Um ano da morte de Isabel II. Na livraria mais antiga de Londres compram-se livros da rainha para “guardar e não para ler”

Andreia Miranda , Em Londres, Reino Unido
9 set 2023, 12:00
Livraria Hatchard's em Londres (Foto: Tristan Fewings/Getty Images)

Era em Hatchard's, a livraria mais antiga de Londres, fundada em 1797, que a rainha deixava a lista de livros que queria que lhe fossem entregues

Se escrevêssemos ficção, a narrativa seria perfeita. À abertura da loja, ainda com as ruas de Londres meio desertas, a rainha Isabel II sairia do Palácio de Buckingham com os seus Corgis pela trela e seguiria pelo Green Park, como qualquer outra pessoa que vai apenas passear os cães. Depois, virava à direita em Picadilly e seguia despreocupadamente até à livraria Hatchard’s onde deixaria uma lista de livros que queria que lhe fossem entregues em Sandringham (ou até mesmo em Buckingham), à semelhança do que a rainha Victoria fez no seu tempo. Com um aceno real, despedia-se e voltava a Buckingham, tranquilamente, com a caminhada matinal feita e os livros encomendados. 

Certamente não terá sido a rainha Victoria a levar a lista dos livros à livraria histórica no centro de Londres - e que detém vários títulos reais -, mas o certo é que o pedido chegou e a biblioteca do castelo em Norfolk acabou abastecida com livros levados do centro de Londres.   

Hatchard's é, nada mais nada menos, do que a livraria mais antiga de Londres. Fundada por John Hatchard em 1797, é detentora de três mandatos reais e local de passagem de vários autores prestigiados.  

Para os amantes de livros é um pequeno paraíso com quatro andares, livros para todos os gostos e idades, pequenos recantos para ler – alguns junto às janelas, outros no meio dos livros e também um ou outro com mesas para apontamentos – que fazem com que seja possível perder-se por horas no meio das estantes. E é no topo das estantes do piso da entrada que se encontram (ainda, mas já lá iremos) inúmeras obras sobre Isabel II. Primeiro, temos de descer à cave da livraria onde, na mesa do lado direito das escadas, como que escondido que atrás do computador, está Francis Cleverdon, gerente da livraria de Picadilly e vendedor de livros há mais de 50 anos.  

Quase como quem sussurra, conta-nos como é que é a relação da loja com a família real, mas com uma ressalva: não são permitidos comentários à relação atual, o que não quer dizer que não haja olhares reveladores. Afinal, há olhares que valem mais do que mil palavras.  

A biblioteca de Sandringham  

Vamos então à lição de história contada por Francis Cleverdon. “A loja começou no final do século XVIII, ou seja, em 1797. E a primeira coisa de que temos conhecimento é que vendemos um livro à Rainha Carolina, por volta de 1810. E esse foi o início de uma longa relação que se mantém até hoje. Nós, a loja, começámos por ser um dos grandes pontos de encontro antiescravatura e a publicar livros.”  

A relação com a família real viria a crescer durante o século XIX quando, em conjunto com a rainha Vitória, tiveram bastantes projetos.  

“Fizemos muito com a Rainha Vitória, acabando por montar a sua biblioteca no palácio de Sandringham, por volta de 1900. Construímos a biblioteca e fornecemos todos os livros e outras coisas. E a relação tem-se mantido desde então, basicamente”.  

A biblioteca de Sandringham ficou repleta em 1900 e atualmente, continuam a fornecer livros para a família real. “Não posso comentar”, diz Francis, com o tal olhar que vale mais do que mil palavras.  

É também com esse brilho no olhar que o gerente revela que conheceu a rainha Isabel II e o rei Carlos.  

“Conheci a antiga rainha, conheci, de facto, sim. E ela era espetacular”, afirma, sem acrescentar mais uma palavra. Chegámos à parte em que não são permitidos comentários, é hora das leituras, ou não estivéssemos nós rodeados de livros.  

Livros para todos os gostos  

Para Francis, a procura pelos livros sobre a rainha Isabel II não vai terminar em breve, assim como a publicação dos mesmos. Apesar da maioria das publicações ter acontecido logo a seguir à morte da monarca e à coroação de Carlos III, o gerente da Hatchard's diz acreditar que a procura “vai continuar por muito tempo”.  

