Medina escolheu Alexandra Reis mas "gostava que o país tivesse sido poupado ao que aconteceu". A audição ao ministro das Finanças em sete momentos

16 jun 2023, 20:04

Ministro das Finanças está convicto da convicção de quem decidiu a indemnização milionária da secretária de Estado que escolheu, mas que teve de demitir por causa da incompreensão do país. Fernando Medina foi o último a ser ouvido numa longa comissão de inquérito à TAP

Escolha de Alexandra Reis? Os portugueses reconhecem os méritos, diz Medina (mas sem revelar como chegou ao nome)

Alexandra Reis é uma gestora com um potencial incrível. Esta é uma conclusão que foi defendida por quase todos os governantes ouvidos na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão da TAP, e o ministro das Finanças não foi exceção.

Fernando Medina considerou que devem ser reconhecidos todos os méritos à gestora, que esteve menos de um mês sob a sua tutela, como secretária de Estado do Tesouro, papel que também teria desempenhado com qualidade, não fosse a demissão provocada pela indemnização de 500 mil euros.

"Alexandra Reis reunia as condições e tinha o perfil indicado. Penso que hoje os portugueses reconhecem os seus méritos. Não tenho dúvidas de que seria uma excelente secretária de Estado do Tesouro", afirmou o ministro perante os deputados.

Estava assim justificada a escolha de uma pessoa que “correspondia integralmente ao perfil definido para a função”, permitindo que, finalmente, Tesouro e Finanças deixassem de ser pastas acumuladas, coisa que aconteceu desde o início do Governo, com João Nuno Mendes a assumir a dupla função.

Mas como é que Fernando Medina chegou ao nome? Uma pergunta feita exaustivamente pelos deputados, mas que o ministro se recusou a responder. Talvez por isso, e depois das estratégias de PSD e Chega falharem, a Iniciativa Liberal optou por uma postura diferente: tentar saber quem é que não tinha sido.

O ministro das Finanças lá soltou a informação: não foram o ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, nem João Nuno Mendes. Foram outras pessoas. Fernando Medina ouviu outras pessoas, até porque "Alexandra Reis não era uma desconhecida no mundo da Administração Pública. Tinha sido diretora e administradora da TAP", além de presidente da NAV, imediatamente antes da ida para o Governo.

Apesar de não revelar como chegou ao nome, Fernando Medina explicou que tinha reunido informação sobre Alexandra Reis antes de formalizar o convite, não tendo encontrado "nada que contra-indicasse" a sua nomeação.

"Não é um perfil fácil de se encontrar, é relativamente específico, e a decisão da Alexandra Reis, e isso hoje é reconhecido, reunia as competências e correspondia exatamente a esse perfil", sublinhou o ministro, enfatizando a experiência nos setores público e privado, o que "lhe dava todas as condições e garantias".

Perante a insistência sobre como chegou ao nome de Alexandra Reis, Fernando Medina garantiu apenas, por mais do que uma vez. "A decisão é minha. Fui eu que a escolhi", atirando depois que essa escolha pessoal é normal, e que costuma dar frutos: "Por regra, tenho-me saído bastante bem com as escolhas que tenho feito."

Fernando Medina ouvido na CPI à gestão da TAP (Miguel A. Lopes/Lusa)

Incompreensão do país e falta de condições políticas. Porque saiu Alexandra Reis

Foi a 24 de dezembro que Portugal ficou a saber que uma secretária de Estado estava no Governo meses depois de ter recebido 500 mil euros (mais benefícios) para deixar a TAP. Fernando Medina garantiu que só soube do caso três dias antes de todos nós, quando o Correio da Manhã, que revelou o caso, questionou o Ministério das Finanças sobre o assunto.

Meteu-se o Natal e os ministros também têm direito a passá-lo com as suas famílias, como disse Fernando Medina. Depois de uma resposta da TAP e do alarme social causado pela situação, Fernando Medina teve de tomar a decisão de pedir a Alexandra Reis que se demitisse. "Tornou-se clara a incompreensão do país relativamente ao pagamento daquele montante", afirmou, convicto "de que se tratava de um valor significativo".

