opinião
Coronel Veterano do Exército Brasileiro
A ARTE DA GUERRA

Por que Macron quer enviar tropas para combater russos na Ucrânia?

9 abr, 18:36
França vs Grupo Wagner

A França possui 56 reatores nucleares que fornecem 70% de sua energia; entretanto, o urânio que alimenta esses reatores vem das antigas colónias francesas na África. Para garantir esse fornecimento, os franceses realizaram mais de 60 intervenções militares na região, interferindo diretamente na política interna de cada um dos países e colocaram no poder grupos regionais de seu interesse. A interferência francesa inclui até mesmo a determinação de conteúdos de livros escolares e o desenho do funcionamento do sistema de governo local. Essa é uma das principais razões do forte sentimento anti-francês no Sahel e África francófona.

Àqueles que gostam do tema, apresento como sugestão os livros romanceados do renomado autor francês Jean Lartéguy, que retratam com maestria os bastidores desse viés da política externa da França. Lartéguy foi um combatente francês da II Guerra Mundial capturado pelos nazistas; contudo, conseguiu evadir-se e juntar-se às forças livres, onde serviu seis anos como oficial. Depois tornou-se correspondente de guerra, confidente de combatentes e passou a ser testemunha viva de combates na Coreia, Palestina, Indochina e África.

A forma como a França projeta seu poder na África é conhecida como Françafrique. Esse sistema foi elaborado por Jacques Foccart, Secretário-Geral de Assuntos Africanos durante a década de 1960, tem por fundamento a presença militar francesa protegendo as elites regionais das antigas colônias francesas. Em contrapartida, as empresas francesas conseguem acesso privilegiado aos recursos minerais estratégicos como urânio, pedras preciosas, gás, petróleo. A moeda corrente usada em mais de dez países com esse perfil é o Franco CFA, acrônimo referente a Colonies Francaises d’Afrique, pelo qual a França ainda cobra taxa de cunhagem. Esses países pagam 65% de suas reservas de divisas ao tesouro francês. Sendo o Franco CFA  atrelado ao Euro, inviabiliza gestão da política monetária de por cada país. Em outubro de 2022, Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália, chamou atenção para esse fato e acrescentou que, muitas matérias primas consumidas pelos franceses são provenientes de trabalho infantil nas minas africanas, como 30% do urânio, que vem do Níger, onde 90% da população vive sem eletricidade.

Na última década, a Rússia intensificou seu posicionamento geopolítico defendendo um mundo multipolar. Em consequência, passou a realizar sua projeção de poder militar na África através da companhia militar privada Wagner Group, liderada por Prigozhin, que protagonizou uma rebelião falhada contra o Kremlin em 2023. Entretanto, de acordo com o Dr. Watling, “…houve uma reunião no Kremlin pouco depois do motim de Prigozhin, na qual foi decidido que as operações do Wagner em África ficariam diretamente sob o controlo da Inteligência Militar Russa, GRU”. O General Andrey Averyanov, comandante de uma tropa especializada em eliminar alvos e promover golpes de Estado, assumiu as tarefas. Na sequência, um estranho acidente aéreo extinguiu toda liderança antiga do Wagner.

Essa busca dos russos por ampliar a influência geopolítica na África tem por finalidade controlar o acesso a riquezas estratégicas de países africanos, a maioria deles sob a esfera de influência francesa. Países na zona do Franco CFA como Burkina Faso, República Centro Africana, Mali e Níger já possuem forte assédio russo e presença de mercenários do Wagner prossegue sendo ampliada. Se a Rússia conseguir o controle das minas de urânio da África Ocidental, a Europa vai ficar em grande vulnerabilidade energética.

Dessa forma, já faz um bom tempo que a França vem sendo incomodada pelos russos, que passaram a desestabilizar politicamente países da comunidade que usa o Franco CFA visando colocar à força nos governos grupos que favoreçam Moscou. De acordo com o Blood Gold Report, A Rússia já extraiu mais de 2 mil milhões de libras em ouro da África desde a invasão da Ucrânia para prosseguir financiando sua campanha militar.

Assim sendo, caso mais crítico e urgente para a França atualmente é a sua segurança energética. Caso seja interrompido o fornecimento de urânio africano para os reatores nucleares franceses, o país será mergulhado rapidamente num caos social sem precedentes, e as autoridades políticas evitam ao máximo esse tema. Nesse contexto, os problemas internos, envolvendo acomodação de imigrantes de ex-colônias, sejam eles de primeira, segunda ou terceira geração poderão acelerar a desintegração não apenas do seu potencial de infraestrutura como também uma crise étnica cultural muito grande que afeta o coração desses países que sempre foram carro-chefe da União Europeia. Podemos dizer que a França e outras nações europeias sofrem um problema civilizacional que compromete a própria existência cultural e física.

Nesse contexto, em março de 2024, o presidente Emmanuel Macron escalou a crise com os russos e fez uma série de declarações defendendo o envio de tropas francesas ao território ucraniano. Desde então, o 2.º Regimento Estrangeiro de Infantaria, na cidade de Nimes, Sudeste da França, recebeu ordens de ficar em condições de ser empregado em território ucraniano contra os russos. A partir do início do conflito, militares e ex-militares franceses se engajaram indiretamente no conflito ministrando treinamentos em regiões remotas da Polônia, fornecendo artefactos bélicos e suprimentos logísticos; também houve participação direta por conta de ex-militares franceses que se apresentaram como voluntários para integrar a Legião Internacional da Ucrânia.

A resposta de Vyacheslav Volodin, presidente da Duma (Parlamento Russo), foi a gravação de um vídeo em francês informando que quase metade dos mercenários franceses que combatiam pela Ucrânia já haviam morrido e que os russos iriam matar todos os franceses que fossem combater no território ucraniano.

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