Alexandra Reis saiu para "empoderar" a CEO da TAP e a autopenalização pelo pedido para trocar voo de Marcelo: as explicações de Hugo Mendes na CPI

14 jun 2023, 21:12

Num estilo que alguém identificou ser de Pedro Nuno Santos, o ex-secretário de Estado das Infraestruturas falou de tudo, mas não se lembra de tudo, como quem lhe enviou mensagens a pedir a troca do voo do Presidente. Sobre a polémica indemnização a Alexandra Reis, a culpa recai sobre os advogados de ambas as partes

Alexandra Reis recebeu 500 mil euros de indemnização da TAP, mas esse valor até foi podia ter sido bem maior. Quem o diz é Hugo Mendes, secretário de Estado das Infraestruturas à altura da saída da administradora da companhia aérea. O ex-governante esteve esta quarta-feira na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da empresa, onde defendeu a competência de Alexandra Reis, que acabou esse mesmo ano de 2022 a demitir-se do cargo de secretária de Estado do Tesouro.

Competência tamanha que a gestora foi considerada a candidata ideal pelo Governo para assumir funções naquela empresa, preenchendo um vazio na administração da NAV que existia desde 31 de agosto de 2021. O Governo até ouviu três candidatos, mas “não havia ninguém que se destacasse como uma escolha óbvia”. "Para nós, Alexandra Reis reunia condições excelentes para ser administradora da NAV." E foi escolhida para assumir funções em abril de 2022, depois de o executivo ter tomado posse.

Havia uma candidata à medida: Alexandra Reis, que meses antes tinha saído da TAP com uma indemnização de 500 mil euros. Uma indemnização que surgiu depois de um “desalinhamento” com a então CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, que queria formar a sua própria equipa. Até porque "Alexandra Reis nem queria sair". Quem sabia dessa indemnização, quem a autorizou e, afinal, o comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) tinha ou não uma mentira?.

Segundo Hugo Mendes, a saída de Alexandra Reis foi decidida numa “reunião a sós” entre a então CEO da TAP e o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos. Apesar de ver competência na administradora que Christine Ourmières-Widener queria fora da TAP, o Governo deu a sua “anuência” à saída. E tudo para “empoderar” a presidente da comissão executiva. "A pessoa que manda na empresa pediu-nos para tornar a sua equipa mais coesa, isso implicava substituir uma pessoa, e nós achámos que se justificava", afirmou.

“O motivo é simples: dar as melhores condições que a líder executiva reclamava para executar o plano de reestruturação. O que queríamos era reforçar - empoderar, como se diz agora – a autoridade de Christine Ourmières-Widener como líder da sua equipa”, disse, lembrando que a nova CEO tinha escolhido apenas uma pessoa de toda a administração que ia dirigir.

Nessa mesma reunião Pedro Nuno Santos deu autorização a Christine Ourmières-Widener para negociar uma rescisão com Alexandra Reis. Seria necessário o pagamento de uma indemnização, que Alexandra Reis calculou em 1,5 milhões de euros.

Hugo Mendes esclareceu que acompanhou todo o processo a pedido da CEO, mas que sempre o fez à distância, até porque não se justificaria uma intervenção do Governo numa decisão empresarial.

"O que sempre esteve em causa foi a obtenção de um acordo" entre as partes, continuou, dizendo que os direitos da administradora que saía deviam ser respeitados. E esse acordo foi alcançado nos 500 mil euros, um valor que representava um “equilíbrio possível entre a defesa dos direitos da empresa e a salvaguarda dos direitos da administradora”.

Ciente do "alarme social" causado pela indemnização, é apenas a 26 de dezembro de 2022 que Hugo Mendes toma conhecimento do acordo, segundo o próprio. Até ali sabia "apenas" o que constava no anexo do acordo, num documento onde estavam grande parte das cláusulas indemnizatórias: manutenção do seguro de saúde por dois anos, do seguro de vida até 2024, do apoio judicial em litigâncias futuras, da manutenção do carro e do telemóvel, para lá do pagamento dos 500 mil euros.

