Quem manda nas tropas russas na Ucrânia? Ninguém sabe

CNN , Katie Bo Lillis e Zachary Cohen
22 mar 2022, 22:00
Putin assiste à Cerimónia de Abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022, a 4 de fevereiro

Os EUA não conseguiram determinar se a Rússia destacou um comandante militar responsável por liderar a guerra na Ucrânia, de acordo com várias fontes familiarizadas com o assunto - algo que fontes da Defesa atuais e antigas dizem ser, provavelmente, um importante contributo para a aparente inabilidade e desorganização do ataque russo.

Sem um comandante de alto nível no terreno, dentro ou perto da Ucrânia, as unidades de diferentes ramos das Forças Armadas russas que operam em diferentes zonas da Ucrânia parecem estar a competir por recursos em vez de coordenar esforços, dizem duas fontes da Defesa dos EUA.

As unidades que participam das diferentes ofensivas russas na Ucrânia não se têm conseguido ligar, dizem essas fontes e, de facto, parecem estar a agir de forma independente, sem um plano operacional abrangente.

As forças russas também parecem ter grandes problemas de comunicação. Os soldados e os comandantes usam por vezes telemóveis comuns e outros canais inseguros para conversarem entre si, facilitando a interceção das comunicações e ajudando a Ucrânia a estabelecer alvos para os seus contra-ataques.

Tudo isso deu origem ao que estas fontes dizem ser uma operação desarticulada - e às vezes caótica - que surpreendeu as autoridades norte-americanas e ocidentais.

“Um dos princípios da guerra é a 'unidade de comando'”, disse o analista militar da CNN, o tenente-general Mark Hertling, antigo comandante do Exército dos EUA na Europa. “Isso significa que tem de haver alguém no comando geral para coordenar os ataques, direcionar a logística, destacar as forças de reserva, medir o sucesso (e o fracasso) das diferentes 'alas' da operação e adaptar as ações com base nisso.”

Uma coluna de fumo sai de um blindado russo destruído pelas forças ucranianas na berma de uma estrada na região de Lugansk, a 26 de fevereiro de 2022. A Rússia, a 26 de fevereiro, ordenou que as suas tropas avançassem para a Ucrânia “de todas as direções”, ao mesmo tempo que Kiev, a capital ucraniana, impunha um recolher obrigatório.

Historicamente, houve casos em que a Rússia divulgou este tipo de informação, mas o Ministério da Defesa não fez qualquer referência a um alto comandante para as operações na Ucrânia e não respondeu ao pedido da CNN para comentar o assunto.

E embora seja possível que a Rússia tenha discretamente designado um alto comandante para supervisionar a invasão - mesmo que os EUA não tenham conseguido identificar o indivíduo - o estado das operações de combate sugere que “ele é inapto”, de acordo com Hertling.

A invasão russa também tem sido marcada por um número excessivo de vítimas mortais entre oficiais russos de alta patente.

Os ucranianos dizem que mataram cinco generais russos nas primeiras três semanas da guerra, uma alegação que a CNN não confirmou de forma independente. Ainda assim, qualquer general morto em combate é um evento raro, disse o general na reserva do Exército dos EUA, David Petraeus, a Jake Tapper da CNN, durante o “State of the Union” de domingo.

O coronel Sergei Sukharev, comandante de uma unidade de elite aerotransportada russa, também foi morto em batalha na Ucrânia, informou a estação de televisão estatal russa GTRK Kostroma, na quinta-feira.

“A verdade é que o comando e o controlo russos foram quebrados”, disse Petraeus.

A dimensão da invasão só piorou as coisas. Coordenar operações ao longo de uma frente de mais de 1600 quilómetros requer “uma extensa capacidade de comunicação e de comando, e recursos de controlo e informações secretas que os russos simplesmente não têm”, acrescentou Hertling.

“Não vejo que aquilo que a Marinha está a fazer seja coordenado com seja o que for que a Força Aérea esteja a fazer ou com o que a força terrestre esteja a fazer”, disse o tenente-general na reserva Ben Hodges, outro antigo comandante do Exército dos EUA na Europa, que alertou para o facto de não ter conhecimento interno sobre o que os EUA sabem acerca da estrutura de comando da Rússia.