Uma das duas razões para a saída de Alexandra Reis - a autoridade política da tutela, ou falta dela - estava em causa. Entendeu o ministro das Finanças que, a partir daquele momento, seria "mais prejudicial que benéfico" a continuação de Alexandra Reis no Governo. "A razão para a demissão foi a convicção de que Alexandra Reis não dispunha de condições políticas", acrescentou, dizendo que a permanência da secretária de Estado colocava em causa o próprio ministério.

O ministro das Finanças insistiu que fez tudo dentro do tempo possível, solicitando depois a demissão de Alexandra Reis como secretária de Estado do Tesouro para "assegurar a manutenção da autoridade política do Ministério das Finanças", depois de se ter gerado na sociedade portuguesa a "reação que se gerou".

A conversa para essa demissão aconteceu precisamente a 27 de dezembro, dia em que se deu a demissão, depois de o pedido ter sido prontamente aceite por Alexandra Reis, que "sempre teve um comportamento de grande correção, não querendo que a sua permanência no Governo causasse qualquer tipo de problema".

"Gostaria que o país tivesse sido poupado a tudo o que aconteceu, naturalmente", concluiu.

Fernando Medina ouvido na CPI à gestão da TAP (Miguel A. Lopes/Lusa)

IGF: com uma "ilegalidade grave" só havia um caminho

Uma demissão que surgiu quase um ano depois daquilo que Fernando Medina classificou, por várias vezes, como uma "ilegalidade grave": a decisão dos presidentes da TAP de concederem a Alexandra Reis uma indemnização de 500 mil euros, tendo a autorização chegado do Ministério das Infraestruturas.

A saída de Alexandra Reis era mesmo o "único caminho possível" depois do relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), que tornou claro, em três pontos distintos, que tinha havido uma má atuação dos presidentes do conselho de administração e da comissão executiva da TAP, Manuel Beja e Christine Ourmières-Widener, respetivamente.

Fernando Medina garantiu que a decisão não foi tomada de forma prévia, tendo esperado dois meses para que chegasse esse relatório, completamente munido de "autonomia". Depois de uma leitura "profunda tornou-se claro que o relatório tornava absolutamente inequívoca a decisão que teria de tomar".

Uma leitura partilhada com o ministro das Infraestruturas, já João Galamba, com quem Fernando Medina falou antes de comunicar a decisão. Ambos tiveram a mesma leitura do documento, falando num "contraditório extenso" por parte dos inquiridos que representavam a TAP e em conclusões "claras" da IGF. Havia três conclusões a tirar:

  1. Primeira conclusão: "Foi uma violação da lei do estatuto do gestor público", sublinhou Fernando Medina, dizendo que constatou a ilegalidade do ato, recomendando a devolução das verbas.
  2. Uma segunda conclusão: a IGF recomendou ao ministro que envie ao Tribunal de Contas todo o processo.
  3. Terceira conclusão: que o Ministério das Finanças avalie a relação e o procedimento dos administradores da TAP.

Conclusões que não beliscam, na ótica de Fernando Medina, a idoneidade de todos os envolvidos, nem mesmo dos presidentes da TAP ou de Alexandra Reis. O ministro das Finanças declarou aos deputados que tem a convicção "profunda que todos os envolvidos agiram na convicção de que estavam no cumprimento da lei". "Infelizmente, não estavam e o relatório da IGF mostrou-o", acrescentou.

Em causa não estava uma "ilegalidade qualquer", mas o "pagamento ilegal de meio milhão de euros", reiterou.

"O único caminho possível era a demissão de Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja", concluiu Fernando Medina, voltando a dizer que isso foi "inequívoco".

Fernando Medina ouvido na CPI à gestão da TAP (Miguel A. Lopes/Lusa)

Medina permitiu que Christine apresentasse demissão, mas ex-CEO rejeitou

Esse clarificador relatório foi enviado a Fernando Medina e a João Galamba a 3 de março, uma sexta-feira. Os ministros leram-no e, já no dia 5 de março acordaram o que fazer: era preciso demitir - ou exonerar? Já lá vamos - os presidentes da TAP.

Aí os deputados da TAP quiseram perceber como decorreu exatamente o processo. É que Christine Ourmières-Widener foi chamada ao Ministério das Finanças para uma reunião formal, mas a gestora francesa disse, naquela mesma comissão, que não sabia ao que ia.

