Israelitas começaram na madrugada de quarta-feira uma operação dentro do hospital de Gaza onde garantem que o Hamas operava um centro de comando. No ocidente, há quem tenha ficado "chocado" e há quem assegure - com bases nos serviços de informação - que o Hamas operava mesmo neste hospital
Sem água, eletricidade e quase nenhuma comida. Era assim que já se encontrava o Hospital al-Shifa antes da operação das Forças de Defesa de Israel, as quais, ao longo de cinco dias, foram cercando o complexo hospitalar, alegando que ali se localizava um centro de comando do Hamas.
Pelas três da manhã de quarta-feira, os israelitas entraram no hospital. Segundo testemunhas citadas pela Reuters, os tanques ficaram estacionados à entrada dos serviços de urgência. O diretor dos hospitais de Gaza, Mohammed Zaqout, revelou que os soldados israelitas entraram pelos serviços de urgência e pelo edifício de cirurgia, onde também se encontram as unidades de cuidados intensivos.
À CNN Internacional, um médico do al-Shifa revelou que lhes foi dado um aviso de 30 minutos antes de Israel começar a sua operação. "Foi-nos pedido para ficarmos afastados das janelas e varandas", explicou. "Conseguimos ouvir os veículos blindados muito perto da entrada."
Testemunhas citadas pela BBC e AFP contam que as forças de Israel usaram altifalantes para ordenarem a todos os homens, entre os 16 e os 40 anos, que saíssem dos edifícios do hospital - exceto da urgência e da ala cirúrgica - e se dirigissem ao pátio. "Todos os homens com 16 anos ou mais levantem as mãos", gritava um soldado em língua árabe. "Saiam do edifício para o pátio e rendam-se", ouvia-se nos altifalantes, segundo um jornalista da AFP. Ao todo, cerca de 1.000 palestinianos dirigiram-se ao pátio; alguns foram despidos e inspecionados em busca de armas ou explosivos.
A operação "precisa e direcionada" - assim anunciada por Israel no complexo hospitalar de al-Shifa - continuou ao longo do dia. Os detalhes são escassos, até porque, lembra o Guardian, a falta de combustível provocou um apagão nas telecomunicações na Faixa de Gaza e tornou-se difícil contactar por telefone as pessoas que continuavam dentro do hospital.
Ao final da tarde de quarta-feira, Munir al-Boursh, médico do al-Shifa que também é subscretário do Ministério da Saúde palestiniano, disse à Al Jazeera que as tropas israelitas ainda estavam no hospital. "Ainda estão aqui... doentes, mulheres e crianças estão aterrorizados", garantiu, acrescentando que os profissionais de saúde tinham prometido ficar com os seus pacientes "até ao fim". Muitos dos que tentaram sair nos dias que antecederam a operação viram-se de imediato no meio de disparos no exterior do complexo - a maioria optou por voltar para trás e ficar.
"Só trouxeram terror e morte"
Um porta-voz do Ministério da Saúde de Gaza - controlado pelo Hamas - disse à Al Jazeera que só médicos, doentes e pessoas deslocadas estavam no hospital quando os israelitas entraram pelos serviços de urgência. "Não temos nada que temer ou esconder", garantiu Ashraf al-Qudra.
As forças israelitas admitiram ter matado militantes do Hamas em combates fora da unidade de saúde, assegurando também que, logo que entraram no complexo, não houve mais atritos. Divulgaram vídeos e fotografias de soldados a transportar incubadoras e caixas etiquetadas onde se lia "equipamentos médicos" ou "comida de bebé". Ao final da manhã, hora de Portugal Continental, as IDF garantiram que os seus soldados tinham encontrado "armas e infraestruturas terroristas" no al-Shifa, bem como "provas concretas de que os terroristas do Hamas usaram o hospital como sede das atividades terroristas". Prometeram para breve a divulgação destas provas.
The IDF’s precise and targeted operation against Hamas in the Shifa Hospital is still ongoing.
We can now confirm that incubators, baby food and medical supplies, provided by the IDF, have successfully reached the hospital.
Our medical team and Arabic speaking soldiers are on… pic.twitter.com/9iMx41OaHV
— Israel Defense Forces (@IDF) November 15, 2023
Mas Omar Zaqout, que trabalha no serviço de urgência do al-Shifa, garantiu à Al Jazeera que os soldados israelitas tinham agredido alguns homens que estavam refugiados no hospital. "Não trouxeram ajuda ou equipamentos, só trouxeram terror e morte", declarou.
Na quarta-feira, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde foi um dos que, publicamente, manifestaram preocupação com o desenrolar dos acontecimentos dentro do hospital de Gaza, admitindo que tinha sido perdido contacto com os profissionais de saúde. Os médicos do al-Shifa, aliás, sempre negaram - tal como o Hamas - que ali houvesse qualquer centro de comando dos militantes.
Reports of military incursion into Al-Shifa hospital are deeply concerning.
We’ve lost touch again with health personnel at the hospital.
We’re extremely worried for their and their patients’ safety.
— Tedros Adhanom Ghebreyesus (@DrTedros) November 15, 2023
Já esta quinta-feira, a Al Jazeera garante que Israel voltou a avançar dentro do complexo hospitalar, com tanques e escavadoras. A estação garante ainda que, segundo os correspondentes locais, um edifício do al-Shifa onde se realizavam cirurgias foi destruído e que um armazém de medicamentos e equipamento médico foi rebentado com recurso a explosivos.
Há ainda relatos de cerca de 200 pessoas terem sido vendadas, interrogadas e levadas para locais desconhecidos - tudo enquanto a aviação israelita conduzia ataques em torno do hospital, dando cobertura aos soldados que ali se encontravam.
Fonte do Hamas veio ainda na quarta-feira garantir que as alegações de Israel são uma "continuação das mentiras e propaganda barata através da qual continua a tentar justificar o seu crime", destruindo o sector da saúde de Gaza. Em comunicado divulgado no mesmo dia, o Hamas admitiu que o al-Shifa está agora sob controlo israelita. "Responsabilizamos a ocupação israelita pelas vidas e segurança dos profissionais de saúde, dos feridos, doentes, crianças prematuras e deslocados", lê-se na declaração, citada pela CNN Internacional.
A operação israelita provocou reações acesas da comunidade internacional, mesmo que o presidente norte-americano tenha vindo garantir que está convicto de que o Hamas tinha um centro de comando nos túneis sob o complexo do al-Shifa.
Martin Griffiths, subsecretário-geral da ONU para os Assuntos Humanitários, revelou-se "chocado" com a operação israelita, defendendo que a proteção de recém-nascidos, doentes, profissionais de saúde ou civis tem de sobrepor-se a todas as outras preocupações.
I'm appalled by reports of military raids in Al Shifa hospital in #Gaza.
— Martin Griffiths (@UNReliefChief) November 15, 2023
The protection of newborns, patients, medical staff and all civilians must override all other concerns.
Hospitals are not battlegrounds.