“Os russos tiveram enormes dificuldades no comando e no controlo durante esta operação, em todos os aspetos”, ecoou uma fonte americana familiarizada com a situação no terreno. “Parte disso pode ficar a dever-se às ações dos próprios ucranianos.”

No terreno, os soldados russos ficaram frequentemente isolados dos seus comandantes, disseram algumas fontes.

“Os soldados no terreno saem e têm o seu objetivo, mas não têm como avisar pelo rádio [se algo correr mal]”, disse outra fonte familiarizada com informações secretas, que acrescentou que as autoridades ocidentais acreditam que isso é parte do motivo para alguns soldados russos terem sido vistos a abandonar os seus próprios blindados e carros de combate, e simplesmente irem-se embora.

Uma campanha paralisada

Desde que a Rússia lançou o ataque à Ucrânia a 24 de fevereiro, tem bombardeado cidades ucranianas com mísseis e artilharia, destruindo apartamentos, hospitais e escolas e matando dezenas de civis. Mas a invasão terrestre está paralisada, na sua maioria, devido à feroz resistência dos ucranianos e àquilo que altos funcionários da Defesa descrevem como erros táticos.

O espaço aéreo sobre a Ucrânia continua a ser disputado e a Rússia não conseguiu assumir o controlo de nenhuma das grandes cidades, incluindo Kiev.

O Secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, disse na sexta-feira a Don Lemon, da CNN, que os EUA “viram vários erros” por parte da Rússia. Moscovo tem “tido problemas com a logística”, disse ele, acrescentando que não viu evidências de “um bom uso das informações táticas” nem de “integração da capacidade aérea com as manobras no terreno”.

Tanto as autoridades atuais quanto os analistas externos sublinham que, embora a Rússia tenha destacado as suas forças militares para outros conflitos recentes, incluindo na Síria e na Crimeia, em 2014, nunca tentou nada remotamente tão ambicioso como uma invasão em grande escala de um grande país como a Ucrânia, algo que exigiria uma integração aérea e terrestre e um esforço coordenado das unidades dos vários distritos militares regionais.

A Rússia alterna os seus exercícios militares anuais entre os distritos regionais, disse Hodges - em vez de realizar os chamados “exercícios conjuntos” que os Estados Unidos fazem de forma rotineira para garantir uma coordenação sem problemas entre unidades díspares das suas Forças Armadas.

“Eles não têm qualquer experiência nisso, não com este tipo de escala”, disse ele. “Há décadas que não fazem algo a esta escala. O que fizeram na Síria e na Crimeia, em 2014, não é nada comparado a isto.”

E acrescentou: “não me parece que tenham treinado isto de uma forma que os levasse a perceber que deviam ter um comandante operacional conjunto”.

A confiança de Putin no secretismo

Algumas pessoas também sugerem que o presidente russo Vladimir Putin manteve os planos para a operação geral em tamanho secretismo, dentro do Kremlin, que muitos dos seus comandantes militares em campo não entenderam completamente a missão até ao último minuto – o que talvez tenha impedido que diferentes ramos das Forças Armadas da Rússia se tenham coordenado de forma eficaz na véspera da invasão.

“Nas nossas análises, vemos que é claro que algumas pessoas do lado da Defesa [russa] não percebem muito bem qual é o plano”, disse um alto funcionário europeu no início de fevereiro, apenas algumas semanas antes da invasão. O mesmo funcionário acrescentou que as análises sugeriam que o pessoal da Defesa pensava que “era um plano muito difícil de concretizar”.

A falta de organização central também tem implicações nos esforços da Rússia para reabastecer as suas forças. Moscovo tem tido dificuldades em fornecer alimentos, combustível e munições suficientes aos soldados no terreno. E à medida que aumentam as baixas entre os militares, as autoridades dizem que há indicações de que a Rússia está a tentar repor as perdas com combatentes estrangeiros e soldados russos destacados noutros lugares.

Sem um comandante de operações, o destacamento estratégico de recursos limitados pode ser um desafio, disse Hodges.

“É esse o trabalho de um comandante da força conjunta: alocar prioridades”, disse ele. “Quem tem prioridade para receber combustível, munições ou determinada capacidade.”

Europa

Mais Europa

Patrocinados