Como Hiddink se tornou numa das figuras do Mundial

21 jun 2002, 13:01

Perfil do treinador holandês da Coreia Perfil de um técnico coerente e seguramente cada vez mais cobiçado.

O título mais visível nas principais livrarias de Seul é «A liderança de Hiddink - como ela pode salvar a economia coreana». É um conjunto de entrevistas com o técnico holandês, em que este expõe o seu método na gestão da equipa nacional, e em que o entrevistador tenta transportar os conceitos para a gestão política do país.

Há também um presidente em crise de popularidade, Kim Dae-Jung, a multiplicar-se em elogios a Hiddink, telefonando com regularidade para a concentração da equipa e fazendo com que esses telefonemas sejam amplamente divulgados.

Entretanto, grande parte dos governadores locais e presidentes de Câmara recém-eleitos nas eleições da passada semana, já apresentaram propostas concretas para a construção de estátuas e a atribuição de nomes de rua a Hiddink, que, segundo fonte do governo confidenciou ao Korea Herald (um dos dois diários de Seul com edição inglesa), poderá tornar-se em breve cidadão honorário da Coreia.

O que poderia parecer simples oportunismo na colagem a uma figura na crista da onda - e nem sequer é preciso sair de Portugal para encontrar exemplos desses - é algo de mais profundo. Aos 56 anos, após pouco mais de um ano de trabalho permanente com a equipa, Guus Hiddink é apontado, sem excepção, como o grande responsável pelo nascimento do sonho coreano, pela revolução de mentalidades que ensinou um dos tradicionais parentes pobres do futebol mundial a ganhar.

Faça-se o teste: mais do que o veterano Hong Myung-Bo, ou o jovem leão Ahn Jung-Hwan, é Hiddink a bater records de aplausos a cada vez que a sua imagem surge nos écrans gigantes quando a equipa entra em campo. Um adepto coreano, envergando com orgulho uma camisola da Holanda por baixo da t-shirt vermelha, confessava a Maisfutebol, após a vitória sobre a Itália, a sua convicção de que após a saída de Hiddink, a maré vai baixar abruptamente: «Ninguém depois dele conseguirá motivar tanto os jogadores, nem fazê-los trabalhar tão intensamente», lamentava.

Descontando as compreensíveis exaltações patrióticas - a que Hiddink procura escapar-se com assinalável elegância, distribuindo mérito pelos jogadores e pelos adeptos - é justo considerar o técnico holandês uma das figuras deste Mundial tão carente de grandes referências.

É verdade que o apoio do público e, num ou noutro momento-chave, as decisões de arbitragem influenciaram muito do sucesso coreano na competição. É verdade, também, que a equipa brilha mais pela intensidade, pela vontade e pela intensidade física, do que pelo talento e a imaginação. Mas seria injusto esquecer que, depois da magnífica Holanda de 1998, este é o segundo Mundial consecutivo em que Hiddink deixa uma marca incontornável. Mais: que este é o segundo Mundial de sucesso de um técnico coerente com as suas ideias.

Seguidor dos melhores aspectos da escola holandesa - veja-se a facilidade com que os jogadores coreanos cumprem vários lugares em campo - mas sem a rigidez provocatória de que Van Gaal é caso extremo, Hiddink conseguiu a proeza de colocar a seus pés um país historicamente desconfiado das influências estrangeiras.

Versátil nas opções tácticas - pôs a Coreia a jogar no modelo do Ajax, um 3-4-3, depois de há quatro anos ter surpreendido, montando a Holanda num inesperado 4-4-2 - hábil motivador e definidor de objectivos, o seleccionador da Coreia teve o teste de fogo no jogo com a Itália, quando respondeu ao irritante defensivismo de Trappatoni com obstinada persistência de sinal oposto. Nos últimos dez minutos, a Coreia apresentava cinco avançados em campo, e mesmo sofrendo para criar oportunidades foi essa pressão a possibilitar o decisivo erro de Panucci ao cair do pano.

A Coreia tem o grande mérito - ainda mais acentuado pelo cinzentismo reinante na prova - de ser uma equipa que toma a iniciativa, que impõe o seu ritmo ao jogo, e que luta até à exaustão pelo seu conceito de futebol, sem esperar pelos erros do adversário. É pouco para garantir a imortalidade, e incomparavelmente menos do que a lista de qualidades da Holanda de há quatro anos. Mas é, aos olhos dos espectadores, suficientemente generoso para que Guus Hiddink, aconteça o que acontecer frente à Espanha, este sábado, seja desde já uma das figuras da prova - e volte a ser, certamente, um dos treinador mais cobiçados do mercado, assim que terminar a sua odisseia.

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