Afinal ia para ser despedida do seu cargo. Uma comunicação que, segundo Fernando Medina, lhe custou muito, "preferia não ter de tomar a decisão que estava a tomar". É que o ministro das Finanças tinha muita "estima" pela ainda CEO da TAP, tanto que até lhe sugeriu uma via alternativa: seria Christine Ourmières-Widener a demitir-se, em vez de ser o Governo a anunciar a sua demissão.

"Abri a porta a Christine consciente de que esta decisão teria danos reputacionais na sua carreira", explicou o ministro, referindo que foi por isso que sugeriu a via alternativa, "por respeito ao trabalho e desempenho" de uma "boa gestora", evitando um cenário "mais danoso" para a gestora. Christine Ourmiéres-Widener não aceitou essa via, pelo que foi demitida no dia seguinte. Agora tem espaço para um provável pedido de indemnização do Estado português, que pode custar vários milhões de euros. Mas Fernando Medina não quis "antecipar" esse possível cenário.

Fernando Medina ouvido na CPI à gestão da TAP (Miguel A. Lopes/Lusa)

Estala o verniz entre Medina e deputados

Mais do que noutras audições, o clima entre o inquirido e os deputados aqueceu por várias vezes, levando mesmo a três interrupções por parte do presidente da comissão para repreender o ministro das Finanças, nomeadamente quando Fernando Medina utilizou as expressões "ridículo" ou "vergonha".

Foi uma questão sobre o Serviço de Informações de Segurança (SIS) que fez Fernando Medina perder a calma. O ministro das Finanças até já se tinha exaltado antes, mas a alegação do PSD de que havia um contributo do Governo para o desprestígio das instituições, nomeadamente no caso do computador levado por Frederico Pinheiro, levou-o mais longe.

Fernando Medina afirmou que haveria muito a dizer sobre o que contribuiu para o desprestígio das instituições e sobre o papel que "alguns têm tido nessa matéria". O ministro das Finanças rejeitou "frontalmente" o que foi dito por Hugo Carneiro em relação à utilização do SIS. "É falso, falso, falso", repetiu, dizendo que é fácil atribuir um adjetivo a quem utiliza essa "falsidade", ainda que não concretizando.

Mesmo perante a intervenção do presidente da comissão, Fernando Medina não quis ficar sem completar a resposta: "Não posso não reagir quando vejo uma afirmação falsa repetida várias vezes, intencionalmente, por quem sabe que essa afirmação é falsa."

Isto porque, como disse mais tarde, Fernando Medina entende que os deputados do PSD tentaram atingir o Governo ao descredibilizar o ministro das Finanças. Depois de novos atritos durante as intervenções de Hugo Carneiro, Fernando Medina afirmou que as perguntas do PSD "tornam muito claro" qual é o comportamento do partido nesta comissão.

O governante falou numa "ideia peregrina de que atingindo o ministro das Finanças atingiriam o Governo", sugerindo que o PSD tentou "causar o maior dano político" e até mesmo a sua demissão. "Foi o serviço que entenderam prestar e que tornaram muito claro", sublinhou, defendendo que o Governo sempre agiu à procura do "rigor".

Perante a insistência dos deputados de que o relatório da IGF não era suficiente para fundamentar, juridicamente, a saída dos presidentes da TAP, Fernando Medina viu nessas afirmações o que disse serem "alguns que querem fragilizar a posição do Governo". "Curiosamente alguns pediam a demissão da administração da TAP antes mesmo do relatório da IGF, por isso vergonha aqui alguns não têm muita", disse.

Acusações também perante o relatório da IGF, cuja autonomia Fernando Medina defendeu por diversas vezes, mesmo não tendo havido possibilidade para uma audição da ainda CEO da TAP, que teve de fazer a sua comunicação por escrito. O ministro das Finanças explicou que isso se deveu à comunicação ter de ser inglês, pelo que seria mais fácil acontecer por escrito. No fundo, disse, não se tratava de uma penalidade", mas antes de uma "faculdade" dada a Christine Ourmières-Widener.

“É profundamente injusto, insultuoso para quem trabalha na administração pública portuguesa. É particularmente injusto para com uma instituição como a IGF, uma das mais prestigiadas da administração pública portuguesa”, lamentou sobre as dúvidas levantadas em relação à IGF, destacando as provas que esta instituição tem dado “nas situações mais difíceis”.