“500 mil euros pareceu-me passível de ser aceite, não apenas por ser recomendado pela CEO, mas porque era um terço do valor inicial [proposto por Alexandra Reis]”, argumentou Hugo Mendes, explicando que, como vem no relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), foi o Governo a fazer força para reduzir o valor a pagar. "Eles perguntam-nos o que achamos [dos 1,5 milhões de euros] e eu pus à consideração do ministro, e ele achou que era muito elevado, e por isso a minha mensagem a pedir para baixar", disse, defendendo que Alexandra Reis até ganhava bem menos que o seu antecessor: "Ela ganhava 55% do salário do senhor David Pedrosa", atirou, falando num ordenado de 245 mil euros anuais, mas que, ao contrário de David Pedrosa, não incluía um bónus de um milhão de euros.

Portanto, parte do Governo sabia do acordo, sabia da indemnização, mas não todo o Governo. Hugo Mendes admite aí um dos dois lapsos em toda a atuação: não informou o secretário de Estado do Tesouro, algo que reconheceu que devia ter feito. "Devia ter comunicado esta situação ao professor Miguel Cruz", reiterou, justificando: "Foi um lapso meu, mas pareceu-nos que, do ponto de vista da avaliação política, pareceu-nos que a leitura política poderia ser feita por nós". Um lapso que, mais tarde, resultaria na demissão de todo o ministério.

Um dos dois erros, como se disse, porque houve outro: o comunicado redigido à pressa em que o ex-secretário de Estado, bem como o então ministro, Pedro Nuno Santos, anunciavam a sua demissão do Governo, pouco depois de também Alexandra Reis ter saído. Um comunicado cheio de "imperfeições e lapsos", uma vez que foi feito debaixo de pressão, e não com três dias de reflexão, defendeu Hugo Mendes.

O ex-secretário de Estado das Infraestruturas explica que, em conjunto com o ministro e a chefe de gabinete, tentaram "reconstruir o que se passou", passando para o comunicado tudo aquilo de que se lembraram "naquele momento". Ainda sobre esse comunicado, que chegou às redações às 00:30, Hugo Mendes disse que todos no gabinete tinham pressa em fazê-lo.

"Queríamos demitir-nos naquela noite", sublinhou, falando num "momento traumático" para alegar falta de memória sobre o momento da redação do texto.

CMVM, mentira ou não?

Outra questão foi o comunicado enviado à CMVM, que trouxe uma versão diferente. É que esse mesmo comunicado falava de uma "renúncia" de Alexandra Reis. André Ventura questionou, então, porque é que houve uma indemnização, tendo em conta que era vontade da própria sair da empresa, como parecia ser sugerido no comunicado.

Hugo Mendes defendeu que o comunicado foi feito "da empresa para o mercado", referindo que o Governo teve conhecimento, mas que não alterou o teor do texto. "Não nos metemos, o Governo não mexeu no comunicado", sublinhou, explicando que o executivo agiu de "boa-fé", antes de acusar, como fez por várias vezes, as sociedades de advogados presentes em todo o processo.

"Se calhar é uma formulação convencional, não fomos nós que escrevemos o comunicado. Foi escrito por quem negociou o acordo e nós fizemos boa-fé", afirmou, para depois dizer que "estavam duas sociedades de advogados reputadíssimas a negociar o processo", pelo que o Governo entendeu não ser necessário imiscuir-se no processo.

"A partir do momento em que tenho duas sociedades de advogados, tenho o apoio jurídico que as duas partes encontraram, porque é que eles não sabiam também que se aplicava o estatuto do gestor público?", questionou.

Mas o deputado do Bloco de Esquerda Pedro Filipe Soares sugeriu que essa não deve ser a questão, mas sim o facto de a situação não ter causado alerta no Governo. Hugo Mendes disse que uma coisa é saber em geral um diploma, outra coisa é aplicar a situação a um caso em concreto. "Isto partiu tudo de um princípio de confiança e boa-fé. Pode dizer-me que não devia ter confiado nos advogados, mas então onde paramos?", respondeu.

A opinião errada no voo de Marcelo

Hugo Mendes era secretário de Estado das Infraestruturas quando foi decidido dar uma indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis. O seu nome seria sempre importante na comissão de inquérito, mas um email conhecido mais tarde tornou-o um dos pratos fortes. O então governante enviou um email a perguntar à CEO da TAP sobre a possibilidade de alterar um voo entre Moçambique e Portugal, para acomodar um desejo do Presidente da República, e que prejudicaria 200 passageiros.

Na comissão de inquérito Hugo Mendes reconheceu que se tratou de uma "opinião" pela qual se penaliza. "Naturalmente penalizo-me pelo comentário que partilhei com a ex-CEO sobre o Presidente da República", admitiu, garantindo que só quis sinalizar o apoio que Marcelo Rebelo de Sousa deu ao resgate. Para isso, e no mesmo email, Hugo Mendes referia-se ao "principal aliado" do Governo, mas avisava que se poderia tornar o "pior pesadelo" caso certos parâmetros não fossem correspondidos.

