Heróis sem fé: algo vai mal no reino da Dinamarca

7 out 2015, 23:50
Dinamarca-Portugal

Daniel Jensen, que marcou o golo da única vitória dinamarquesa em Portugal, e Kim Vilfort, campeão da Europa em 1992, explicam o ambiente em torno de um grupo que acredita que dificilmente escapará ao playoff. Mesmo que ganhe em Braga

Resignada e sem espaço para surpresas. Com o aproximar do fim da caminhada para o Euro 2016, o ambiente que parece vir do reino da Dinamarca é de descrença. O playoff está garantido e, acredita-se, será por aí o destino da seleção de Morten Olsen.

Pelo menos a julgar pelas opiniões que escutámos. Ambas de referências do futebol local: Kim Vilfort e Daniel Jensen. O primeiro foi um dos heróis do Euro 92
, autor, inclusive, de um dos golos da final frente à Alemanha. O segundo, é certo, nunca foi campeão da Europa, mas também marcou um golo que, não sento tão relevante na história do país, torna-se importante para este embate específico: deu à Dinamarca a única vitória em solo português, numa estranha noite em Alvalade com o Portugal de Queiroz.

«Foi um jogo fantástico, ficou-me marcado na memória. Estivemos a perder duas vezes e conseguimos ganhar. Foi a única vez que a Dinamarca ganhou em Portugal. Vinha mesmo a calhar repetir agora»
, brinca Daniel Jensen, em conversa com o Maisfutebol.


Mas a verdade é que o médio, que aos 36 anos ainda joga no Lyngby do seu país, acha complicado que o feito possa ser repetido. «Vai ser muito difícil, especialmente porque a Dinamarca sabe que precisa dos três pontos e, mesmo assim, pode não chegar. Aliás, devem fazer uma de duas coisas: dar tudo para ganhar e ficar a torcer por fora ou ir a Portugal aproveitar o jogo e preparar-se já para o playoff».


O jogo de Braga será o último da Dinamarca, que tem 12 pontos
, menos três que Portugal e mais um do que a Albânia. O problema (extra) é que portugueses e albaneses ainda têm outro jogo. As contas dinamarquesas são difíceis por isso.

Kim Vilfort assume isso mesmo, também em declarações ao nosso jornal: «É difícil conseguir o apuramento direto. Para isso tínhamos de ganhar em Portugal e isso seria uma grande surpresa. O mais provável é que não ganhemos e a Albânia tem dois jogos, um deles em casa, e é provável que possa ganhar.»


«Vai ser um jogo difícil para a Dinamarca»
, suspira o herói de 92. « Diria que já seria bom um empate, até porque é um resultado que serve a Portugal e pode deixá-los também satisfeitos. Para nós, mesmo dificultando o apuramento direto, não era mau, pelo resultado em si. A jogar fora a nossa equipa não é muito boa
», lamenta.

E ainda acrescenta: «Perder por um ou dois, num resultado normal, também não era uma catástrofe, porque, pelo menos, não abalava a moral da equipa para o playoff.»



A festa dinamarquesa no Euro 92


«Em Copenhaga, um ponto já teria sido muito para Portugal...»


Como se disse, só por uma vez, no tal jogo a caminho do Mundial 2010, a Dinamarca venceu em Portugal. Mas de lá para cá já se realizaram mais cinco jogos e só por uma vez Portugal perdeu (2-1, em Copenhaga, a caminho do Euro 2012). Venceu três vezes, uma no Europeu da Polónia e Ucrânia, e outra nesta fase de apuramento, em novo jogo na capital do país rival.

Um jogo que serviu de estreia a Fernando Santos e que foi «traumático»
para a Dinamarca. «Portugal teve muita sorte»
, comenta Kim Vilfort. «Levaram três pontos quando um ponto já era muito bom. Pode ser uma das chaves do apuramento. Abalou a confiança da nossa equipa e fortaleceu a de Portugal»
, acrescenta.

Daniel Jensen acredita, até, que Braga pode ser palco de uma «vingança»
. «Se aguentarem o 0-0 até perto do fim, acho que deveriam arriscar tudo para conseguir a vitória e vingar aquele jogo»,
projeta o médio.


Daniel Jensen em luta com Deco no jogo de 2008, em Alvalade


E acrescenta: «Os últimos dois jogos da Dinamarca tiraram muita confiança à equipa e ao país. Nesta altura é impossível saber o que esperar do jogo. Se perguntar aqui às pessoas na Dinamarca vão-lhe dizer quase todas que vamos perder. O sentimento é esse. Mas há sempre aquela esperança que desta vez as coisas corram bem, até porque temos jogadores que podem fazer a diferença.»


Pedimos exemplos e Jensen apontou dois. Cristian Eriksen, médio do Tottenham, é «uma grande esperança» do país. «Vem de uma lesão, ainda não sabemos muito bem como está, mas é um jogador que pode fazer a diferença. Até num livre»
, frisa. E também Bendtner «se tiver bola e melhorar a autoconfiança»
. O avançado do Wolfsburgo até costuma marcar a Portugal: cinco golos nos últimos seis confrontos.

