Um ano após a publicação de “Eu sou um gato”, Natsume Soseki abandonou a carreira académica e consagrou a sua vida inteiramente à escrita
O romance “Eu sou um gato”, do escritor japonês Natsume Soseki, que há 118 anos lhe deu notoriedade ao satirizar a era Meiji do Japão e abriu portas à ficção japonesa moderna, será publicado pela primeira vez em Portugal.
O romance inaugural de Natsume Soseki, considerado o pai da ficção moderna japonesa, chega na quarta-feira às livrarias pela Presença, trazendo uma história satírica relatada por um gato, que ao descrever as pessoas e situações que vê, faz uma crítica social do Japão e da sua difícil adoção das ideias ocidentais.
A situação passa-se em Tóquio, na era Meiji (1868-1912). Nesta época que modernizou o Japão, um gato vagueia pelas ruas da cidade e é adotado, contra a sua vontade, pelo professor Kushami, um homem mal-humorado cuja vida perdeu todo o interesse.
O felino protagonista da história observa os humanos, a começar pelo professor que o acolheu, descrevendo a sua estupidez, o seu círculo de amigos e a forma como ocupa o seu tempo.
Este homem, pertencente à classe média de Tóquio, é o tipo de pessoa que se irrita quando as crianças da vizinhança atiram uma bola para o seu jardim, com um pau de madeira, porque o basebol tinha acabado de chegar ao país.
O gato narrador vai tecendo “argutas” e “mordazes” apreciações sobre as personagens que desfilam à sua volta, traçando “um retrato sarcástico e acutilante da sociedade japonesa”, descreve a editora.
Recorrendo a teses e ideias de filósofos e escritores passados e seus contemporâneos, Natsume Soseki revela aquela que considera ser a mudança necessária para o país que o viu nascer, propondo uma nova forma de pensar e escrever, sem nunca deixar, também, de olhar para o Ocidente.
O próprio título do livro, no original, “produz um efeito cómico, ao utilizar uma palavra, sem tradução exata equivalente, para o pronome na primeira pessoa [a língua japonesa tem vários pronomes para "eu"], que era utilizado por funcionários públicos, militares, políticos, etc., e dava a impressão de arrogância”, segundo uma nota do tradutor.
Este romance foi publicado após um período de três anos que o autor passou no Reino Unido, para aprofundar os seus conhecimentos de literatura inglesa, área em que se formou na Universidade Imperial (atual Universidade de Tóquio), em 1893, e onde, posteriormente, lecionou.
Nascido em 1867, em Edo, antiga cidade de Tóquio, no seio de uma família de samurais em declínio, Natsume Sosequi era o mais novo de oito filhos e foi entregue mais do que uma vez para adoção.
Aos nove anos, após o divórcio do casal adotivo com quem vivia, voltou para casa, onde foi recebido com carinho pela mãe, mas a contragosto pelo pai.
A morte da mãe e de dois irmãos durante a adolescência aumentaram a sua insegurança e marcaram a sua personalidade.
No liceu, entusiasmou-se com a literatura chinesa e alimentou a ideia de um dia vir a ser escritor, mas a família rejeitou esta sua pretensão, pelo que quando ingressou na universidade, foi com a intenção de se formar em arquitetura.
Contudo, começou a estudar inglês, ciente de que esta língua lhe seria útil numa futura carreira.
Um ano após a publicação de “Eu sou um gato”, abandonou a carreira académica e consagrou a sua vida inteiramente à escrita.
Os principais temas presentes nas suas obras são a luta das pessoas contra dificuldades económicas, a lealdade e o espirito de grupo em confronto com a liberdade e a individualidade, o isolamento pessoal, a rápida industrialização do Japão e as suas consequências sociais, o desprezo pela imitação da cultura ocidental e uma visão pessimista da natureza humana.
Natsume Soseki morreu em 1916, aos 49 anos.