Hugo Mendes disse várias vezes que só procurou endereçar à CEO da TAP um pedido. Mas um pedido de quem? Não se sabe. Aliás, Hugo Mendes não só não sabe quem lhe pediu o "favor", como foi à comissão de inquérito na esperança de que os deputados o ajudassem. "Até pensei que já pudessem ter alguma informação", afirmou, dizendo que é o primeiro interessado em saber a verdade. "Peço com veemência que descubram isso", reiterou.

O deputado do PSD Paulo Moniz insistiu, questionando quem enviou a mensagem a pedir a troca do voo que vinha de Moçambique, mas o ex-secretário de Estado voltou a dizer que não sabe, e que espera vir a saber. "Não sei senhor deputado", respondeu Hugo Mendes, dizendo que nessa mensagem estava a responder a uma dúvida "expressa pela CEO", tendo-lhe dado uma "opinião infeliz".

Segundo o ex-governante não estiveram em causa quaisquer "jeitinhos" ou "pressões" junto da TAP para acomodar a situação. No fim, lembrou, a CEO "tomou a decisão que entendeu", acabando por não mudar o voo.

"Foi errado, foi errado. Não representa uma instrução, nem de modo algum um padrão", terminou.

Alexandra Reis não foi a única

Um relatório recente da EY, que Hugo Mendes disse desconhecer, sinaliza que foram pagos 8,5 milhões de euros em indemnizações a outros 13 gestores, entre 2015 e 2023, mas o ex-secretário de Estado só soube do caso de Alexandra Reis. O mesmo relatório foi sinalizado pelo deputado da Iniciativa Liberal Bernardo Blanco, que destacou que os 500 mil euros pagos a Alexandra Reis representam apenas 6% desse bolo, que totaliza nove milhões de euros.

Hugo Mendes esclareceu que houve outras indemnizações, para lá dos gestores, em valores que chegaram a 250 mil euros. Indemnizações atribuídas a pilotos e a outras pessoas que trabalhavam há vários anos na empresa, e para as quais estavam guardados 83 milhões de euros.

"Havia 83 milhões para rescisões por mútuo acordo e admito que 40 e tal tenha sido consumido nesse processo", sublinhou, dizendo que não lhe parece que o pagamento de uma rescisão seja uma decisão estratégica, mas sim de "recursos humanos".

Frederico Pinheiro, o homem sorridente que vinha de um gabinete organizado

Quando esta comissão de inquérito começou havia um nome desconhecido da maior parte das pessoas. Mas, por causa de um episódio que envolveu agressões, polícias e até espiões, Frederico Pinheiro passou a um dos atores principais. Quem o conhece bem diz que é uma "pessoa intelegentíssima, versátil, rápida, trabalhador incansável...". Palavras de Hugo Mendes, que nunca viu no ex-adjunto de João Galamba qualquer agressividade.

É que, antes de assumir funções no novo Ministério das Infraestruturas, Frederico Pinheiro já estava na tutela, mas com Pedro Nuno Santos e, por associação, Hugo Mendes.

"Tenho a melhor das opiniões profissionais de Frederico Pinheiro", disse, referindo mesmo que o ex-adjunto perceberá muito mais de aviação do que ele próprio. Quanto à relação profissional, Hugo Mendes via em Frederico Pinheiro alguém que chegava "sempre com um sorriso" ao trabalho.

Declarações que contrastam com as de João Galamba e da sua equipa, que acusam Frederico Pinheiro de agressões e de roubo, num episódio que também deixou a nu algum desnorte no Ministério das Infraestruturas. Sem querer comentar o caso em específico, Hugo Mendes não quis deixar de dizer que, quando lá trabalhou, o ministério era feito de "pessoas extremamente dedicadas, de excelentes profissionais".

És tu, Pedro Nuno?

A sugestão foi feita pelo deputado do PSD Paulo Moniz, mas ficou desde cedo claro que o tom das declarações de Hugo Mendes era o mesmo que Pedro Nuno Santos tinha assumido na semana passada – e que vai assumir esta quinta-feira?

