Quem segue a minha coluna de opinião sabe que não sou pessoa de pessimismos ou propenso a fazer sobressair os lados mais negativos dos temas que abordo – sou mais de dizer as coisas de forma construtiva para que seja percetível a todos os que as leem. Também tenho por hábito o “não dourar a pílula” ou adicionar pontos à história, por mais curta que essa seja ou por maior que seja a tentação.
Os que me conhecem melhor sabem que entre as várias atividades profissionais que tenho, a que prefiro é a de professor na universidade, e porquê, pergunta o leitor? Porque gosto de ajudar a construir profissionais do amanhã e que sejam melhores que o mestre, sempre melhores. Com um verdadeiro espírito de missão, o que procuro sempre é que os meus alunos saiam das minhas aulas preparados para o mercado que os espera. Dou aulas maioritariamente a alunos de 3º ano de licenciatura, de mestrado e claro, aos de doutoramento na temática, essa minha alma mater, a Engenharia Informática. Não é uma matéria fácil e para quem entra no primeiro ano, mesmo saindo do secundário com excelentes notas, as dos 18 e 19’s, as primeiras notas que recebem às unidades são sempre baixas. Claro que há quem tire notas boas, mas a realidade é que esses são sensivelmente 10% de uma turma de 80 pessoas, por exemplo.
Passamos anos a moldar a forma como o aluno vê um desafio para que possa, com recurso às mais variadas cadeiras, mesmo a física, moldar o seu intelecto para encontrar soluções onde não as há e mais, a fazer a solução quando não há sequer ideia de como resolver o desafio. Isto é ser engenheiro, saber-saber, mas, acima de tudo, saber-fazer quando não dá como fazer. Não me esqueço das palavras de um grande professor que tive, “o impossível só existe para quem não tenta”. E é assim nos dias em que entro numa sala de aula com dezenas de, permitam-me, miúdos, vejo-os crescer e evoluir ao ponto de sentir um orgulho imenso pelo que alcançam.
É aqui que as coisas, mais recentemente, estão a caminhar para o “diferente”. E quando digo “diferente”, digo para o que não era expectável que acontecesse ao final de uma licenciatura a uma considerável parte dos finalistas. No meu tempo, os que optavam por não seguir os estudos e ir trabalhar eram, na sua maioria, a maioria, isto é, como a licenciatura era de 4 ou 5 anos, os alunos saíam para o mercado de trabalho, onde certamente a sua carreira começava a todo o vapor. Hoje também as carreiras começam a todo o vapor, mas o que está a surpreender é o facto de os finalistas não prosseguirem os seus estudos com o mestrado e ainda antes de terminar o primeiro semestre do terceiro ano, já possuírem propostas de trabalho. Onde? Na Bélgica, Holanda, França (na zona da Basileia), Alemanha e nos países mais nórdicos. Não estou a falar de um ou dois, estou a falar de uma turma que tenha por exemplo 32 alunos, entre 10 a 15 já possuem propostas válidas para fora de Portugal a auferir, de entrada, valores entre os 2500€ e 3000€. Juntam-se em grupos para irem trabalhar nas mesmas zonas a partilhar alojamentos, ou juntam-se a residências onde já estão outros como eles em quartos individuais. Acabam a licenciatura e vejo no LinkedIn que iniciaram funções ali e acolá.
Algures li que as estatísticas mostravam que cerca de um terço dos jovens emigra; ora, eu acho que um valor maior que esse é a realidade no meio das tecnologias e eu não deveria estar surpreendido, pois se 20% dos médicos recém-saídos da Universidade emigram, porque não haveriam de o fazer os restantes profissionais ligados às STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática)?
Isto não é um bom presságio para o nosso futuro pois se os que ficam já estão estabelecidos, os que saem com menos de 25 anos rapidamente se estabelecem fora de Portugal com um poder de compra e qualidade de vida que aqui só alcançariam aos 35. Não tardará a verificarmos um défice de ciência relativamente aos nossos parceiros de União e um êxodo que não retorna tão cedo. Quem fica a perder?
Nas contas do deve e do haver há de facto uma componente que tem muito peso no desenvolvimento de uma nação, as pessoas que estudam STEM. Portugal já há muitos anos vem perdendo quadros que forma dentro das STEM por falta de condições económicas, pois embora não pareça, o que em tempos foi uma área profissional que deu imensos frutos económicos, estagnou completamente a partir de 2005. Basta conversar com os engenheiros e outros especialistas em ciências para perceber que algures em 1995 ganhavam 250 a 300 contos; um ordenado sólido e que dava para iniciar confortavelmente qualquer vida, dentro de um leque de valores similar aos dos médicos ou juízes à altura. Passados tantos anos, um engenheiro ganha já como sénior mais ou menos esse valor, os 1500€ quando não menos, e para auferir tal, tem de possuir várias especializações ou ser um bom profissional num determinado segmento. Passaram-se quase 20 anos e estas profissões qualificadas não acompanharam a inflação e a maioria dos outros profissionais que se enquadram nas outras letras de STEM, esses, são quase todos funcionários públicos como professores na universidade ou politécnico, investigadores bolseiros, ou cientistas em plataformas médico-hospitalares. Todos em comum possuem uma coisa, um salário que não acompanha nem de perto nem de longe o que se passa no resto da Europa dentro dos países humanamente e fiscalmente similar ao nosso.
Novamente, quem fica a perder?
Nós todos porque não estamos a conseguir reter este talento e melhor (leia-se pior), não estamos a conseguir ter um poder salarial médio atrativo. Se há uns anos os jovens diziam que não valia a pena ir para a universidade pois não se ganhava assim tanto acima dos que não iam, agora vão, mas porque querem emigrar, e isto é algo que nunca se tinha visto: finalistas ansiosos por sair, não da universidade, mas de Portugal.
Quem ganha?
Esta semana estou a escrever-vos a partir de Montbeliard na França, vindo de uma viagem de Zurique onde estive um dia. Sabem quem são considerados por aqui os especialistas dentro das STEM e com excelentes condições profissionais? Os que saíram com um canudo na mão com um selo da República Portuguesa.