Guerra de juros atrasa pagamento de milhões aos credores do GES

17 jul 2023, 07:00
Ricardo Salgado (PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP via Getty Images)

Em causa está o pagamento de dívidas pela sociedade gestora de fundos imobiliários dos Espírito Santo à insolvente Rio Forte. Empréstimos chegaram aos 14 milhões de euros, mas acordo sobre juros "não foi formalizado por escrito" o que agora levou a um desentendimento no valor de mais de 2 milhões de euros

A gestora de fundos imobiliários do Grupo Espírito Santo (GESFIMO) está a travar uma batalha em tribunal contra a Rio Forte, a antiga ‘holding’ de topo do império Ricardo Salgado e tudo por causa do cálculo de juros de empréstimos feitos há dez anos atrás. O processo tem-se alongado no Tribunal Central Cível de Lisboa desde 2020 e está a “impedir” a restituição de milhões de euros aos credores do GES.

Quem o alega é a GESFIMO que, segundo documentos judiciais a que a CNN Portugal teve acesso, colocou uma ação declarativa contra a Rio Forte, que está na mão dos credores do Grupo Espírito Santo no Luxemburgo, após ter entrado em insolvência em 2014. O objetivo é que o tribunal decida qual o valor dos juros em dívida.  

No centro deste processo estão três empréstimos feitos entre 2013 e 2014, pela Rio Forte ao fundo de investimento da Herdade da Comporta, gerido pela GESFIMO, num valor total de 14 milhões de euros, que tiveram como objetivo permitir que este fundo “pudesse fazer face a carências de tesouraria”.

Os anos foram passando sem que o fundo de investimento pudesse restituir esse valor, nem liquidar juros vencidos, devido a “falta de condições de tesouraria” e outras “diferentes e variadas dificuldades”, reconhecem os seus gestores, nos documentos que constam da ação que corre em tribunal.  E garantem que só em 2020, “o fundo passou a dispôr de meios para regularizar parte substancial da dívida”.

Só que, nesse momento, viu-se deparado com um problema: o acordo para os três empréstimos feitos entre 2013 e 2014, segundo os gestores da GESFIMO e da Rio Forte, não foi formalizado por escrito - ao contrário de transferências anteriores - porque já “existia uma especial relação entre as partes”.

Por causa disto, a GESFIMO entende que, não havendo um acordo por escrito, a taxa de juro deve ser aplicada como “regime supletivo a 4%”. Já os credores da Rio Forte Investments têm outro entendimento: “As partes decidiram não colocar por escrito os empréstimos, porque acordaram em remeter para os termos e condições dos cinco (contratos) anteriores, que já haviam celebrado por escrito”. 

Estes últimos três empréstimos, no qual se centra este processo cível em tribunal, são, afirma a Rio Forte, “exatas réplicas” dos anteriores, em que “a taxa de juro acordada pelas partes foi de 6,5%”. “Se não for esta a explicação, seria inequivocamente um ato negligente por parte dos representantes das partes que as vincularam aos contratos em causa”, afirmaram ainda, ao tribunal, Paul Laplume e Maître Alain Rukavina, os gestores de insolvência da antiga holding do GES.

Por outro lado, a gestora de fundos imobiliários, liderada por Pedro Espírito Santo de Melo Breyner, reitera que, na lei portuguesa, “não é possível estender a forma observada” nos empréstimos anteriores para estes, realizados entre 2013 e 2014, no valor de 14.100.000 euros. A GESFIMO argumenta ainda que, por causa desta indecisão, “fica impedida de proceder à liquidação imediata, ainda que parcial, dos empréstimos” em causa. 

De acordo com cálculos realizados pela GESFIMO a pedido do Tribunal Central Cível de Lisboa, a diferença entre o entendimento dos juros pela massa insolvente da Rio Forte e por esta sociedade de investimento imobiliário corresponde a 2.387.986 euros. Isto porque a Rio Forte entende que a GESFIMO deve 6.208.764,38 euros em juros aos credores e a GESFIMO acredita que só tem de pagar 3.820.778,07 euros. O processo continua em curso, tendo sido realizada uma audiência prévia com os representantes das empresas em maio de 2023.

O fundo de investimento Herdade da Comporta era, anteriormente à queda do universo Espírito Santo há cerca de nove anos, detido em 59% pela Rio Forte Investments. E era dono, através de projetos imobiliários como o Comporta Links e o Comporta Dunes, de vários campos de golfe, cinco hotéis, oito aldeamentos turísticos e mais de vinte loteamentos residenciais.

Entre 2014 e 2016, atrasos na construção e na aquisição de financiamento para projetos imobiliários levou a que o fundo apresentasse resultados negativos que chegaram a ultrapassar os 19 milhões de euros após uma "revisão em baixa dos valores de avaliação" dos ativos imobiliários e também da atualização dos seus custos, indicam relatórios de contas consultados pela CNN Portugal.

Já em novembro de 2019, a GESFIMO acabou por vender os projetos Comporta Dunes e Comporta Links a um consórcio liderado pela empresária Paula Amorim e o magnata francês Claude Berda. A compra foi feita por 157,5 milhões de euros.

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