"Um dos melhores aviões de sempre": é assim que se manobra um F-16 e é isto que espera os pilotos ucranianos

23 ago 2023, 07:00
Dois F-16 da Lituânia em missão de patrulhamento (AP Images)

Os Países Baixos e a Dinamarca prometeram enviar os aviões e os Estados Unidos deram luz verde. O processo de treino já começou e o antigo líder da Esquadra 301 “Jaguares” e ex-subdiretor de formação da Força Aérea Portuguesa descreveu à CNN Portugal como funciona o treino de um piloto de F-16

Quem o pilotou descreve-o como “possivelmente um dos melhores aviões de sempre” para o combate entre aeronaves. “Muito capazes para adquirir superioridade aérea”, transportam um conjunto de armas que pode causar sérios problemas ao exército russo. O treino dos pilotos ucranianos nas aeronaves F-16 já começou e a CNN Portugal falou com quem conhece este caça "como a palma da mão" bem como o processo pelo qual estes militares vão passar para aprender a pilotar estes aviões de combate.

“Apesar de complexas, são fáceis de voar. Conseguem operar de dia, de noite, dentro de nuvens e fora de nuvens, conseguindo atacar com precisão alvos no solo ou destruir aeronaves inimigas. São aeronaves muito evoluídas e altamente modernizadas. Um dos melhores aviões de sempre para fazer o chamado dogfight”, conta o coronel Nuno Monteiro da Silva, antigo piloto do F-16MLU e antigo Comandante da Esquadra 301 “Jaguares” da Força Aérea Portuguesa (FAP).

Já habituados às elevadas velocidades das aeronaves de combate, é no cockpit do F-16 que os pilotos ucranianos vão encontrar o maior choque. Estes caças norte-americanos são muito mais confortáveis para o piloto. Ao contrário das aeronaves soviéticas, que necessitam que o piloto ative e carregue em vários botões e interruptores do painel de controlo para ativar alguns sistemas, os sistemas ocidentais foram criados para eliminar qualquer distração que tirasse o foco do piloto. É o sistema Hands On Throttle And Stick (HOTAS, como lhe chamam os pilotos). Apenas com a mão no side-stick e na manete que permite aumentar a velocidade do avião, o piloto tem quase todas as capacidades do F-16 ao seu dispor.

“Com a mão no stick e na manete da potência, o piloto tem um conjunto de botões que podem ser operados em múltiplas direções. Consegue operar os sensores da aeronave, o radar, consegue operar os sistemas de targeting [fixação de alvos], consegue operar os sistemas de guerra eletrónica. Tudo sem tirar as mãos do stick e do throttle”, afirma Monteiro da Silva.

Jovem experimenta o interior do cockpit de um caça F-16 na Dinamarca (Getty Images)

Uma arma para garantir "superioridade aérea"

Este sistema permite aos pilotos alternar entre o combate de alvos ar-ar e ar-terra sem tirar as mãos do sistema de controlo. Esta “simples” tarefa num avião de fabrico soviético, como é o caso do MiG-29 que a Ucrânia opera, pode ser uma grande diferença. São situações que levam os oficiais a perder noção daquilo que se passa em seu redor, ainda que por segundos. Num cenário de guerra, esses segundos podem significar a diferença entre a vida e a morte.

“Numa aeronave soviética, às vezes não só é necessário tirar as mãos do stick e do throttle, como é preciso rodar o corpo para carregar num botão que está afastado. Isso faz com que o piloto perca tempo a tirar a sua atenção do que é mais importante. As aeronaves ocidentais são tecnologicamente mais complexas e ajudam o piloto a interagir com o avião”, refere o Nuno Monteiro da Silva.

Isto acontece porque os F-16 têm sofrido um constante processo de modernização. Apesar de ser um avião com quase 50 anos, possui tecnologia bastante atual, embora fique atrás tecnologicamente dos aviões de quinta geração como o F-22 ou o F-35. Os aviões portugueses, por exemplo, receberam um Mid-Life Update (MLU) que faz com que estes pouco tenham a ver com os aviões originais da década de 80.

Mas para a Ucrânia, muito depende do tipo de armamento que as aeronaves irão transportar. Os F-16 podem empregar uma panóplia muito vasta de mísseis de ar-terra, semelhantes aos Storm Shadows que têm sido utilizados com sucesso para destruir infraestruturas e centros de apoio logísticos russos na retaguarda. Outro exemplo é o do AGM-88 HARM, um míssil criado para encontrar e destruir sistemas de defesa antiaérea. Além disso, pode também carregar mísseis de curto alcance com infravermelhos e bombas inteligentes de diferentes tamanhos. Tudo isto em quase qualquer tipo de situação.

“Os F-16 que nós temos são caças de quarta geração muito capazes de garantir a superioridade aérea ou para fazer missões ofensivas contra alvos fixos e móveis em terra. Obviamente que também são aeronaves muitos capazes no que toca à luta aérea”, destaca.

Caça F-16 lança uma JDAM, uma munição adaptada com um kit que torna a "bomba inteligente" (Getty Images)

Complexo, mas sensível

Essa garantia de superioridade aérea local tem sido precisamente um dos problemas apontados pela chefia militar ucraniana quanto à incapacidade de progredir a um ritmo mais acelerado, durante a contraofensiva lançada no início de junho. Esse motivo torna o treino destes pilotos ainda mais urgente.

