aérea ucraniana estava a conseguir produzir uma das maiores surpresas da história em combates aéreos. Suspeito que Juice foi tão aberto comigo em parte porque sou um antigo piloto da Força Aérea dos EUA e estava ansioso por comparar notas, por assim dizer, sobre as nossas experiências de combate.
Não hesitei em salientar que as minhas anteriores "milk runs" [viagens de rotina] de contra-insurreição no Afeganistão em 2009 e 2010 - em que desfrutámos de uma superioridade aérea inquestionável - não tinham nada em comum com os perigos extraordinários e letais que Juice e os seus colegas pilotos ucranianos corriam sempre que enfrentavam os seus inimigos russos.
"Talvez seja estúpido, mas estamos-nos nas tintas para as tecnologias", disse-me Juice, referindo-se às limitações do seu caça MiG-29 da era soviética face aos aviões de guerra mais modernos da Rússia. "Estamos apenas a tentar fazer tudo o que podemos com o que temos. É a nossa terra, é a nossa família, é a nossa cidade. Estamos a defendê-las. Essa é a nossa principal motivação".
Antes do início da guerra em grande escala, muitos peritos militares pensavam que o poder aéreo russo iria rapidamente dominar a força aérea ucraniana e ganhar o controlo dos céus da Ucrânia. No entanto, um mês após a invasão, enquanto as batalhas terrestres ainda se desenrolavam nos arredores de Kiev, os infatigáveis pilotos ucranianos tinham estragado os planos russos de superioridade aérea.
"Tivemos sucesso porque os russos estão surpreendidos, estão surpreendidos como o c***lho... porque não estavam à espera de resistência no ar", explicou Juice na altura.
Cerca de 18 meses depois da nossa conversa, Juice, membro da 40ª Brigada de Aviação Tática da Força Aérea Ucraniana, morreu com dois outros pilotos ucranianos quando um par de jatos L-39 colidiu a oeste de Kiev, a 25 de agosto. Morreram como heróis e serão justamente recordados como tal.
"Era uma das pessoas mais carinhosas e amorosas que alguma vez conheci", disse-me Melaniya Podolyak, a namorada de Juice. "Antes e depois de qualquer missão, enviava-me mensagens para se certificar de que eu estava bem. Eu, não ele!"
"Isto dói como o raio", acrescentou, "mas estou muito grata por termos passado algum tempo juntos. Nos seus últimos momentos, ele sabia que não estava sozinho".
Durante a nossa entrevista de março de 2022, devo confessar que fiquei admirado com Juice - e bastante grato, também, uma vez que pilotos como ele protegiam os céus de Kiev, poupando-nos à devastação que os bombardeamentos tácticos russos infligiam a cidades menos afortunadas como Mariupol.
Juice possuía uma mistura mágica de habilidade, graciosidade sob pressão e confiança gelada; um cocktail de características que o escritor Tom Wolfe descreveu famosamente como "o material certo". Nolan Peterson
Também senti uma certa reverência profissional por este jovem piloto de caça, uma vez que ele encarnava o Santo Graal a que todos os aviadores aspiram. Juice possuía uma mistura mágica de habilidade, graça sob pressão e confiança gelada; um cocktail de características que o escritor Tom Wolfe descreveu famosamente como "o material certo" [no original, "the right stuff"]. Por seu lado, Juice disse-o de forma mais modesta. "Como profissionais, devemos manter a calma e manter a cabeça fria", disse ele.
Nesta era de tecnologias militares em rápido avanço, Juice e os seus colegas pilotos de caça ucranianos provaram a importância do elemento humano no combate aéreo. Dia após dia, usaram a criatividade e a coragem para se manterem na luta, apesar das suas desvantagens tecnológicas e numéricas face à Rússia.
Depois de os russos terem destruído muitas ajudas de navegação terrestres, Juice disse que por vezes voava em missões de combate utilizando uma unidade GPS Garmin portátil - o mesmo tipo que se pode utilizar numa viagem de carro pelo país.
Disse-me que os seus colegas pilotos voavam por vezes tão baixo - para não serem detectados pelos radares russos - que regressavam com sinais de trânsito incrustados na barriga dos seus jatos. E, no entanto, os pilotos ucranianos resistiram e, até hoje, a força aérea russa nunca conseguiu nada que se aproximasse da superioridade aérea sobre toda a Ucrânia.
"Deixe-me ser claro: treinámos os pilotos ucranianos como especialistas, mas não há substituto para o combate aéreo. Eles são especialistas agora", explicou-me Jonathan "Jersey" Burd, um antigo piloto de F-15C da Guarda Nacional da Califórnia que voou em missões de treino com Juice antes da invasão de 2022.
Apesar da sua edificante bravura, era difícil ignorar os muitos fardos que pesavam sobre os ombros jovens de Juice. Ele referiu-se ao combate contra os russos como um "bilhete de ida". No entanto, sem disfarçar a tensão emocional da guerra aérea, brincava frequentemente com os perigos letais que enfrentava.
