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Paulo Portas: "Putin já foi tão longe que é difícil imaginar que não faça nada"

CNN Portugal , MJC
13 fev 2022, 23:11

No seu espaço de comentário semanal, Portas considera que neste momento os "sinais são manifestamente preocupantes" mas que está tudo nas mãos do presidente russo. E Putin sabe exatamente quais são as fragilidades dos outros países europeus

A Europa vive aquilo que parecem "tempos de vésperas", diz Paulo Portas, a propósito da situação de tensão que se vive na Ucrânia: "Putin já foi tão longe que é difícil imaginar que não faça nada". 

"A questão está essencialmente nas mãos de Putin", diz Portas, no seu espaço de comentário "Global", no Jornal das 8. Putin "sabe que os EUA não irão defender a Ucrânia militarmente. Sabe que a Nato não irá defender a Ucrânia porque a Ucrânia não é membro. Sabe que a União Europeia esta dividida porque há uma parte que depende do gás da Rússia. E sabe que a China é benevolente porque não exclui a possibilidade de um dia fazer em Taiwan aquilo que aparentemente Putin quer fazer em estados soberanos. Ele tem que fazer uma avaliação de custo-benefício, daquilo que quer do ponto de vista da extensão dos interesses da Rússia e daquilo que ele considera a segurança vital da Rússia."

Paulo Portas considera que neste momento os "sinais são manifestamente preocupantes". 

Por um lado, "há evidência" de que já estarão 130 mil militares russos nas fronteiras com a Ucrânia, embora, sublinha Portas, "outra coisa é saber qual o grau de prontidão que essas forças têm para uma evasão terrestres". "O segundo ponto que é preocupante é que os dois exercícios militares que a Rússia está a fazer  - a norte, na Bielorrússia, e a sul, na Crimeia - indiciam dois dos cenários mais complexos do que pode ser uma invasão".

Além disso, "do ponto de vista diplomático há um sinal que é sempre mau, que é os países pedirem aos seus nacionais e aos seus diplomatas para saírem, incluindo alguns diplomatas russos ".

E, finalmente, "as iniciativas diplomáticas de matriz europeia nesta semana manifestamente não correram bem", diz Paulo Portas, referindo-se quer ao encontro do chanceler alemão Olaf Scholz com Joe Biden quer ao encontro do presidente francês Emmanuel Macron com Vladimir Putin, presidente da Rússia.

"Olaf Scholz foi encontrar-se com Joe Biden mas não correu bem." O presidente americano deu a entender que se a Rússia invadir a Ucrânia o oleoduto Nord Stream 2 "não acontecerá". "Ora os EUA não são parte do Nord Stream 2, que é um negócio publico-privado da Alemanha e da Rússia", diz Portas. E Scholz ouviu isto e "ficou em silêncio". Ora, quando um dirigente de um país terceiro interfere direta, pública e ostensivamente naquilo que são prerrogativas de um estado, convém não guardar silêncio". "Foi um vexame público", considera o comentador. No entando, "Scholz é um homem prudente  e mantém ainda alguma margem de manobra diplomática".

Ao contrário de Scholz, que "falou de menos, Macron terá falado de mais". O presidente francês "disse que Putin lhe teria prometido que não haveria novas iniciativas militares. E o Kremlin não só o desmentiu como disse que pode falar com a França mas não faz acordos com a França porque a França não lidera a Nato".

Sobre este encontro, Paulo Portas chamou ainda a atenção para o tamanho da mesa onde os dois se sentaram a uma distância de seis metros. E lembrou que, num encontro antigo com a extremista de direita Marine Le Pen, Putin sentou-se numa mesa muito mais pequena: "Cada um escolhe as suas proximidades". 

Finalmente, Paulo Portas referiu a ambiguidade europeia em relação a este conflito. No caso de a Rússia invadir a Ucrânia, apenas a população da Polónia defende (com uma percentagem de 65%) que os outros países devem interferir militarmente. Na Alemanha e na França, as populações não estão assim tão convencidas (as respostas afirmativas são inferiores a 50%).

O problema, diz Portas, é que "a gente sabe que os europeus pensam isto, mas Putin também sabe". 

Ciberataques - o risco está a aumentar

Outro dos assuntos da semana foram os ciberataques. Paulo Portas recorda que "a esmagadora maioria dos ataques ciber não são registados nem denunciados", no entanto, sabemos que houve um "crescimento significativo" no número de ciberataques registados  a partir da pandemia, uma vez que aumentou o acesso digital, aumentaram as passwords e aumentou a vulnerabilidade. 

No ano passado, em Portugal houve 1160 ataques registados mas só cerca de 15% chega a inquérito, ou seja, são alvo de investigação.

Neste momento há um ataque ciber em cada 11 segundos em todo o mundo (e este número está a aumentar).

No caso da Vodafone, sabemos que este "foi um dos dois maiores ciberataques que Portugal já sofreu" e que este ataque "teve uma natureza muito específica". 

No entanto, Paulo Portas deixa um aviso: "não há hackers bons e hackers maus. A comunicação social é useira e vezeira em usar hackers,  pagar-lhes para obter certo tipo de documentos e de notícias. Talvez isto seja uma lição", diz.

A guerra está a mudar de natureza

"A guerra está a mudar de natureza e vai estar cada vez mais no lado ciber", diz Paulo Portas, questionando "se este não deve ser o quarto ramo das forças armadas".

São, no entanto, tipos de guerra muito diferentes.

A guerra convencional tem um território definido, a ciber guerra "tem como território a nuvem, ou seja o planeta".  "Na guerra tradicional há algum conhecimento sobre o adversário, na ciberguerra, o hacker ou o grupo criminoso sabe tudo sobre a vítimas mas a vítima não sabe nada sobre o atacante (onde está, quem é, o que pretende)."

Na ciberguerra, a motivaçao já não é ideologia ou interesse nacional, "pode haver imensas razões, pode ser vontade de provocar o caos, resgates (pedir dinheiro), outros são subcontratações de estados falhados". A duração também é diferente, já não há "um derrotado e um vencedor, é interminável porque há uma história que termina hoje, mas outra começa amanhã".

A ciberguerra exige competências muito distintas, são necessários, por exemplo, "tradutores culturais", para "perceber as vulnerabilidades" dos outros. E, além disso, é preciso sublinhar que a guerra clássica "é horrível mas tem algum estatuto legal sobre o que se pode fazer com os prisioneiros, as armas que se podem utilizar, etc.", enquanto na ciberguerra não há qualquer controlo.

Ver e ler Agatha Christie

Nas suas notas finais, Paulo Portas sugere o filme "Morte no Nilo", de Kenneth Branagh, baseado num livro de Agatha Christie e que está agora nas salas de cinema portuguesas. E aproveita para propor também um dos livros menos conhecidos da escritora, "Na Síria" (editado pela Tinta da China), no qual Agatha Christie conta as "as suas aventuras, não crimes, não policiais, no médio oriente" quando lá foi acompanhando o marido arqueólogo. "Um livro que é um tesouro", diz Portas, 

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