Estiveram quase dois meses em cativeiro. Ao serem libertados, deixaram uma vizinha para trás. E não encontraram a mãe para os braços de quem sonhavam ir.
Durante os 50 dias em que Noam e Alma Or estiveram em cativeiro em Gaza, um pensamento manteve os irmãos vivos: reencontrar a mãe, de quem tinham sido separados a 7 de outubro durante os brutais ataques do Hamas à sua comunidade.
Mas quando Noam, de 17 anos, e Alma, de 13, foram os dois libertados no sábado, "esse sonho foi destruído pelo facto de ela ter sido assassinada", disse o tio materno dos irmãos, Ahal Besorai.
"A minha irmã, mãe deles, foi assassinada a 7 de outubro. As crianças não sabiam", contou à CNN a partir das Filipinas. "Pensámos que eles estavam juntos quando foram raptados, mas tinham sido separados desde o início".
"Quando atravessaram a fronteira e se reuniram com a avó e com o irmão mais velho, a primeira notícia que eles tiveram de enfrentar foi o facto de a mãe já não estar viva. E esse foi um momento terrivelmente emocional e traumático para eles", acrescentou Besorai.
O pai dos irmãos, Dror, continua desaparecido, supostamente em cativeiro em Gaza.
A família vivia no kibutz de Be'eri, uma comunidade agrícola muito unida, com cerca de 1.100 habitantes, situada perto da fronteira de Gaza. Mas o idílico kibutz tornou-se palco de derramamento de sangue e devastação a 7 de outubro, sendo um dos principais alvos dos militantes do Hamas que atravessaram a fronteira e cercaram as comunidades vizinhas.
Os militantes assassinaram mais de 120 residentes de Be'eri, incluindo crianças, e raptaram outros. Incendiaram as casas das pessoas, saquearam, roubaram e destruíram o que puderam. No total, cerca de 1.200 pessoas, a maioria civis, foram mortas por militantes do Hamas no sul de Israel nesse dia.
Foi no meio deste caos e terror que Noam e Alma foram separados dos pais e feitos reféns pelo Hamas. Enquanto estavam em Gaza, foram levados para uma casa e mantidos num quarto com outra mulher do seu kibutz, contou Besorai, que também cresceu em Be'eri.
Besorai não descreveu em pormenor o que os irmãos passaram, dizendo que não queria fazer pesar ainda mais o fardo das famílias que têm entes queridos ainda mantidos como reféns. Mas, disse ele, "não foi agradável, para dizer o mínimo. Foi horrível".
Acredita-se que o Hamas tenha mantido mais de 200 reféns em Gaza antes das libertações negociadas com Israel. Ao abrigo do acordo de tréguas, grupos de cidadãos israelitas e outros nacionais têm sido libertados todos os dias desde sexta-feira passada, enquanto Israel libertou das suas prisões mulheres e crianças palestinianas, muitas das quais nunca foram acusadas ou condenadas.
As tréguas iniciais de quatro dias foram prolongadas por mais dois dias na segunda-feira, quando começaram a surgir histórias das famílias dos reféns libertados, dando as primeiras indicações sobre como era a vida em cativeiro.
Noam, Alma e a terceira mulher do seu quarto partilhavam um diário, mas os irmãos não foram autorizados a levá-lo com eles na libertação, disse Besorai. Na verdade, eles nem sequer se aperceberam que estavam a ser libertados, tendo o Hamas tomado medidas para esconder esse facto da terceira refém, acrescentou ele.
Os militantes levaram os irmãos para fora do quarto "com o estratagema de que iam à casa de banho, depois algemaram-nos, vendaram-lhes os olhos, levaram-nos para o carro que os levou para o local onde estavam a ser entregues à Cruz Vermelha", disse Besorai. "Tentaram esconder isso da senhora que ficou para trás, sozinha - talvez isso tenha colocado alguma pressão psicológica sobre ela."
Mesmo depois do que os irmãos sofreram, Noam - que Besorai descreveu como uma "pessoa bonita" - expressou compaixão por aqueles que estão em Gaza, onde mais de 14.800 palestinianos foram mortos em ataques israelitas desde 7 de outubro, de acordo com dados das autoridades de saúde do Hamas.
"Quando estavam a caminhar (a partir do veículo do Hamas) para a Cruz Vermelha, e estavam de mãos dadas, Noam disse à sua irmã Alma que sentia muita pena porque estavam rodeados de habitantes de Gaza, civis. E disse: 'Tenho muita pena deles porque vão ficar aqui, e nós vamos para casa'", contou Besorai.
Agora que os irmãos estão livres, a família está concentrada na sua recuperação; perderam peso nos últimos dois meses, mas estão "mais ou menos bem", disse Besorai. Ainda assim, ele preocupa-se com o impacto que o cativeiro teve sobre eles e com o trauma que pode perdurar.
"Quando falei com eles, na primeira vez que falei com a Alma, a sobrinha de 13 anos, ela tinha um sorriso enorme e uns olhos brilhantes quando veio à chamada por Zoom", disse ele.
"E foi isto que me ficou na cabeça: o que é que está por detrás destes olhos brilhantes? O que é que há dentro deles depois desta horrível provação? É muito difícil para mim avaliar".
Fotos no topo: Fórum das Famílias de Reféns Desaparecidos