Para os não iniciados, o comportamento otimista e até arrogante de Juice parecia estar em contradição com a sua realidade diária. A verdade é que esse humor é muitas vezes uma defesa propositada contra os níveis esmagadores de stress que os pilotos de combate absorvem em tempo de guerra. As brincadeiras, a indiferença, o vocabulário estéril - tudo isto faz parte de uma cultura de piloto de caça bem treinada, que enraíza a resiliência mental necessária para sobreviver.
"Todos nós estamos prontos para lutar", disse Juice sobre os seus camaradas. "Mesmo com as nossas perdas, continuamos a fazer o nosso trabalho com esta verdadeira disposição de combate, verdadeira disposição de piloto de caça, com piadas malucas. Temos um grande moral. Mas também é limitado, porque não queremos morrer".
A compartimentação emocional é uma das habilidades mais essenciais do piloto de caça, especialmente em combate, quando há pouco tempo para refletir sobre a própria mortalidade. Por seu lado, Juice lamentou a perda dos seus colegas pilotos, mas não ficou a pensar na sua morte - haveria tempo para honrar os mortos depois de a guerra estar ganha, disse ele.
"Antes de nos conhecermos, ele tinha medo de se comprometer com uma relação séria exatamente por causa do que aconteceu hoje", disse-me Podolyak depois da morte de Juice. "Ele sempre me disse que odiaria se eu sofresse. Mas arriscou-se comigo. Um dia, ligou-me do nada, a meio da noite, e disse-me que me amava e que não podia esperar mais para mo dizer."
"Estou eternamente grata por esta honra", acrescenta.
Além dos seus medos e tristezas, há uma outra emoção, própria da guerra, que os pilotos de caça ucranianos têm agora de controlar sempre que voam. É a sua raiva, provocada pelos pilotos russos que continuam a bombardear e a matar civis ucranianos. "Por vezes, respeitamos o nosso adversário, mas não neste caso", disse-me Juice sobre os seus inimigos russos.
Para lá das suas capacidades de pilotagem, Juice era um excelente comunicador e dava frequentemente entrevistas a meios de comunicação ocidentais, sublinhando a importância dos F-16 para a força aérea ucraniana.
O F-16 de fabrico americano - coloquialmente conhecido entre os pilotos dos EUA como "víbora" - possui melhores radares e tem armas mais avançadas do que os jatos da era soviética atualmente ao dispor na Ucrânia. Nas nossas conversas, Juice insistiu que os F-16 melhorariam drasticamente a capacidade dos pilotos ucranianos para defenderem os civis ucranianos dos ataques de mísseis russos, bem como para fornecerem uma melhor cobertura aérea às tropas terrestres ucranianas que lutam para libertar as terras ocupadas pela Rússia.
"Precisamos de começar o mais rapidamente possível", disse-me Juice em março de 2022, explicando que os pilotos ucranianos só precisariam de alguns meses de treino para se tornarem competentes no F-16.
No momento em que escrevo este artigo, a Holanda, a Dinamarca e a Noruega já prometeram F-16 a Kiev. Por seu lado, o exército americano planeia começar a treinar pilotos ucranianos para pilotarem os caças supersónicos em outubro próximo.
No final, Juice quase atingiu o seu objetivo. Ele deveria fazer parte do grupo inicial de pilotos ucranianos que receberiam formação em F-16. A sua morte é uma tragédia para a força aérea da Ucrânia e é uma pena que Juice nunca venha a pilotar um F-16 em combate.
Mas o resultado do seu trabalho árduo e da sua defesa será, em breve, o de voar a velocidades supersónicas no espaço aéreo ucraniano e fazer "voltas de vitória" sobre aviões de guerra russos abatidos.
A cultura dos pilotos de caça americanos está repleta de rituais e tradições, e Juice queria que a força aérea ucraniana adoptasse uma em particular - a cerimónia de "nomeação" do nome de código. O indicativo de Juice, de facto, foi-lhe atribuído quando se encontrava na Califórnia para um exercício de treino com a Guarda Nacional Aérea dos EUA. (A sua preferência abstémia por sumo em vez de álcool valeu-lhe o gozo dos seus colegas ucranianos e americanos). Não há dúvida de que os pilotos ucranianos falarão do nome de Juice com reverência durante as gerações vindouras.
Há outra tradição dos pilotos de caça americanos que os aviadores ucranianos adoptaram. Trata-se de uma espécie de mantra, destinado a homenagear os pilotos mortos e o seu espírito de destreza. Vem de uma velha canção que remonta à Guerra da Coreia e que diz assim:
Oh, aleluia, Oh, aleluia
Atira um níquel para a relva - salva o rabo de um piloto de caça.
Oh, aleluia, Oh, aleluia
Atira um níquel para a relva e serás salvo...
Assim, para Juice e os seus companheiros guerreiros ucranianos agora caídos do céu - um níquel na relva para vocês, irmãos.