Os trabalhadores da Administração Pública começam a receber aumentos que este mês, no mínimo, representam mais 30 euros na folha salarial, mas os sindicatos avisam que a inflação vai rapidamente engolir o acrescento salarial de 1% anunciado pelo Governo em março
Os Funcionários Públicos começam hoje a receber o aumento intercalar salarial de 1% anunciado pelo Governo em março e, dentro das estruturas sindicais, já há quem olhe para o Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) como o momento para a Administração Pública ter uma atualização salarial “que vá além da insuficiência deste ano e trave a perda generalizada de perda de poder de compra”, como defende José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP).
A intenção de compensar os funcionários públicos em 2024 já tinha sido avançada pelo líder parlamentar do Partido Socialista (PS), Eurico Brilhante Dias, que em entrevista ao jornal Público no início da semana confirmou a intenção de inscrever o aumento no próximo caderno de encargos do OE2024. Isto porque no próximo ano, observou, Portugal terá “um novo horizonte para as políticas públicas e, em particular, para as políticas de valorização salarial”.
Perante isto, o líder da FESAP lembra que o acordo plurianual fechado entre o Governo e as estruturas sindicais no ano passado - que garantiu um aumento anual de 52,11 euros até ao fim da legislatura para cerca de 90% dos funcionários públicos - “foi realizado com previsões da inflação (4%) abaixo dos números antecipados tanto pela OCDE como pela União Europeia”, pelo que espera “que o valor dos aumentos anuais seja apenas indicativo e possa ser superiores a isso”.
Certo é que dentro das metas do Programa de Estabilidade, há a indicação que o reforço de verbas para a Função Pública previsto para 2024 será apenas metade do valor estimado para este ano, com o Ministério das Finanças a sugerir que a explicação para essa diferença reside na "disparidade salarial entre as entradas e saídas da Administração Pública" e por um menor número de funcionários.
Ainda que Abraão não arrisque um valor que considere aceitável, salienta que o objetivo nas subsequentes negociações com o Governo será “sempre repor algo mais do que a inflação, para que os salários continuem a crescer”. “Se se decidir repor apenas a inflação, o que se verifica é que a degradação se mantém” e “dificilmente será atingida” a meta europeia de o peso dos salários representarem 48% do PIB.
O aumento de 1% que começa a ser pago a partir do dia 20 de maio aos mais de 742 mil trabalhadores do Estado vai ter em conta retroativos a janeiro e o subsídio de refeição, que até aqui era de 5,20€, aumentou 80 cêntimos.
Feitas as contas, e porque este adicional no vencimento não estará sujeito a retenção na fonte, os trabalhadores do setor público que têm um salário mínimo de 761,58 euros (16,7% do total) vão ver na sua folha salarial um aumento de 30,5 euros - que corresponde ao incremento de mais 7,6 euros no seu salário.
Já considerando o valor da remuneração base média mensal dos trabalhadores da administração pública - que em janeiro se fixou em 1.619,6 euros brutos -, o aumento esperado será de 64 euros, com este salário mensal a crescer em 16.19 euros.
Estas atualizações, para Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, “não acrescentam nada de novo”. Estes aumentos, “quando comparados com a inflação, com o aumento do custo de vida, com os preços da habitação, com a subida dos produtos alimentares, é absolutamente insuficiente para responder àquilo que tem sido a realidade do aumento do custo de vida”, lamenta.
Os últimos dados divulgados pelo INE revelam um cenário no setor público de perda de rendimento. Enquanto no setor privado os salários registaram variações homólogas positivas em todos os tipos de remuneração, o mesmo não se aplica à Administração Pública, cuja remuneração total aumentou 5,4% para 1.765 euros, mas, ao considerar a inflação, as perdas reais tornam-se evidentes: as remunerações totais, regulares e básicas diminuíram 2,5%, 2,8% e 2,4%, respetivamente.
Sebastião Santana avisa que a tendência de diminuição de rendimento que já “dura há vários anos” coloca uma séria preocupação sobre a estabilidade financeira dos funcionários públicos e destaca a necessidade de “um passo maior” para travar a disparidade entre os setores público e privado em termos de ganhos.
Aliás, um passo que, na opinião deste líder sindical, terá de vir antes da aprovação do novo Orçamento do Estado através de um novo aumento intercalar. “Estamos em crer que ele vai ter de acontecer antes, porque a realidade dos trabalhadores da Função Pública neste momento e especialmente aqueles que estão a receber o salário mínimo é de não conseguirem pagar a casa, de fazerem restrições alimentares.
“Tendo havido um aumento intercalar que foi insuficiente, não há nada, nem motivos económicos sequer para o Governo não perceber esta realidade e não fazer aumentos intercalares dignos desse nome e não esta manobra política, porque com os preços a crescerem como estão, daqui por três meses estes aumentos vão ser completamente insuficientes”, defende o líder da Frente Comum.