Ex-ministro João Leão responsabiliza três pessoas por não ter sido informado sobre os €500.000 de Alexandra Reis (e faz revelação sobre "nacionalização forçada")

CNN Portugal , MJC
6 jun 2023, 22:52
João Leão (Lusa)

O antigo ministro das Finanças afirma que soube do caso de Alexandra Reis pelos jornais. Ouvido na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, João Leão explicou ainda o processo negocial que levou ao pagamento de 55 milhões ao principal acionista da companhia aérea, fez uma revelação sobre dois decretos-lei que já estavam preparados e desmente qualquer dificuldade de relacionamento com o também ex-ministro Pedro Nuno Santos

"Só tive conhecimento da saída de Alexandra Reis aquando do comunicado à CMVM por parte da TAP. Foi o secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, que me alertou", afirmou João Leão, explicando que a nomeação desta administradora era da responsabilidade do Ministério das Infraestruturas.

Quanto à indemnização de €500.000 mil euros de Alexandra Reis (que foi entretanto forçada a devolver praticamente metade desse valor), João Leão afirma: "Só tive conhecimento do acordo quando foi tornado público pela comunicação social". Também não soube que Alexandra Reis já tinha colocado o lugar à disposição anteriormente. E não tinha conhecimento dos motivos da saída de Alexandra Reis. Não estranhou que a administradora alegasse que queria abraçar novos desafios profissionais: "Era um processo natural", disse João Leão.

Os deputados estranharam que o Ministério das Finanças não tenha sido informado da indemnização. E João Leão voltou a garantir: "Desconhecia em absoluto. E estou convencido de que não houve qualquer comunicação ao Ministério das Finanças".

O antigo governante explicou que o administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires, estava mais focado nas grandes questões da empresa, relacionadas com a liquidez e com a necessidade de injeção de capital na companhia. E não terá considerado relevante comunicar ao Ministério das Finanças a existência desta indemnização. "Tanto quanto sei, não foi o administrador que promoveu o processo e não teve participação direta. Desconheço qual era o seu grau de conhecimento e em que momento é que teve conhecimento", explicou João Leão, admitindo no entanto que talvez "pudesse ter comunicado". Mas esta não é a única pessoa responsabilizada pelo ex-ministro - João Leão aponta ainda ao antigo chairman e à antiga CEO.

"São questões de governança da empresa. Questões desta natureza têm que ver com o conselho de administração da empresa. Eles é que têm a responsabilidade de falar com o acionista. O chairman e a CEO da TAP é que deviam ter pedido a convocação de uma assembleia geral para nomear um novo administrador", afirmou. Portanto, admite o antigo ministro, "deveria ter sido comunicado" o que se estava a passar, mas a responsabilidade era da TAP. O ‘chairman’ e a CEO da TAP tinham de fazer a ponte com a tutela”, sublinhou.

Relação "muito produtiva" com Pedro Nuno Santos

Como era a sua relação com o ministro Pedro Nuno Santos?, perguntou o deputado Hugo Carneiro, do PSD. 

João Leão respondeu: "No âmbito da TAP, a nossa relação foi bastante produtiva e correu muito bem. Cada um estava focado nas suas áreas. O ministro das Infraestruturas focou-se mais na reestruturação operacional da TAP, nós focávamo-nos mais na situação financeira da empresa, na necessidade de injeções e na liquidez da TAP. Ao nível de secretários de Estado, o contacto com o Ministério das Infraestruturas era quase diário. Um dos dossiês mais importantes do secretário de Estado do Tesouro era o da TAP". 

Adicionalmente, acrescentou, ao nível dos secretários de Estado de ambos os ministérios, a frequência nas interações sobre a TAP era “quase diária”.

O então ministro das Finanças recorda que se "reunia com o grupo de trabalho da TAP com muita frequência" e que "nunca houve nenhuma dificuldade na relação entre os ministérios das Finanças e das Infraestruturas". 

