Depois de mais uma semana de expectativa, houve mesmo uma manifestação contra a imigração em Lisboa e alguns momentos de tensão. "Portugal aos portugueses" pediram cerca de 100 extremistas na marcha contra a islamização da Europa. "Todos os imigrantes são bem vindos" apregoaram os quase 500 que estiveram no arraial multicultural
A 82 dias do 50.º aniversário do 25 de Abril, no coração da capital houve uma marcha xenófoba e racista, organizada pelo grupo de extrema-direita intitulado Grupo 1143, em que se gritou por Salazar, se cantou o hino (dezenas de vezes) e em que se empunharam archotes contra a islamização, ao estilo do Ku Klux Klan. Pela frente, os cerca de 100 extremistas encontraram várias vozes que, ignorando quaisquer eventuais risco, gritaram por Abril e contra a xenofobia: “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”, foi uma das frases mais ouvidas na tarde, deste sábado.
No Intendente, decorria, ao mesmo tempo, a contra-manifestação a que chamaram um arraial multicultural contra o racismo e xenofobia, que contou com a presença de meio milhar de pessoas, e onde reinou a boa disposição, a festa e a música. Aqui, também se ouviram palavras de ordem como “racistas, fascistas, não passarão” e “abaixo Mário Machado”. Em cartazes, lia-se ainda: “Facho, és o único estrangeiro do bairro” ou “todos os imigrantes são bem vindos”.
Enquando no Intendente se cantava e dançava, às 16:00, começou o ajuntamento de extrema-direita na calçada do Largo de Camões, perto do Bairro Alto. Pouco a pouco o grupo foi ganhando dimensão. O líder é Mário Machado, que foi tentando receber e falar com quem chegava. Acabaram por ser cerca de 100 os que decidiram marcar presença atrás de duas faixas que dizem: “Portugal aos portugueses” e “Stop Islam”.
Ainda não tinham dado um único passo e uma mulher, na casa dos 50 anos, enfrenta o grupo, diz que “não passarão” e para “terem vergonha” - foi a primeira das muitas vozes que seguiram durante o fim de tarde. Rapidamente juntou-se mais um homem, de cabelo já branco e boina (a fazer lembrar as imagens da revolução), reforçando a mensagem contra o que está prestes a começar: "Fascismo nunca mais!", grita com todas as forças que parece ter.
O contingente policial é musculado, à semelhança do que acontece nos clássicos de futebol. Após o discurso inicial de Mário Machado, em que lembrou que o evento era para ser no Martim Moniz e pediu que não houvesse resposta a qualquer provocação, há novo momento de tensão: ao longe dois jovens de 18 e 19 anos aproximam-se e, sem rodeios, gritam palavras de ordem e acusações contra o Grupo 1143: “Isto é uma vergonha. Morte aos fascistas!”.
Um chama-se Pedro e o outro prefere não ser identificado. À CNN Portugal, explicam que não têm “medo de morrer” e dizem que são “a verdadeira resistência”. Contam que estiveram na contra-manifestação no Intendente, onde estava “pessoal do CDS e estava tudo bué pacífico”, e foram ao Largo de Camões com o plano falhado de tentar “entrevistar neonazis”.
“Porque é que há grupos neonazis? Como é que podem dizer que isto é democrático? Porque é que mais gente não faz o que nós fizemos? Têm medo?”, questionam.
Os gritos dos jovens foram interrompidos por um casal que estava na marcha e os abordou, denunciam que foram “ameaçados de porrada”. O amigo de Pedro confessa que está “nervoso” e que sabe que podem existir represálias pelo que fizeram: “Sei que um destes gajos me pode vir matar a qualquer momento, mas não quero saber”. Já Pedro diz que continua calmo. São interpelados por outros dois jovens, um rapaz e uma rapariga, que assistiam à margem do protesto: “Parabéns pela coragem, mas tenham cuidado”, aconselham.
Acendem-se os archotes e Mário Machado faz novo discurso em que lembra batalhas da História nacional, faz críticas ao presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, e lembra que Portugal é um país com 900 anos: “Sempre estivemos aqui e cá continuaremos”.
Do grupo sai um grito de ordem em tom de aviso e promessa: “Tenham calma que as manifestações não se ficam por aqui”.