O ex-secretário de Estado das Infraestruturas puxou para o seu gabinete os vários méritos, nomeadamente os resultados positivos da TAP, que deu lucro em 2022. Paulo Moniz acusou o interveniente de “mimetizar” o ministro que consigo trabalhava: “Faz-me lembrar a retórica de Pedro Nuno Santos, o melhor ministro em décadas, que vai ficar conhecido como o maior ilusionista da política portuguesa”, ironizou.

Perante as críticas do primeiro-ministro, que até terá ficado furioso com a escolha de Hugo Mendes para o cargo, o próprio Hugo Mendes lembrou um facto: "Se eu fui membro do Governo foi porque o líder do Governo aceitou."

“Ouvi o senhor primeiro-ministro há umas semanas a dizer que as condições para um membro do Governo se manter num Governo se medem pelos resultados e os resultados da TAP são excelentes”, rematou o ex-secretário de Estado das Infraestruturas.

Comunicação com as Finanças? Acusação "ridícula"

O ex-secretário de Estado das Infraestruturas afirmou que a acusação de ter impedido a TAP de articular com o Ministério das Finanças é “ridícula”, sublinhando que as negociações com a Comissão Europeia intensificaram cooperação entre as duas tutelas.

Hugo Mendes lembrou que “foi o Ministério das Finanças que liderou o processo crítico” de negociações com a Comissão Europeia, em 2020, para o auxílio de Estado à companhia aérea e consequente plano de reestruturação, considerando, por isso, uma “acusação ridícula” a ideia de que impediu a companhia aérea de articular com a tutela financeira.

O ex-secretário de Estado da equipa de Pedro Nuno Santos sublinhou que as duas tutelas se pautavam por uma “intensa cooperação”, que se tornou mais forte dada a necessidade de negociar com Bruxelas, cujo único interlocutor direto era o ex-secretário de Estado do Tesouro Miguel Cruz.

“Esta comissão parlamentar de inquérito já ouviu quatro membros do Governo e quatro membros da administração que desempenharam funções enquanto estive com a tutela da TAP. […] Em nenhum momento alguma destas pessoas, a que se junta por ironia a própria ex-CEO, validou nesta comissão a tese que o Ministério das Infraestruturas queria proibir, controlar, condicionar ou dificultar as comunicações entre a TAP e o Ministério das Finanças”, apontou.

E acrescentou: “As únicas duas pessoas que criaram esta fantasia são gestores em litígio com o Estado sobre a sua forma de saída da TAP, e que acham que podem usar-se do meu nome para justificar atos de gestão”, referindo-se à ex-presidente executiva Christine Ourmières-Widener, e ao ex-presidente do Conselho de Administração, Manuel Beja, que foram exonerados por justa causa, na sequência da indemnização de 500.000 euros paga à ex-administradora Alexandra Reis.

Hugo Mendes disse que a comissão de inquérito, que está na reta final de audições, tem servido para “julgamentos sumários de caráter”, a partir de mensagens fragmentadas e avulsas, sem compreender o contexto, levando à intervenção do presidente da comissão de inquérito, a pedir que o depoente não fizesse aquele tipo de considerações.

O ex-secretário de Estado explicou, assim, o contexto da mensagem conhecida nas audições iniciais, onde Hugo Mendes indica à ex-CEO que a porta de entrada das comunicações entre a TAP e o Governo era o Ministério das Infraestruturas.

“Na audição de 4 de abril aqui a Comissão, quando o senhor deputado Bernardo Blanco questionou a ex-CEO da TAP se (e cito) ‘o Ministério das Infraestruturas e da Habitação lhe disse que só podia comunicar com este e com mais nenhum ministério, tendo sido repreendida quando falou com outro’ (fim de citação), a ex-CEO respondeu que esta mensagem (cito) ‘foi no seguimento de uma interação minha com outro ministério, não as Finanças”, lembrou Hugo Mendes.

O ex-secretário de Estado explicou ainda que o motivo da sua advertência se prendia com os contactos diretos que a ex-CEO começou a fazer com outros membros do Governo que não tutelavam a TAP, como por exemplo, do Ministério da Administração Interna.

“Desculpem a frontalidade, mas é simplesmente ridículo, para quem tem uma vaga ideia de como funciona um Governo, pensar-se que um ministério sectorial pode querer impedir a comunicação de uma empresa pública com o ministério mais poderoso do Governo, que representa o acionista e lhe controla as contas”, considerou Hugo Mendes, levando a nova intervenção do presidente e à reformulação da afirmação.

Relacionados

Governo

Mais Governo

Patrocinados