O deputado social-democrata citou afirmações do ex-presidente do conselho de administração da TAP, Manuel Beja, na comissão de inquérito, em abril, sobre ter ficado com a impressão «de que a relação entre os dois ministros não era fácil. “Penso que ele não terá informação suficiente, não é a pessoa mais bem colocada para fazer afirmações dessa natureza. Nunca tive uma reunião com os dois em simultâneo”, respondeu o ex-ministro.

Os 55 milhões - e a "nacionalização forçada"

O ex-ministro das Finanças João Leão explicou esta terça-feira que os 55 milhões de euros pagos a David Neeleman para sair da TAP resultaram de uma negociação e não de uma fórmula, referindo que foram pedidos inicialmente “valores muito superiores”. O antigo responsável pelas Finanças foi questionado sobre este valor pago ao então acionista privado da companhia aérea e lembrou que “não é uma novidade de agora”, uma vez que o Governo o justificou de forma “transparente e clara” há três anos.

"A TAP estava numa situação desesperada." O Estado teve de agir para tentar chegar a um acordo, avaliando os riscos se não se chegasse a esse acordo. "No nosso entender, fizemos uma negociação muito dura, fomos extremamente exigentes e transparentes. O acionista privado foi forçado a reduzir as suas exigências até um valor que se considerou razoável e que compensava claramente perante a opção de uma nacionalização forçada."

João Leão garantiu que ainda enquanto secretário de Estado do Orçamento, cargo que ocupou entre 2015 e 2020, não teve "nenhuma intervenção direta no processo da TAP". "Não acompanhei de perto o processo de avaliação e privatização da TAP", afirmou várias vezes, justificando assim o seu desconhecimento relativamente ao que aconteceu na companhia nesse período. "Era uma empresa privada, com uma participação do Estado", mas em que este não tinha responsabilidade executiva.

De qualquer forma, sublinhou que ao assumir o cargo de ministro, em junho de 2020, "a TAP não estava suficientemente capitalizada", ou seja, "nesse processo de privatização ficou com um perfil muito débil de capitais próprios", o que viria a prejudicar a empresa durante a pandemia, levando à necessidade de uma intervenção do Estado. Em 2020, perante as dificuldades provocadas pela pandemia, o Estado teve de ajudar empresas e famílias para que a economia pudesse recuperar. Nesta altura, a situação da empresa era "bastante vulnerável, com capitais próprios frágeis". Ficou claro, desde muito cedo, que a empresa precisaria de recorrer ao apoio de emergência. O então secretário de Estado também não acompanhou o processo do grupo de trabalho que tratou este processo.

"Temos de balizar isto no contexto de incerteza em que se vivia, não sabíamos quanto tempo a incerteza ia durar. Percebeu-se logo que não se ia lá com remendos." Foi então decidido um auxílio de emergência de 1.200 milhões de euros à companhia. Mas "também ficou claro que da parte dos acionistas havia um bloqueio a esse empréstimo". "Portanto, chegou-se a um impasse. A TAP estava na iminência de um colapso, não conseguia pagar aos seus trabalhadores nem cumprir os seus compromissos." Além disso, disse João Leão, "um empréstimo numa resolveria o problema estrutural da TAP".

Perante a iminência de a TAP "entrar em colapso" devido às consequências da pandemia de covid-19 na aviação, o objetivo do Governo, segundo João Leão, era não deixar a companhia aérea morrer ou fechar, sendo que perante o bloqueio do acionista privado havia duas opções: "O Estado ou chegava a acordo com os acionistas ou fazíamos uma nacionalização forçada. Tínhamos os dois decretos-lei preparados até ao último momento".

O antigo governante explicou que “ir para uma negociação tão delicada de um programa de reestruturação, em que a TAP era a única companhia aérea nessa situação em litígio, com o principal acionista num contexto de uma nacionalização forçada fragilizaria muito a posição do Estado num acordo tão delicado como foi o de obter a aprovação da Comissão Europeia”.

