Parlamento aprova despenalização da eutanásia. O que diz a nova lei que está agora nas mãos de Marcelo

9 dez 2022, 17:39

A decisão quanto à despenalização da eutanásia está agora novamente nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, que não tem facilitado o processo, entre vetos e envios para o Tribunal Constitucional

O Parlamento aprovou esta sexta-feira, em votação final global, o texto final que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e que altera o Código Penal nesse sentido. A despenalização da eutanásia voltou a marcar o debate político nas últimas semanas, e já lá vão mais de 20 anos sem que se tenha chegado a um consenso sobre esta matéria. Mas, afinal, o que diz o diploma aprovado esta sexta-feira?

O documento despenaliza a morte medicamente assistida que ocorre "por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade". Além disso, o doente tem de estar numa das seguintes situações: ou com "lesão definitiva de gravidade extrema" ou com uma "doença grave e incurável".

Desta vez, em comparação com o último decreto, o texto de substituição deixa cair a exigência de "doença fatal", como pretendia Marcelo.

A concretização da morte medicamente assistida "não pode ter lugar sem que decorra um período de dois meses a contar da data do pedido de abertura do procedimento", salienta o diploma. Ao longo desses dois meses, "o pedido pode ser livremente revogado a qualquer momento" e o doente tem sempre a hipótese de aceder a cuidados paliativos, se assim o entender.

Ao longo de todo o processo, o doente será também acompanhado por um psicólogo, começando desde logo com uma consulta até dez dias a contar desde o início do procedimento, "de modo a garantir a compreensão plena das suas decisões, em si próprio e naqueles que o rodeiam, mas também o esclarecimento das relações e comunicação entre o doente e familiares, assim como entre o doente e os profissionais de saúde que o acompanham, no sentido de minimizar a possibilidade de influências indevidas na decisão".

O doente será acompanhado ainda por um médico orientador (escolhido pelo próprio doente) que deve emitir, no prazo de 20 dias a contar da abertura do procedimento, um "parecer fundamentado sobre se o doente cumpre todos os requisitos" mencionados acima. Além disso, deve prestar ao doente "toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos, e o respetivo prognóstico, após o que verifica se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada".

"Se o parecer do médico orientador não for favorável à morte medicamente assistida do doente, o procedimento em curso é cancelado e dado por encerrado e o doente é informado dessa decisão e dos seus fundamentos pelo médico orientador, podendo o procedimento ser reiniciado com novo pedido de abertura", pode ler-se no documento.

Caso o procedimento avance, "pode ser praticado nos estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde e dos setores privado e social que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado". Já a escolha do local para a prática da morte medicamente assistida cabe ao doente, ressalva o diploma.

Os vetos de Marcelo

A decisão quanto à despenalização da eutanásia está agora novamente nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, que não tem facilitado o processo, entre vetos e envios para o Tribunal Constitucional.

Em janeiro do ano passado, o Parlamento aprovou a lei da eutanásia com 136 votos a favor das bancadas parlamentares do PS (com excepção de oito deputados), do Bloco, do PAN e do PEV, assim como 14 deputados do PSD, o deputado da IL, João Cotrim Figueiredo, e as deputadas não-inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. O PCP, o CDS e o deputado do Chega, André Ventura, votaram contra, assim como nove deputados do PS e 56 do PSD – num total de 78 votos contra. Houve ainda quatro abstenções – duas do PS e duas do PSD.

Apesar da maioria, o Presidente pediu ao Tribunal Constitucional que analisasse o diploma, justificando a decisão por considerar que o texto recorria a "conceitos excessivamente indeterminados". O tribunal acabou a dar razão a Marcelo, considerando "imprecisas" as condições para a eutanásia, com expressões como "lesão definitiva de gravidade extrema".

Cerca de 11 meses depois, Marcelo vetou a proposta de lei sobre a morte medicamente assistida, solicitando uma clarificação do que do que "parecem ser contradições no diploma quanto a uma das causas do recurso à morte medicamente assistida". Isto porque o texto referia, no mesmo artigo, duas causas que o Presidente considerou incongruentes: "doença incurável e fatal" e "doença grave ou incurável". 

"Ora, uma coisa é uma doença grave, outra uma doença incurável, outra ainda uma doença fatal. Em matéria tão importante como esta — respeitante a direitos essenciais das pessoas, como o direito à vida e a liberdade de autodeterminação –, a aparente incongruência corre o risco de atingir fatalmente o conteúdo”, advertiu Marcelo, numa carta divulgada no site da Presidência, pedindo, por isso, ao Parlamento que clarifique se é exigível "doença fatal", se só "incurável" ou se apenas "grave" para a morte medicamente assistida. 

Prevendo um cenário em que o Parlamento opte por renunciar à "exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida”, Marcelo classifica tal decisão como uma "solução mais drástica e radical", afastando-se da solução de alguns estados norte-americanos e do Canadá, por exemplo. 

"Corresponde tal visão mais radical ou drástica ao sentimento dominante na sociedade portuguesa?", questiona Marcelo, na mesma carta. “Trata-se de saber em que bases se apoia a opção pela solução mais drástica e radical, se for essa a opção da Assembleia da República”, acrescenta.

Agora que se sabe qual a solução encontrada pelo Parlamento, resta saber qual será a decisão do Presidente da República, que já garantiu que vai dar uma "resposta rápida".

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