Após novo discurso, agora dedicado à imprensa, Mário Machado é questionado pelos jornalistas e explica que “as soluções são muito simples, três palavras: Portugal aos portugueses”. Antes dos primeiros passos, foi momento de acender várias tochas vermelhas, iguais às que usualmente são usadas pelas claques de futebol, e cantar-se o hino de Portugal.
Entre o cheiro característico a tocha queimada, começa a marcha e bastou passar a estrada para novo momento de tensão, um homem que assiste ao protesto grita a pulmões cheios: “25 de abril sempre, fascismo nunca mais”. O cabelo já bastante grisalho denuncia que sabe o que é viver em ditadura.
O grupo responde com: “Viva Salazar”.
A marcha segue dentro do cordão policial à semelhança do que acontece com as claques dos três grandes em dia de clássicos. Eis que uma manifestante de óculos escuros e cabelo cor de rosa irrompe para a frente da marcha. Não verbaliza qualquer palavra e apenas levanta um cartaz com a inscrição: “Direito ao aborto, eis o porquê” e uma seta que apontava para a manifestação. Segue-se novo cartaz: "Circo →".
O grupo não esconde a fúria à provocação e rapidamente batiza a mulher de cabelo rosa de “Greta”, numa referência à ativista sueca Greta Thunberg. “Vai tomar banho. Oh porca, vai tomar banho. Oh esquerda, vai tomar banho. Sai daí, oh Greta”, gritam ao estilo dos cânticos das claques.
“Que nojo”, diz alguém que assiste ao protesto a passar. Os turistas ficam incrédulos, na sua maioria, ao serem apanhados por uma manifestação extremista enquanto passeavam pelos armazéns do Chiado. Também foi aqui que, vindo de uma rua transversal, aparece um novo grupo de manifestantes contra marcha do Grupo 1143: “25 de Abril sempre”, volta a ouvir-se e voltam-se a agitar os ânimos.
À passagem da manifestação, Patrícia foi uma das pessoas que levantou a mão com um insulto ao grupo, sempre em silêncio. Em resposta, um dos manifestantes atirou-lhe a tocha, tendo sido admoestado por um colega que lhe disse: “Não estamos aqui para responder a provocações. Ela foi paga para estar aqui".
À Lusa, Patrícia nega: “Não sou de nenhum partido. Portugal é nosso e não deles. Portugal é de todos e não destes medievais".
“Portugal é nosso e há-de ser” era uma das poucas músicas cantadas pelo grupo, além do hino nacional. Apesar de vários momentos de tensão, Mário Machado insistia para que os manifestantes não reagissem a insultos e respeitassem as autoridades, que montaram um forte dispositivo de segurança em redor da centena de ativistas.
Chegados à Câmara Municipal de Lisboa, Mário Machado volta a discursar. Lembra Viriato, D. Afonso Henriques e os milhares de portugueses que gostariam de ter participado na manifestação, mas não o fizeram. Justifica que a marcha contra a islamização da Europa terminou com o grupo de costas voltadas para a autarquia, porque “ali atrás sentam-se traidores”. Pede que se cante o Hino Nacional uma última vez e lembra: “Nunca fomos a manifestações da extrema-esquerda e eles vieram à nossa”.
Na rua adjacente à Câmara de Lisboa, estão cerca de uma dezena de jovens contra a marcha que foram gritando palavras de ordem e acompanhando o Grupo 1143 desde os armazéns do Chiado. Quatro deles aceitam ser entrevistados. Têm entre 22 e 24 anos e só um é rapaz. Explicam que passaram a tarde no arraial no Intendente, onde dizem que "estiveram centenas de pessoas, mas decidiram passar ali porque “hoje são os migrantes, mas é só o início”.
“É preferível que nos façam mal do que prevaleçam e fiquem na História. Citando Karl Popper, não podemos ser tolerantes com os intolerantes”, diz uma das raparigas, tem 23 anos.
O grupo acredita que a extrema direita tem como objetivo “dividir a população e daí a partir a democracia está claramente ameaçada”. Os quatro jovens garantem que não têm receios de estar ali: “Somos os que estamos bem e a História social e política ensina-nos isso, eles é que não deviam estar aqui a defender este tipo de ideologias”.
No Intendente, o ambiente era diferente. O rapaz de 24 anos explica que “estava imensa gente”: “Uma festa que até parece um concerto. Uma celebração”.