HISTÓRICO PORTUGAL-DINAMARCA


1966: Dinamarca-Portugal, 1-3 (Amigável)
1970: Dinamarca-Portugal, 0-1 (Apuramento Euro 72)
1971: Portugal-Dinamarca, 5-0 (Apuramento Euro 72)



1976: Portugal-Dinamarca, 1-0 (Apuramento Mundial 78)
1977: Dinamarca-Portugal, 2-4 (Apuramento Mundial 78)



1995: Portugal-Dinamarca, 1-0 (Amigável)
1996: Dinamarca-Portugal, 1-1 (Euro 96)
2000: Portugal-Dinamarca, 2-1 (Amigável)
2006: Dinamarca-Portugal, 4-2 (Amigável)
2008: Portugal-Dinamarca, 2-3 (Apuramento Mundial 2010)



2009: Dinamarca-Portugal, 1-1 (Apuramento Mundial 2010)
2010: Portugal-Dinamarca, 3-1 (Apuramento Euro 2012)
2011: Dinamarca-Portugal, 2-1 (Apuramento Euro 2012)
2012: Dinamarca-Portugal, 2-3 (Euro 2012)



2014: Dinamarca-Portugal, 0-1 (Apuramento Euro 2016)

«Portugal não é do top-5 europeu»


Daniel Jenson e Kim Vilfort não escondem o respeito por Portugal mas salientam que o momento atual da seleção nacional não é fulgurante nem assustador. É bom, exige respeito, mas nada mais.

«Portugal é uma equipa que alterna sempre bons resultados com outros desapontantes. Tiveram alguns no início desta campanha, não é? Tiveram sorte que as outras equipas foram perdendo pontos…»
, diz Jensen.

Vilfort completa a ideia: «Portugal está a mudar. Estão a aparecer outros jogadores e esse processo leva o seu tempo. Portugal tem sorte de ter um jogador como Ronaldo que disfarça alguns problemas nessa fase. Como Portugal não é um país muito grande, quando é preciso mudar a equipa é sempre um problema. Acontece em vários outros países com uma base de recrutamento reduzida.»


Ainda assim, para ambos, é com naturalidade que vêm Portugal estar tão perto do Europeu.

Daniel Jensen diz mesmo que «Portugal tem de estar no Euro»
. «É uma equipa de classe mundial e muito respeitada aqui e no resto da Europa. Ainda por cima agora com dois lugares de apuramentos direto. Tem de ir…»
, insiste.

No torneio de França, contudo, a confiança dinamarquesa em Portugal não é tão saliente. Daniel Jensen é taxativo:
«Não me parece, nesta altura, uma equipa de top-5 da Europa. Será sempre um outsider no Euro».



1996 (June 9) Denmark 1-Portugal 1 (European... por sp1873
Portugal-Dinamarca no Euro 96


Kim Vilfort toca num ponto sensível:
«Depende de Ronaldo».
«Isso não é necessariamente mau, claro, tendo em conta o jogador que estamos a falar. Mas creio que é uma equipa, hoje, mais dependente do Ronaldo do que há cinco ou seis anos, quando tinha muitos outros jogadores de qualidade. E Ronaldo também não está a ficar novo…», alerta.

Ainda assim, é sempre bom ter um olho na seleção portuguesa, dizem ambos. Jensen não tem a experiência de sucesso de Vilfort mas, com presenças no Euro 2004 e Mundiais da Alemanha e África do Sul, sabe que são torneios à parte:
«Depois de começar tudo pode acontecer. Portugal pode ganhar a qualquer equipa se, naquele mês, formar um bom grupo. É uma competição curta, tudo é diferente.»

Voltando ao jogo de Braga, e para fim de conversa, Jensen e Vilfort deram umas luzes sobre o que teria de fazer a Dinamarca para ter sucesso.

Para Daniel Jensen há uma missão obrigatória: parar Ronaldo.
«Ele muda a equipa. Se está bem é uma coisa, se não está tão bem é outra. Acho que a Dinamarca tem duas formas possíveis para atuar: ou para o Ronaldo ou para os que lhe fazem chegar a bola. A melhor forma? Talvez seja melhor focarem-se na equipa de Portugal e depois torcer para o Ronaldo não estar numa das noites dele…», explica.

Vilfort, por seu turno, acredita no potencial do seu país a defender.
«É o nosso ponto forte», sublinha.

«A Dinamarca vai entrar em campo preparada para jogar para o empate. Esta não é, de longe, a melhor seleção dos últimos anos, mas continua a ser competente neste ponto. Tem um problema: tem dificuldades quando tem de ter a bola. E não acredito que vão ter muita bola contra Portugal, por isso pode correr bem se a defesa estiver bem»,
remata.

Recorde a final do Euro 92, com golo de Kim Vilfort:


 

Relacionados

Seleção

Mais Seleção

Patrocinados