“Isabel II foi uma grande monarca e durou tanto tempo. Há muito que falar sobre ela e acabará por se tornar uma personagem histórica, mas provavelmente só daqui a alguns anos.” 

Prova disso é que Francis consegue – de cabeça – sugerir um livro para cada tipo de leitor que queira conhecer melhor a antiga rainha.  

“Há tantas biografias, no sentido em que, por vezes, se quisermos uma curta, devemos ter esta. Se quiser uma grande, deve ficar com aquela. E se quisermos uma alegre, devemos ficar com esta. Uma boa linha intermédia é a biografia muito, muito boa e muito divertida da Rainha de Giles Brandreth (“Elizabeth, an intimate portrait”), um autor que é um amigo da família real e acabou de fazer uma versão atualizada para cobrir as coroações, os funerais e outras coisas. Já a grande biografia académica do momento, a enorme, é de Robert Hardman (Queen of Our Times: The Life of Elizabeth II).  E depois o mais pequeno, provavelmente da Joanna Lumley (A Queen for All Seasons: A Celebration of Queen Elizabeth II)”.  

Um livro para guardar  

A conversa com Francis termina como começou, em sussurro. É hora de subir as escadas alcatifadas e rumar ao andar de cima. Foi lá que, atarefado, a correr entre clientes, encontrámos Tobias Jennings, que nos explicou que “as pessoas continuam a procurar mais livros da rainha do que do rei Carlos”, apesar das vendas já terem começado a diminuir.  

No entanto, a loja continua a vender mais livros que as pessoas querem “guardar e não ler”. “E são comprados principalmente por turistas - os americanos, os europeus continentais. Já os ingleses, compraram em momentos mais próximos da altura da morte da rainha ou da coroação. As vendas agora estão mais relacionadas com o turismo do que com qualquer outra coisa”.  

Quanto a livros novos, “foram publicados muitos e muitos livros novos para ambos, tanto depois da morte da rainha como até à coroação”, sendo que as pessoas compram não pela novidade, mas pela recordação.  

“Parece que as pessoas não se importam particularmente com o que está no livro. É mais pelo facto de ser um livro sobre a rainha. E é mais como uma espécie de memória. Algo para guardar e não para ler. Algo para guardar. Uma recordação, em vez de ler sobre ela.”  

O também gerente de loja revela ainda que um dos livros que mais vendeu sobre o rei Carlos foi o livro fotográfico de Chris Jackson

“O Chris Jackson assinou muitas cópias para nós. E, na verdade, o que faz com que as coisas vendam quando se trata de temas reais é dizer que está assinado. Muitas vezes, as pessoas ficam entusiasmadas quando veem isso. ‘Oh, está assinado pela rainha ou pelo rei. Mas na verdade é sempre assinado pelo Chris Jackson, porque ele é o fotógrafo, veio cá e assinou várias vezes. Até à coroação, este era o nosso bestseller. São só fotografias, tem pequenos pedaços de escrita, mas essencialmente é fotografia”, diz Tobias enquanto pega no livro e o vai devolver à pilha colocada por debaixo de uma foto da rainha Isabel II, uma espécie de altar no meio de uma livraria histórica.  

Depois, despede-se e regressa à correria do dia a dia. Pelos corredores e andares da livraria há quem pare a ler, quem se demore por uns instantes junto das estantes sobre a família real. Junto à mesa que exibe vários exemplares de “Elizabeth, an intimate portrait” encontramos George, concentrado a ler. O telefone toca, ele atende. Depois de umas breves palavras com quem está do outro lado, regressa para o universo dos livros. O marido aproxima-se e, como quem acabou de tomar uma decisão que não pode esperar, anuncia-lhe: “Vou levar este livro”. Perguntamos-lhe porquê: “Comecei a ler o livro aqui na loja e é focado na vida dela e nas pessoas que foi conhecendo. Gostava dela e, como não sei muito sobre a vida dela, quero aprender”, diz, enquanto sorri e se dirige para a caixa. Para guardar ou para ler, George levou um livro para casa sobre a rainha que ainda faz o olhar de Francis brilhar.  

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