Multas e um dedo do meio a Estrasburgo. Greta Thunberg agora é caloira, mudou a mensagem mas não a missão

27 set 2023, 18:00
Ativista climática Greta Thunberg detida em manifestação na Alemanha (AP)

Depois de ter colocado um fim simbólico à greve climática estudantil, 251 sextas-feiras depois, Thunberg, agora na universidade, enfrenta uma realidade mais implacável nos protestos em defesa do ambiente nas capitais europeias

"É possível sentir que é um pouco especial e, por vezes, nota-se que algumas pessoas se cruzam com ela no corredor e, depois, talvez sussurrem umas para as outras com os olhos arregalados. De resto, ela estuda na biblioteca e assiste a palestras como toda a gente". Foi desta forma que um colega de Greta Thunberg descreveu o dia a dia da ativista que este ano se tornou caloira na Universidade de Estocolmo

Greta, uma das forças que mais inspirou o mundo a exigir medidas concretas contra as alterações climáticas, terminou o ensino secundário em junho, colocando, por ordem das circunstâncias, um fim simbólico à greve climática estudantil, 251 sextas-feiras depois.

A jovem de 20 anos está correntemente a tirar uma licenciatura em Desenvolvimento Global, na qual foi admitida depois de, no liceu, ter estudado ciências sociais, francês e de ter escrito uma tese final sobre as estratégias que a população de descendência romana tem desencadeado para lidar com a discriminação na Suécia.

Ao mesmo tempo, a ativista voltou às ruas de Estocolmo em defesa do futuro do planeta e reapareceu recentemente a liderar um protesto contra a redução de impostos para os combustíveis, uma medida incluída no orçamento do governo sueco. Empunhando um cartaz com as palavras “Pessoas não Lucro”, foi acompanhada por cinco mil pessoas e, nas redes sociais, deu uma garantia: “Somos imparáveis, outro mundo é possível”.

O mundo, esse, tem-se tornado um lugar mais implacável para os ativistas que nas ruas das várias capitais europeias exigem que os líderes nacionais e supranacionais tomem medidas para travar as emissões de gases com efeito de estufa durante as próximas duas décadas, para atingir a meta do aquecimento global abaixo de 1,5°C em comparação com níveis pré-industriais e para combater o extrativismo.

O governo francês ordenou recentemente a dissolução do grupo Les Soulèvements de la Terre depois de um protesto se ter tornado violento, deixando dois manifestantes em coma e 30 polícias feridos. No entanto, uma decisão do tribunal no início de agosto suspendeu a ordem, alegando uma violação da liberdade de reunião.

Do outro lado do Canal da Mancha, o Reino Unido promulgou este ano uma nova lei sobre a ordem pública, que suscitou críticas de Volker Türk, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que a descreveu como "profundamente preocupante". A legislação, vista por muitos como dirigida aos ativistas ambientais, criminaliza táticas como a de os manifestantes se prenderem a objetos ou edifícios.

A medida surge após ativistas britânicos terem sido detidos por perturbarem o trânsito, tendo, inclusive, um deles sido condenado a três anos de prisão. Entretanto, as autoridades italianas e alemãs estão também a investigar se o grupo Last Generation, responsável recentemente por bloquear ​​pistas dos aeroportos de Hamburgo e Dusseldorf, deve ser classificado como organização criminosa.

Igualmente, em Itália, foi adotada legislação que impõe multas até 60.000 euros a quem vandalizar marcos culturais ou obras de arte, numa reação a um protesto encabeçado por sete membros da franquia italiana do Last Generation que despejaram carvão diluído nas águas da icónica Fonte de Trevi, tornando-as negras. E, nos Países Baixos, sete ativistas do Extinction Rebellion foram condenados por "sedição" depois de terem apelado a outras pessoas para se juntarem a um protesto numa autoestrada.

A própria Greta Thunberg foi em julho multada em 1.500 coroas suecas (126 euros) por um tribunal sueco por não ter abandonado uma manifestação quando a polícia o ordenou. Logo após o veredicto, Thunberg e outros ativistas do grupo ambientalista Reclaim the Future bloquearam uma estrada, impedindo a passagem de camiões de petróleo no porto de Malmo - e foram novamente retirados à força pela polícia. "A manifestação não tinha autorização e levou ao bloqueio do tráfego automóvel. A mulher recusou-se a obedecer à ordem da polícia para abandonar o local", declarou o Ministério Público em comunicado na altura. 

Thunberg poderá ser alvo de uma pena mais severa se for condenada uma segunda vez. Também em janeiro, Greta foi uma das ativistas climáticas detidas brevemente durante um protesto contra a demolição de uma aldeia alemã para dar lugar a uma mina de carvão.

Contudo, e ainda antes de começar o novo semestre, Greta viria a celebrar uma importante vitória quando o Parlamento Europeu votou a favor de um projeto de lei que visa revitalizar os ecossistemas da União Europeia. A decisão foi um grande revés para os eurodeputados conservadores que se opuseram veementemente à legislação, mas que no fim não conseguiram reunir apoio suficiente para bloqueá-la face a uma coligação de eurodeputados dos Socialistas e Democratas, da Esquerda, dos Verdes e do Renovar a Europa.

A votação final foi renhida, com 336 votos a favor, 300 contra e 13 abstenções. Um resultado conhecido perante protestos antagónicos por parte de movimentos em defesa do clima e de associações de promoção agrícola em Estrasburgo.

Certo é que as atenções viraram-se depois rapidamente para a ativista climática, que foi apanhada pelas câmaras do Parlamento Europeu a mostrar o dedo do meio a alguns eurodeputados conservadores que o classificaram como “desprezível”.

Passaram cinco anos desde que Thunberg começou, solitariamente, em 2018, a protestar às portas do parlamento sueco, defendendo uma ação mais imponente para fazer face à crise climática. Hoje, depois de inspirar milhões de jovens a participar em protestos semelhantes, as prioridades são as mesmas, mas a mensagem, como assumiu ao New York Times numa entrevista em janeiro, tem de mudar.

Questionada sobre se considerava um erro a concentração da mensagem de protesto num ‘destino global partilhado’ em vez de em todas as formas injustas de distribuição dos impactos climáticos, Thunberg assumiu que “hoje em dia, teria feito tudo de forma diferente”. “Mas na altura era muito jovem e não sabia. Não me posso culpar. Mas criou-se uma espécie de narrativa de que são as crianças que são afetadas. E apesar de termos dito muitas vezes que são sobretudo as pessoas do Sul global, o tipo de mensagem que passou foi que as crianças vão sofrer com a crise climática e agora as crianças estão a revoltar-se.”

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