O Estado preferiu chegar a um acordo em vez de proceder a uma nacionalização forçada. "Foi uma negociação muito exigente. Tínhamos pouco tempo porque a TAP podia entrar em falência em poucas semanas. Foi preciso negociar com os acionistas e conseguir baixar o valor, que foi muito abaixo do que inicialmente eles podiam", afirmou. “O acionista começou a pedir valores muito superiores ao Estado, mais na ordem dos 200 milhões de euros (…), o Estado teve de fazer uma negociação muito exigente para que o valor ficasse dentro do nível razoável.” Assegurou ainda que o Estado “foi extremamente rigoroso e exigente” e "conseguiu pagar apenas uma fração do inicialmente exigido". Neste processo, o Governo teve o aconselhamento jurídico da sociedade de advogados Vieira de Almeida.

A TAP podia entrar em falência, diz o ex-ministro. O Estado chegou a um acordo com os acionistas, acordando a saída de David Neeleman pagando-lhe 55 milhões de euros. De acordo com o antigo ministro, estes 55 milhões que foram pagos a Neeleman correspondem à compra de 22,5% das ações (passando o Estado a ter o controlo da empresa), à "recalibragem dos direitos económicos" e depois às prestações acessórias. 

"Desta forma, o Estado passa a ter o controlo da empresa e a poder salvar a TAP", explicou João Leão.

Com este acordo, Neeleman "abdica de qualquer litigância face ao Estado", o que, segundo João Leão, permitia que o acionista privado abdicasse de obter aquilo a que considerava que podia ter direito se recorresse a tribunal, recordando que "o Estado ia entrar num processo muito exigente de negociação de um programa de reestruturação da TAP com a Comissão Europeia".

Além das vantagens económicas, o acordo iria permitia implementar um plano de de reestruturação da companhia, evitar a falência, manter os trabalhadores e pagar aos fornecedores. E ainda  evitava "custos reputacionais para o Estado de promover uma nacionalização forçada associados à atração de investidores nacionais e estrangeiros". 

Na opinião de João Leão, "a TAP tem uma importância para o país absolutamente estratégica e essa é uma das razões que levaram o Estado a querer salvar a TAP". E estava "integrada numa estratégia do país, para o turismo e de ligação à diáspora".

Da reestruturação à privatização

O deputado André Ventura, do Chega, insinua que houve uma sobrecapitalização da TAP com o objetivo de a privatizar mais tarde. João Leão recusa essa alegação. "O objetivo inicial era salvar a TAP. A TAP estava em risco de derrocada." Depois, "quando se começou a preparar o plano de reestruturação, havia sempre consciência que para a TAP ser competitiva era importante estar integrada num grupo aéreo maior, que lhe desse mais robustez". Foi assim que começou a surgir a ideia de que fosse pelo menos parcialmente privatizada, "sempre com a preocupação de preservar o hub de Lisboa".

“Penso que era partilhado dentro do Governo que era importante a determinada altura […] que se começasse a ouvir potenciais investidores privados interessados e que a TAP fosse, ainda que parcialmente, privatizada. […] Penso que nunca se escondeu essa vontade”, referiu.

"O plano de reestruturação e os montantes aprovados pela Comissão Europeia permitiram capitalizar a TAP - ao ponto de alguém questionar que tenha havido uma sobrecapitalização", ironizou. No entanto, deixou claro que "qualquer montante que se ponha na TAP reflete-se na valorização da TAP e no valor que se poderá readquirir na venda". "Não há nenhum risco de perda ou lesão do Estado", explicou, sublinhando que a TAP não pode receber apoios dos Estado nos próximos dez anos. 

E concluiu: "Estou convencido de que a TAP vai ficar bem capitalizada. O plano de reestruturação está a correr melhor do que nós previmos. A TAP vai ter resultados positivos mais cedo do que esperávamos".

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