Para isso foi criada uma coligação de 11 países, da qual Portugal faz parte, que vai ajudar na formação de pilotos capazes de operar estas aeronaves. Mas não só. O grupo vai formar também mecânicos capazes de apoiar as operações destas aeronaves. E é aqui que pode estar um dos seus pontos fracos. Se por um lado a complexidade do F-16 pode ajudar, pode também ser o seu principal inimigo.

Desde o início da invasão, a 24 de fevereiro de 2022, que a Federação Russa tem tentado anular, sem sucesso, a força aérea ucraniana, destruindo aeroportos e aeronaves. Mas a Ucrânia tem conseguido manter os seus aviões no ar, através da utilização de autoestradas e pistas improvisadas em terra batida. Nesse sentido, os resistentes MiG-29 e os Su-24 têm sido capazes de continuar a operar em ambientes muito hostis. Existem dúvidas que o F-16 partilhe esta capacidade.

“Uma aeronave F-16 pode aterrar numa pista menos preparada numa situação de emergência e arriscar causar problemas no motor? Pode. Operar continuamente? Não consegue. A aeronave tem de operar num ambiente de aeródromo limpo, controlado e com regras para evitar danos no motor por objetos estranhos”, garante o coronel.

F-16 em manobras de policiamento na fronteira da NATO com a Rússia (AP Images)

Das tácticas e procedimentos ao "inglês técnico"

Ainda não se sabe ao certo quanto tempo vai demorar a formação dos pilotos ucranianos. O ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, não se quis comprometer com datas, mas admite que este processo nunca durará menos de seis meses. O tempo, que não joga a favor de Kiev, é maior do que o desejado, mas a preparação dos pilotos, engenheiros e equipas de manutenção é um aspeto fundamental para o sucesso destas aeronaves no campo de batalha. Com base na formação dada aos pilotos da FAP, os militares ucranianos, que já têm experiência operacional, vão fazer uma qualificação com a aeronave para a aprender a pilotar.

“Qualquer piloto tem de fazer primeiro uma qualificação na aeronave e aprender a pilotá-la. Numa primeira fase, terão de fazer uma formação teórica, com simuladores para aprender o básico, voar numa operação normal e em situações de emergência”, esclarece Monteiro da Silva, que conta com mais de 2.500 horas de voo, das quais mais 1.600 horas em F-16, incluindo missões de policiamento aéreo na Lituânia, Islândia, bem como em missões ofensivas no Afeganistão.

Em março, a Força Aérea norte-americana estudou dois pilotos ucranianos durante um período de 12 dias, para compreender quais as principais dificuldades que estes militares iriam encontrar ao iniciar a sua formação com estes aviões. O relatório concluiu que os dois oficiais ucranianos ainda necessitavam de integrar “certas habilidades técnicas”, incluindo a compreensão dos instrumentos a bordo do cockpit do F-16, bem como a capacidade de voar em formações com o padrão ocidental.

Para o coronel Monteiro da Silva, o facto de um piloto já possuir experiência operacional em outras aeronaves faz com que, à partida, o período de adaptação da “compreensão tática” venha a ser menor. Um piloto de caça em formação tem de ser capaz de compreender “técnicas, tácticas e procedimentos” específicos do F-16.

Antes de tudo, os pilotos vão ter de passar pelo curso de “inglês técnico” com a duração de quatro meses. O coronel esclarece que este é um processo normal durante a formação dos pilotos que costumam receber formação nos Estados Unidos da América. O inglês técnico permite ao piloto ter o domínio dos termos técnicos do F-16 e facilita a interação com o instrutor. “Assegura que toda a gente está nivelada e consegue compreender os manuais”, acrescenta.

Formação de caças F-16 em manobras de exercícios (Armando Franca/AP)

Três portugueses no Texas

Na FAP, a formação é feita ao longo dos anos e não é qualquer um que é selecionado para a formação de aviação de caça. O percurso dos cadetes é feito em várias fases – compostas por um misto de conteúdos teóricos e práticos. Em Portugal, as duas primeiras fases de formação consistem na instrução académica e um misto de experiência em simulador combinado com várias horas de voo num avião a hélice destinado a formação, o Chipmunk MK20, seguido do Epsilon TB-30. 

No final deste processo, um grupo de pilotos é selecionado para passar à fase três. É nesta etapa que os pilotos voam pela primeira vez um avião a jato em treino. Segundo o Nuno Monteiro da Silva, aqui os pilotos realizam missões semelhantes às que fizeram no avião a hélice, sendo necessário passar à fase quatro para aprenderem os básicos do combate ar-ar e ar-terra. Esta formação é feita nos Estados Unidos da América, na base de Sheppard Air Force Base, no Texas. Atualmente, três aviadores portugueses encontram-se a concluir a sua formação nesta base.

“Esse curso é basicamente fazer manobras ar-ar, ar-solo, e para o piloto compreender a aeronave e como é que ela voa nesses dois ambientes. A partir desse momento, começa a formação nas esquadras operacionais de F-16, o que nós chamamos de Initial Qualification Training (IQT)”, explica o antigo líder da Esquadra 301.

Depois do IQT os pilotos iniciam o Initial Mission Qualification Training. É nele que os pilotos aprendem a fazer missões com uma maior complexidade e acabam por ganhar a qualificação de “asa”. Esta qualificação permite que o piloto esteja qualificado para ser chamado para missões de guerra ou operacionais.

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