Segundo o ministro das Finanças, não houve “qualquer sentido de orientação, de interferência política”.

“Só posso reafirmar aqui aquilo que foi a total autonomia da IGF no desempenho das suas funções, o brio com que o fizeram”, enfatizou, louvando a “grande qualidade do trabalho que realizaram”.

Apesar das confusões, houve uma insistência dos deputados que deu frutos: Fernando Medina reviu a declaração lida a 6 de janeiro, quando anunciou a saída dos presidentes da TAP, e na qual falava numa exoneração por justa causa. Afinal, nem era uma exoneração, nem era por justa causa. O ministro das Finanças admitiu que o rigor obriga a que a frase dita sobre a demissão dos presidentes da TAP fosse revista: devia falar-se em "demissão", e não em "justa causa".

"Em rigor, a frase correta é a frase que resulta da aplicação do estatuto de gestor público. Por vezes, na oralidade, há alguma simplificação", terminou.

Fernando Medina sorri durante a comissão de inquérito (Miguel A. Lopes/Lusa)

Relação com Pedro Nuno? Boa, mas também havia tensão

A cadeira onde Fernando Medina se sentou foi a mesma utilizada por Pedro Nuno Santos no dia anterior. Talvez por isso, ou por qualquer outra coisa, o ministro das Finanças achou por bem chamar para a discussão o antigo ministro das Infraestruturas.

O governante esclareceu que manteve sempre uma relação de "grande cordialidade e de grande eficácia" com Pedro Nuno Santos, para mais tarde se alongar nos elogios, mas também num reparo: "Foi uma boa relação de trabalho, franca, quotidiana. Naturalmente, nunca isenta de tensões", acrescentou.

E novo reparo depois, mesmo perante a "relação normal e eficaz". Fernando Medina confirmou que não houve articulação entre as tutelas na altura da decisão da indemnização a pagar a Alexandra Reis, que foi exclusivamente decidida pelas Infraestruturas. "Deve haver essa articulação", sublinhou Fernando Medina.

Apesar disso, e tendo estado menos de um ano juntos no Governo, Fernando Medina guarda uma "relação completamente comprometida com o interesse público e convergente com o interesse público". "Uma relação que tenho como bastante agradável e profícua."

Fernando Medina na CPI à gestão da TAP (Miguel A. Lopes/Lusa)

Reversão dos cortes na TAP podem vir, mas não já

Pedro Nuno Santos deixou soltar na sua audição que já existem condições para começar a reverter os cortes salariais aplicados aos trabalhadores da TAP por causa da reestruturação. Fernando Medina vê essa possibilidade no horizonte, e até está "animado" com os resultados da companhia aérea, mas avisou que não se devem dar passos maiores do que a perna.

O ministro das Finanças afirmou que os resultados do início deste ano na TAP são positivos e "dão ânimo" relativamente ao processo de recuperação, alinhavado com a recuperação do turismo. "Esses resultados não devem ser desvalorizados", disse, admitindo que a empresa não mantém a sustentabilidade em todos os cenários de custos futuros.

Fernando Medina referiu que a retoma dos processos de negociação coletiva e a diminuição dos cortes salariais tem de ser acompanhada da melhoria da produtividade e desempenho da empresa.

"É possível hoje começar a construir as bases de um caminho mais virtuoso do ponto de vista da reconstrução dos vencimentos", acrescentou, dizendo que o primeiro passo já foi dado, e que o segundo virá aí.

Fernando Medina discordou da opinião dos que defendem que, por ter tido resultados positivos, as dificuldades da companhia aérea terminaram e que se pode regressar a uma fase de “menor controlo” em termos de salários.

“Seria deitar fora o esforço dos trabalhadores, em primeiro lugar, das suas famílias, de todos os que trabalham e dirigem a TAP e que deram um contributo muito forte”, acrescentou.

O governante lembrou que o primeiro passo no sentido da “normalização” da negociação coletiva já foi dado, com o acordo alcançado com a Portugália, e que o segundo passo está em fase de conclusão, relativamente aos pilotos da TAP, sucedendo o mesmo relativamente às restantes áreas profissionais da companhia aérea.

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